Os Dois Infinitos
Duas coisas enchem a alma de admiração e de respeito sempre renovados e que aumentam à medida que o pensamento mais vezes se concentra nelas: acima de nós, o céu estrelado; no nosso íntimo, a lei moral. Não é necessário buscá-las e adivinhá-las como se estivessem ofuscadas por nuvens ou situadas em região inacessível, para além do meu horizonte; vejo-as ante mim e relaciono-as imediatamente com a consciência da minha existência. A primeira, a partir do lugar que ocupo no mundo exterior, estende a relação do meu ser com as coisas sensíveis a todo esse imenso espaço onde os mundos se sucedem aos mundos e os sistemas aos sistemas e a toda a duração ilimitada dos seus movimentos periódicos. A segunda parte do meu invisível eu, da minha personalidade e do meu posto num mundo que possui a verdadeira infinitude, mas no qual o entendimento mal pode penetrar e ao qual reconheço estar vinculado por uma relação não apenas contingente, mas universal e necessária (relação que também alargo a todos esses mundos visíveis).
Numa, a visão de uma infinidade de mundos quase aniquila a minha importância, na medida em que me considero uma criatura animal que, depois de ter (não se sabe como) gozado a vida durante um breve lapso de tempo,
Passagens sobre Tempo
3138 resultadosO tempo é como se fosse um rio que os acontecimentos formassem.
Os pensamentos são como as flores, aquelas que apanhamos de manhã mantêm-se muito mais tempo viçosas.
Cada vez que vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estreia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.
Eu não sou o meu próprio amigo.
O tempo corta-me em dois.
Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez tua rosa tão importante.
Amámos e amámos tanto tempo quanto pudemos até que o nosso amor se consumiu nos dois; o nosso casamento morreu quando o prazer se foi; foi o prazer que fez um juramento.
Uma Direcção, e Não Soluções
A diferença entre solução e direcção é esta: a solução é sempre um remédio passageiro para disfarçar a desgraça. Ao passo que a direcção é a própria dignidade posta nas mãos do desgraçado para que deixe de o ser, e a direcção única é a garantia perpétua dessa dignidade. E foi o que fez Goethe: Descobriu a direcção única. Artista, na verdadeira acepção da palavra; Artista é aquele que precede a própria ciência. Por isso Goethe afastou-se de quantas realidades irrealizáveis onde costumam habitar instaladas as gentes. E impassível, desde cima, assistiu ao desenrolar da tragédia. E viu o mundo inteiro por cima de todas as cabeças, e viu a Europa toda e com cada um dos seus pedaços, e viu cada indivíduo da Humanidade como um pequenino astro tonto que nem sabe sequer ir na parábola da sua própria trajectória, e viu que de todos os seres deste mundo o único que errava o seu fim era o Homem, o dono da Terra! E viu que era na Humanidade que estavam os únicos seres deste mundo que não cumpriam com o seu próprio destino, e finalmente viu! Viu com os seus próprios olhos o que ninguém tinha visto antes dele.
Querer é Poder
Querer alguém, ou alguma coisa, é muito fácil. Mesmo assim, olhar e sentirmo-nos querer, sem pensar no que estamos a fazer, é uma coisa mais bonita do que se diz. Antes de vermos a pessoa, ou a coisa, não sabíamos que estávamos tão insatisfeitos. Porque não estávamos. Mas, de repente, vemo-la e assalta-nos a falta enorme que ela nos faz. Para não falar naquela que nos fez e para sempre há-de fazer. Como foi possível viver sem ela? Foi uma obscenidade. Querer é descobrir faltas secretas, ou inventá-las na magia do momento. Não há surpresa maior.
O que é bonito no querer é sentirmo-nos subitamente incompletos sem a coisa que queremos. Quanto mais bela ela nos parece, mais feios nos sentimos. Parte da força da nossa vontade vem da força com que se sente que ela nunca poderia querer-nos como nós a queremos. Querer é sempre a humilhação sublime de quem quer. Por que razão não nos sentimos inteiros quando queremos? É porque a outra pessoa, sem querer, levou a parte melhor que havia em nós, aquela que nos faz mais falta. E a parte de nós que olha por nós e que nos reconcilia connosco. Quanto mais queremos outra pessoa,
O homem que tenta ser bom o tempo todo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons.
Um desgosto de mulher. Isso não tem remédio, filho. Eu sei muito bem. Porque eu vivi num tempo em que o amor era uma coisa perigosa. Tu vives num tempo em que o amor é uma coisa estúpida.
A Dependência é a Raiz de Todos os Males
O que deve um cão a um cão, um cavalo a um cavalo? Nada. Nenhum animal depende do seu semelhante. Tendo porém o homem recebido o raio da Divindade a que se chama razão, qual foi o resultado? Ser escravo em quase toda a terra. Se o mundo fosse o que parece dever ser, isto é, se em toda parte os homens encontrassem subsistência fácil e certa e clima apropriado à sua natureza, impossível teria sido a um homem servir-se de outro. Cobrisse-se o mundo de frutos salutares. Não fosse veículo de doenças e morte o ar que contribui para a existência humana. Prescindisse o homem de outra morada e de outro leito além do dos gansos e cabras monteses, não teriam os Gengis Cãs e Tamerlões vassalos senão os próprios filhos, os quais seriam bastante virtuosos para auxiliá-los na velhice.
No estado natural de que gozam os quadrúpedes, aves e répteis, tão feliz como eles seria o homem, e a dominação, quimera, absurdo em que ninguém pensaria: para quê servidores se não tivésseis necessidade de nenhum serviço? Ainda que passasse pelo espírito de algum indivíduo de bofes tirânicos e braços impacientes por submeter o seu vizinho menos forte que ele,
O tempo não existe, só existe o passar do tempo.
Quando Cuido No Tempo Que, Contente
Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vê por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente.Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quão distante de vós mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar também me ausente.Já foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo);Agora, em tanto mal não mo assegura
a própria fantasia e nojo vosso:
eu não posso entender este segredo!
Os que não sabem aproveitar o tempo dissipam o seu, e fazem perder o alheio.
Opinião, Fé e Ciência
A crença, ou o valor subjectivo do juízo, com relação à convicção (que tem ao mesmo tempo um valor objectivo), apresenta os três graus seguintes: a opinião, a fé e a ciência. A opinião é uma crença que tem consciência de ser insuficiente tanto subjectiva quanto objectivamente. Se a crença é apenas subjectivamente suficiente e se é ao mesmo tempo considerada objectivamente insuficiente, chama-se fé. Enfim, a crença suficiente tanto subjectiva quanto objectivamente chama-se ciência.
Com tempo e esperança, tudo se alcança.
Soneto 575 Revisitado
Quem disse que o Natal é só mercado?
Por trás do panetone ou da castanha
está um publicitário, uma campanha,
o lucro, as estatísticas, o Estado.É certo. Mas o espírito arraigado
mais dura que o presente que se ganha,
mais lembra que um peru, que uma champanha
a alguém com mais futuro que passado.Pois ela, a criancinha, é quem segura
o tempo, em seu efêmero momento,
salvando algo de júbilo ou ternura.Esqueça-se o comércio! Ainda tento
rever cada Natal, cada gravura
em meio a tanto adulto rabugento…
Quanto menos tempo tenho para praticar as coisas, menos curiosidade sinto em aprendê-las.
Amor Fero e Cruel, Fortuna Escura
Grão tempo há já que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada,
Que a longa experiência da passada
Me dava claro indício da futura.Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruí, não fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.Soube Amor da Ventura que a não tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossíveis me mantinha.Mas vós, Senhora, pois que minha estrela
Não foi melhor, vivei nesta alma minha,
Que não tem a Fortuna poder nela.