Textos sobre Anos

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Textos de anos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Os Nossos Verdadeiros Amores

Quando se é novo é sempre a somar. Somam-se amigos, emoções, experiências, livros, canudos, sítios, responsabilidades, preocupações e ambições, vícios e prazeres que não viciam.

Até cada ano de vida que se viveu é celebrado como se fosse uma proeza. É triunfalmente que se chega aos 6, 10, 14, 18 ou 22 anos. E com razão. Ainda consigo lembrar-me que eram obra.

Depois, não sei a que a idade (é aquela em que nos deixamos de importar tanto com as coisas, daí nunca darmos por ela), começamos a compreender a alegria e a liberdade de subtrair coisas e pessoas que só nos pesam, roubando-nos tempo, paciência e a calma necessária para sobrevivermos e que se vão tornando, monstruosa e deliciosamente, cada vez maiores.

O tempo de subtrair é cruel e frio e imensamente libertador. Dá vida aos últimos anos de vida que temos. Sim, porque a vida acaba. A morte acontece e, irritantemente, dura para sempre. Há quem diga que é como o tempo antes de nascermos (até um génio como Samuel Beckett caiu neste pensamento impreciso) mas não é. O tempo depois de morrermos é sempre pior do que o tempo antes de nascermos.

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O Provincianismo Português (I)

Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do “Orpheu”, disse a Mário de Sá-Carneiro: “V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris,

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O Amor Vulgar

Pinta-se o Amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacob, nunca chega à idade de uso de razão. Usar de razão, e amar, são duas coisas que não se juntam. A alma de um menino, que vem a ser? Uma vontade com afectos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos Pintores do Amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem, que isto que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância: e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama, porque conhece, é amante; quem ama, porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento.

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Quem Quiser Acabar com a Guerra

Quem quiser, de facto, acabar com a guerra tem que intervir resolutamente para que o Estado a que pertence renuncie a uma parte da sua soberania a favor de instituições internacionais; deve estar pronto a submeter o próprio Estado, em caso de qualquer conflito, à arbitragem dum Tribunal internacional; tem de intervir com toda a decisão para que todos os Estados procedam ao desarmamento, conforme está previsto até mesmo no desgraçado tratado de Versalhes; nenhum progresso poderá esperar-se se não for suprimida a educação militar e patriótica — no sentido agressivo — do povo.
Nenhum outro acontecimento dos últimos anos foi mais vergonhoso para os Estados actualmente mais considerados, que o malogro das anteriores conferências de desarmamento; pois esse malogro não assenta apenas nas intrigas de estadistas ambiciosos e sem escrúpulos, mas também na indiferença e falta de energia dos homens de todos os países. Se isto não se modificar, destruiremos o que os nossos antepassados criaram de verdadeiramente valioso.

As Mães

Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terão morrido. Passaram o verão todo a transformar a luz em canto – não sei de destino mais glorioso. Quem lá encontraremos, pela certa, são aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos, como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem órfãs. Não as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro, elas estão em toda a parte onde nasça o sol: em Cória ou Catania, em Mistras ou Santa Clara del Cobre, em Varchats ou Beni Mellal, porque elas são as Mães. O olhar esperto ou sonolento, o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes, elas são as Mães. A tua; a minha, se não tivera morrido tão cedo, sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. Provavelmente estão aí desde a primeira estrela. E como duram! Feitas de urze ressequida, parecem imortais. Se o não forem, são pelo menos incorruptíveis, como se participassem da natureza do fogo. Com mãos friáveis teceram a rede dos nossos sonhos, alimentaram-nos com a luz coada pela obscuridade dos seus lenços. Às vezes encostam-se à cal dos muros a ver passar os dias,

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A Mudança de Lugar não Muda a Dor do Sentimento

Quão mal está no caso quem cuida que a mudança de lugar muda a dor do sentimento! E, se não, diga-o quien dijo que la ausencia causa olvido. Porque, enfim, la tierra queda, e, o mais, a alma acompanha. Ao alvo destes cuidados jogam meus pensamentos à barreira, tendo-me já, pelo costume, tão contente, de triste, que triste me faria ser contente; porque o longo uso dos anos se converte em natureza. Pois o que é para maior mal, tenho eu para maior bem. Ainda que, para viver no mundo, uso um outro pano, para não parecer coruja entre pardais, fazendo-me um para ser outro, sendo outro para ser um; mas a dor dissimulada dará seu fruto, que a tristeza no coração é como a traça no pano.

E por tão triste me tenho
que, se sentisse alegria,
de triste, não viveria.
Porque a tal sorte vim
que não vejo bem algum
em quanto vejo,
que não nasceu para mim;
e por não sentir nenhum,
nenhum desejo.

Porque, coisas impossíveis, é melhor esquecê-las que desejá-las. E, por isso

Só tristeza ver queria,
pois minha ventura quer
que só ela conheça por alegria,

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Em Todas as Sociedades Existe um Impulso Para a Conformidade

A imposição de padrões pelas sociedades aos seus extremamente diversificados indivíduos tem variado muito em diferentes períodos históricos e diferentes níveis de cultura. Nas culturas mais primitivas, onde as sociedades eram pequenas e ligadas a tradições muito estreitas, a pressão para o conformismo era naturalmente muito intensa. Quem ler literatura de antropologia ficará espantado com a natureza fantástica de algumas das tradições às quais os homens tiveram de se adaptar. A vantagem de uma sociedade grande e complexa como a nossa é permitir à variedade de seres humanos expressar-se de muitas maneiras; não precisa de haver uma adaptação intensa, como a que encontramos em pequenas sociedades primitivas. Mesmo assim, em toda a sociedade há sempre um impulso para a conformidade, imposto de fora pela lei e pela tradição, e que os indivíduos impõem sobre si mesmos, tentando imitar o que a sociedade considera o tipo ideal.
A esse respeito, recomendo um livro muito importante do filósofo francês Jules de Gaultier, publicado há cerca de cinquenta anos, chamado “Bovarismo”. O nome vem da heroína do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary, no qual essa jovem mulher infeliz sempre tentava ser o que não era. Gaultier generaliza isso e diz que todos temos tendência a tentar ser o que não somos,

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Uma Completa Fome por Ti

Anais,

Não esperes que continue são. Não vamos ser sensatos. Foi um casamento, em Louveciennes — não podes negá-lo. Voltei com pedaços de ti pegados a mim. Estou a andar, a nadar num oceano de sangue, o teu sangue andaluz, destilado e venenoso. Tudo o que faço e digo e penso tem a ver com o casamento. Vi-te como a senhora do teu lar, uma moura de cara pesada, uma negra com um corpo branco, olhos por toda a tua pele, mulher, mulher, mulher. Não consigo ver como conseguirei viver longe de ti — estas interrupções são uma morte. Como te pareceu quando o Hugo voltou? Eu continuava aí? Não consigo imaginar-te a moveres-te com ele como fizeste comigo. Pernas fechadas. Fragilidade. Doce, traiçoeira aquiescência. Docilidade de pássaro. Tornaste-te uma mulher comigo. Isso quase me aterrorizou. Não tens só trinta anos de idade… Tens mil anos de idade.

Aqui estou de volta e ainda fervilhando de paixão, como vinho a fermentar. Não uma paixão apenas da carne, mas uma completa fome por ti, uma fome devoradora. Leio no jornal acerca de suicídios e homicídios e compreendo-o perfeitamente. Sinto-me assassino, suicida. Sinto talvez ser uma desgraça nada fazer,

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Cada Vez Nos Casamos Mais

Ao fim de 14 anos, cada vez que eu olho para a minha mulher, cada dia que acordo ao lado dela, o que mais me comove e impressiona é precisamente a novidade de vê-la, poder amá-la, ter a sorte de ser amado por ela.
Cada coisa que fazemos é ao mesmo tempo antiquíssima – como uma cerimónia que construímos juntos só para nós os dois – e novíssima, pelo desejo e pelo entusiasmo de lá estar, naquele lugar que ela abriu para mim e ela no lugar que só é dela, que sou eu.

O casamento é só uma palavra: é verdade. Mas também pode ser a vontade de casarmos e ficarmos casados, todos os dias, com a mesma pessoa que amamos.
Cada vez nos casamos mais. As diferenças dela vão cabendo cada vez melhor nas minhas. Cada vez somos, a Maria João e eu, mais livres de sermos como somos, cada um de nós, e de sermos como somos, nós os dois.
Ela torna-se mais ela; eu torno-me mais eu, ela e eu com menos medo que o outro fuja por causa disso. Mas com medo à mesma. E ganância de viver e curiosidade em saber como é que o décimo quinto ano vai ser melhor do que este.

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A Fonte da Felicidade Reside Dentro de Nós

O hábito de me recolher a mim mesmo acabou por me tornar imune aos males que me acossam, e quase me fez perder a memória deles. Desse modo, aprendi com base na minha própria experiência que a fonte da felicidade reside dentro de nós e que não está no poder dos homens fazer com que fique realmente desgostosa uma pessoa determinada a ser feliz. Por quatro ou cinco anos desfrutei regularmente de alegrias interiores que almas gentis e afectuosas encontram numa vida de contemplação.

Quais São os Escritores Que Nos Enriquecem?

Quais são os escritores que nos enriquecem? Penso que isso é diferente para todos. Penso que lemos muito subjectivamente. Lemos aquilo de que precisamos. Há quase uma força obscura que nos guia para determinado livro numa determinada altura; depois criamos problemas quando tentamos racionalizar isso e dizemos que este escritor é bom e aquele escritor é mau. Nunca fui capaz de dizer isso. Compreende, não posso dizer que Simone de Beauvoir seja má escritora, mas posso dizer que não me enriquece. O que é uma afirmação totalmente diferente. E penso que isso varia muito. Elaborei uma lista de escritoras e dos seus livros que me enriqueceram. Mas não é uma selecção literária. É uma selecção puramente subjectiva e a sua podia ser totalmente diferente.
Perguntam-me muitas vezes o que penso acerca de Simone de Beauvoir, o que penso acerca de The Golden Notebook, e é-me sempre difícil responder. Não os considero livros enriquecedores, porque me repetem incessantemente como as coisas estão, mas nunca me mostram como posso mudá-las. Logo, quando Simone de Beauvoir escreve um livro acerca do envelhecimento, ela está a curvar-se à idade cronológica e a dizer que em determinada altura ficamos velhos. Mas nós às vezes ficamos velhos aos vinte anos.

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Todos Temos Duas Almas

Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro… Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; – e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. (…) Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma…
– Não?
– Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder,

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O Humor não Salva

O humor não salva; o humor, em definitivo, não serve para quase nada. Podem ver-se, durante anos, muitos anos mesmo, os acontecimentos da vida com humor. Nalguns casos pode adoptar-se uma atitude divertida praticamente até ao fim; mas a vida acaba sempre por nos deixar de rastos. Por melhores que sejam as qualidades de coragem, sangue-frio e humor que criemos ao longo da vida, acabamos sempre por ficar com o coração em fanicos. E, então, deixamos de rir. No fim de contas, só nos resta a solidão, o frio e o silêncio. No fim de contas, só nos resta a morte.

Actividade Exterior Por Não Existir Actividade Interior

As pessoas necessitam de actividade exterior porque não têm actividade interior. Quando, pelo contrário, esta última existe, é provável que a primeira seja um aborrecimento muito incómodo, mesmo execrável, e um impedimento. Este facto também explica a inquietação daqueles que nada têm para fazer, e as suas viagens sem objectivo. O que os impele de país em país é o mesmo tédio que no seu país os congrega em tão grandes grupos que chegam a tornar-se divertidos.

Recebi certa vez uma excelente confirmação desta verdade através de um cavalheiro de cinquenta anos que não conhecia, e que me falou de uma viagem de recreio de dois anos que havia feito a terras distantes e a estranhas regiões da Terra. Quando observei que por certo tivera de enfrentar muitas dificuldades e perigos, respondeu-me muito ingenuamente, sem hesitação nem preâmbulo, mas como se enunciasse simplesmente a conclusão de um silogismo: «Não tive um instante de aborrecimento».

Sensibilidade no Tom Certo

Quanto mais aprofundamos, com a vida, a própria sensibilidade, mais ironicamente nos conhecemos. Aos 20 anos eu cria no meu destino funesto; hoje conheço o meu destino banal. Aos 20 anos aspirava aos Principados do Oriente; hoje contentar-me-ia, sem pormenores nem perguntas, com um fim da vida tranquilo aqui nos subúrbios, dono de uma tabacaria vagarosa.
O pior que há para a sensibilidade é pensarmos nela, e não com ela. Enquanto me desconheci ridículo, pude ter sonhos em grande escala. Hoje que sei quem sou, só me restam os sonhos que delibero ter.
(…) O ridículo é o couce da inteligência; há muito que da inteligência não possuo senão o couce.
Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista demais para a pensar em fazer; pensar em fazê-la seria pensar em dar de mim a ideia de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.

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O Exercício de Viver

Se o exercício de viver consiste maioritariamente em se ir atraiçoando um por um os sonhos que animaram os nossos anos de infância e juventude, então cada pessoa é o resultado exato de um bom punhado de traições. Às vezes centenas. Traem-se os sonhos mais puros e traem-se também os pesadelos. Por erro humano, fugimos de tempestades sem nos apercebermos de que eram tão nossas e estavam tão mergulhadas na nossa própria medula que sem elas não poderíamos existir. Dizemos, salva-me; dizemos, a ti já não quererei cravar facas nas pernas, não te farei mal, não desejarei ver a tua expressão de dor em nenhum espelho, amar-te-ei de outro modo, adorar-te-ei a partir de um ser que não existe, chamarei suplício ao meu passado, chamar-lhe-ei calvário até chegar a ti. Dir-te-ei que és suave como sonho o céu e que não me importo de fechar os olhos a tudo para sempre se souber que depois irás beijar-me as pálpebras. Não serei eu. Lançarei pazadas e mais pazadas de terra sobre o monstro. Aproximar-me-ei o mais possível do nada, de um caixão sem morto, de uma catedral vazia. Comprar-te-ei flores.

Não pode ser muito difícil porque nada é o que somos em definitivo,

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Parábola do Homem Sábio

Um dia um homem sábio morreu. No reino dos céus encontrou-se face a face com o Senhor Deus. Este perguntou-lhe:
“Tu, que és sábio e viveste inúmeros anos, diz-me o que aprendeste de realmente importante.”
Respondeu o homem sábio:
“Uma só coisa aprendi de realmente importante: a ignorar os mestres.”
O Senhor Deus olhou-o num demorado silêncio.
Depois voltou-lhe as costas e foi-se embora.

Produzimos uma Cultura de Devastação

Todos os anos exterminamos comunidades indígenas, milhares de hectares de florestas e até inúmeras palavras das nossas línguas. A cada minuto extinguimos uma espécie de aves e alguém em algum lugar recôndito contempla pela última vez na Terra uma determinada flor. Konrad Lorenz não se enganou ao dizer que somos o elo perdido entre o macaco e o ser humano. Somos isso, uma espécie que gira sem encontrar o seu horizonte, um projecto por concluir. Falou-se bastante ultimamente do genoma e, ao que parece, a única coisa que nos distancia na realidade dos animais é a nossa capacidade de esperança. Produzimos uma cultura de devastação baseada muitas vezes no engano da superioridade das raças, dos deuses, e sustentada pela desumanidade do poder económico. Sempre me pareceu incrível que uma sociedade tão pragmática como a ocidental tenha deificado coisas abstractas como esse papel chamado dinheiro e uma cadeia de imagens efémeras. Devemos fortalecer, como tantas vezes disse, a tribo da sensibilidade…

A Alegoria da Caverna

– Imagina agora o estado da natureza humana com respeito à ciência e à ignorância, conforme o quadro que dele vou esboçar. Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo tão-só ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feita colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem.
– Estou a imaginar tudo isso.
– Imagina homens que passem para além da parede, carregando objectos de todas as espécies ou pedra, figuras de homens e animais de madeira ou de pedra, de tal modo que tudo isso apareça por cima do muro. Os que tal transportam, ou falam uns com os outros,

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Porque é que os Homens não Compreendem as Mulheres

Tu estás convencida há vários anos de que eu não te compreendo. Esta é sempre a teoria das mulheres, que não são compreendidas, que não são queridas, que não são adoradas, as queixas montanhas grandes, queixas enormes, sempre a justificar uma infelicidade que lhes vem lá do fundo da criação do mundo, do útero, da terra, as mulheres reflectem o útero feminino da terra, um útero cheio de aflições, em conclusão, queixam-se de tudo então entre os quarenta e os cinquenta, esse útero funciona nas alturas, é um útero cósmico que já não é parte de uma mulher, pertence à mulher do mundo. Há muita verdade no que dizes, o homem desinteressa-se facilmente, depois do acto do amor, depois logo sacode as penas, arrebita, passa à frente, domina outro mundo, a mulher fica fechada, acanhada nesse encontro muito íntimo, nesse seu mais fundo dos fundos, na identidade uterina com a ideia da criação, da reprodução da génese, salta, salta, forma-se na mulher a visão do caos a que só ela pelo amor pode dar uma nova regra, pelo domínio da paixão, pela companhia, para isso tem de ser compreendida, ela julga que é compreendida, tem de justificar a sua infelicidade pela compreensão do amor,

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