Passagens sobre Televisão

70 resultados
Frases sobre televisão, poemas sobre televisão e outras passagens sobre televisão para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Os Professores

O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.

O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efectiva.

Continue lendo…

Acho que a televisão é muito educativa. Todas as vezes que alguém liga o aparelho, vou para a outra sala e leio um livro.

As canções e os poemas ignoram tanto acerca do amor. Como se explica, por exemplo, que não falem dos serões a ver televisão no sofá? Não há explicação. O amor também é estar no sofá, tapados pela mesma manta, a ver séries más ou filmes maus. Talvez chova lá fora, talvez faça frio, não importa. O sofá é quentinho e fica mesmo à frente de um aparelho onde passam as séries e os filmes mais parvos que já se fizeram. Daqui a pouco começam as televendas, também servem.

Antes de ser baleado, sempre suspeitei de estar vendo televisão, em vez de estar vivendo a vida. As pessoas às vezes dizem que a maneira como as coisas acontecem em filmes é irreal, mas na verdade é o modo como as coisas acontecem na vida que é irreal.

Queixas de um Utente

Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.

Acho a televisão muito educativa. Toda as vezes que alguém liga o aparelho, vou para outra sala e leio um livro.

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Continue lendo…

A Educação da Fé

Sendo a fé um dom, como pode ser motivo de educação? Não pode realmente ser ensinada, mas sim irradiada. Os que a possuem podem significar a estrela-guia, a perseverança num encontro difícil de suceder, mas cuja esperança comove todo o nosso ser. É possível que a Igreja se volte para esse apostolado da fé que foi extremamente importante no seu começo. Não o velho sistema de grupos sectários que são o modelo dos processos políticos e que, quando se afirma um movimento e este toma amplitude, se eliminam. Não é isso. Trata-se de focos de comunicação que dispensam a organização premeditada e até a linguagem elaborada, o discurso piedoso e a erudição duma exegese. Um interessar a alma na fé sem recorrer ao preconceito da santidade. Descobrir a imensa novidade da fé num mundo em que o próprio cristão vive de maneira pagã e singularmente a coberto dos antigos textos que esqueceu ou que desconhece completamente.

A prova de que o cristão vive como um bárbaro é o sentido que tomou a arte religiosa. Não é raro encontrar nas salas de convívio burguesas, juntamente com a televisão, ou a mesa de jogo, ou a instalação estereofónica para o gira-disco,

Continue lendo…

O ser humano ainda não tinha aprendido a amar o próximo e já tinha inventado a televisão que ensina a desprezar o distante.

Não entendo. Nossa televisão, com excepções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenómeno. E fiquei triste, decepcionada: eu quereria um povo mais exigente.

Se há algo inquietante para o estômago, é assistir a atores na televisão falando sobre suas vidas pessoais.

A Leitura Depara-se com uma Série de Obstáculos

A leitura depara-se com uma série de obstáculos, é muito mais fácil sentarmo-nos no sofá a ver televisão do que a ler um jornal até. E a questão parece ser esta sociedade de facilistismo em que deixou de se perceber que as coisas que dão algum trabalho também são as que dão mais prazer, porque são conquistadas. A leitura dá algum trabalho e temos de conquistar um espaço para ela na nossa vida, temos de nos empenhar para absorvê-la completamente, para que faça sentido. Isso é que se perdeu um pouco de vista, mas penso que quem procura acabará por encontrar e tenho esperança de que as pessoas não deixem de procurar, não desistam, porque baixar os braços é ficar sempre no mesmo sítio.

O Poder das Palavras

A humanidade entrará no terceiro milénio sob o império das palavras. Não é verdade que a imagem esteja a suplantá-las nem que possa extingui-las. Pelo contrário, está a potenciá-las: nunca houve no mundo tantas palavras com tanto alcance, autoridade e arbítrio como na imensa Babel da vida atual. Palavras inventadas, maltratadas ou sacralizadas pela imprensa, pelos livros descartáveis, pelos cartazes de publicidade; faladas e cantadas pela rádio, pela televisão, pelo cinema, pelo telefone, pelos altifalantes públicos: gritadas à brocha nas paredes da rua ou sussurradas ao ouvido nas penumbras do amor. Não: o grande derrotado é o silêncio. As coisas têm agora tantos nomes em tantas línguas que já não é fácil saber como se chamam em nenhuma. Os idiomas dispersam-se à rédea solta, misturam-se e confundem-se, desembestados rumo ao destino inelutável de uma língua global.

A televisão é muito educativa. Toda vez que alguém liga uma, entro num quarto para ler um livro.

Eu vejo as notícias na televisão mas nos jornais leio principalmente a Opinião. Quanto aos enganos que se encontram na imprensa, percebo que resultam da obrigação de encher muitas páginas. Até porque reparo que mesmo os jornais muito importantes se enganam.

lamento para a língua portuguesa

não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.

Continue lendo…

Fomos Deixando de Escutar

Me entristece o quanto fomos deixando de escutar. Deixámos de escutar as vozes que são diferentes, os silêncios que são diversos. E deixámos de escutar não porque nos rodeasse o silêncio. Ficámos surdos pelo excesso de palavras, ficámos autistas pelo excesso de informação. A natureza converteu-se em retórica, num emblema, num anúncio de televisão. Falamos dela, não a vivemos. A natureza, ela própria, tem que voltar a nascer. E quando voltar a nascer teremos que aceitar que a nossa natureza humana é não ter natureza nenhuma. Ou que, se calhar, fomos feitos para ter todas as naturezas.

Falei dos pecados da Biologia. Mas eu não trocaria esta janela por nenhuma outra. A Biologia ensinou-me coisas fundamentais. Uma delas foi a humildade. Esta nossa ciência me ajudou a entender outras linguagens, a fala das árvores, a fala dos que não falam. A Biologia me serviu de ponte para outros saberes. Com ela entendi a Vida como uma história, uma narrativa perpétua que se escreve não em letras mas em vidas.

A Biologia me alimentou a escrita literária como se fosse um desses velhos contadores não de histórias mas de sabedorias. E reconheci lições que já nos tinham sido passadas quando ainda não tínhamos sido dados à luz.

Continue lendo…

O Dinheiro Tem uma Qualidade Detergente

O dinheiro tem, entre outras incontáveis virtudes, uma qualidade detergente. E múltiplas qualidades nutricionais. Alegra-te os belos olhos, engorda-te as bochechas, permite-te esse modo de ocupares uma poltrona, de pernas bem esticadas e jornal nas mãos. Dá-te essas mãos impolutas que emergem dos punhos de algodão branco da camisa. Já não és tu quem vagueia à noite. Podes contratar quem capture, degole e esfole as presas que constituem os ingredientes indispensáveis do cozido ou da paella dos domingos. Assim se fez sempre nas casas das boas famílias.

Não é o senhor da casa que desfere o golpe fatal ao coelho, não é a senhora que crava a faca no pescoço da galinha e a depena, com o pote de barro entre as pernas, cheio de pão migado que o sangue há de empapar como deve ser, para o rico ensopado. Aos senhores os animais chegam sempre já cozinhados, servidos numa bandeja coberta por uma reluzente campânula de prata, ou na caçarola, guarnecidos, irreconhecíveis de tão desfigurados e, por isso mesmo, apetitosos na sua aparente inocência. Assim se fez sempre, assim se continua a fazer; nós próprios adquirimos em poucos anos esse privilegiado estatuto, a ilusão de sermos todos senhores: em remotos pavilhões industriais,

Continue lendo…