A Felicidade depende do Destino ou Carácter de cada um
Todos os homens aspiram à vida feliz e à felicidade, esta é uma coisa manifesta; mas, se muitos têm a possibilidade de alcançá-la, outros não a têm em virtude de algum azar ou vício de natureza (pois a vida feliz requer um certo acompanhamento de bens externos, em quantidade menor para os indivíduos dotados de melhores disposições e em quantidade maior para aqueles cujas disposições são piores), e outros, finalmente, tendo a possibilidade de ser felizes, imprimem desde o início uma direcção errada na sua busca da felicidade.
Textos sobre Indivíduo
237 resultadosA Crítica é Menos Eficaz do que o Exemplo
A crítica é menos eficaz do que o exemplo. É de considerar se a grande sugestão para usar da crítica nos nossos tempos e que põe em causa todos os valores consagrados, não é o resultado duma anemia profunda do acto de vontade de toda uma sociedade. Todos temos consciência de como o exemplo se tornou interdito, como o indivíduo, na sua excepção perturbadora, é causa de mal-estar. Dir-se-ia que a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, têm prioridade sobre o modelo e a utopia. A par desta dimensão rasa do despotismo do demérito, levanta-se uma rajada de violência. É de crer que a violência é hoje a linguagem bastarda da desilusão e o reverso do exemplo; representa a frustração do exemplo.
Em Todas as Sociedades Existe um Impulso Para a Conformidade
A imposição de padrões pelas sociedades aos seus extremamente diversificados indivíduos tem variado muito em diferentes períodos históricos e diferentes níveis de cultura. Nas culturas mais primitivas, onde as sociedades eram pequenas e ligadas a tradições muito estreitas, a pressão para o conformismo era naturalmente muito intensa. Quem ler literatura de antropologia ficará espantado com a natureza fantástica de algumas das tradições às quais os homens tiveram de se adaptar. A vantagem de uma sociedade grande e complexa como a nossa é permitir à variedade de seres humanos expressar-se de muitas maneiras; não precisa de haver uma adaptação intensa, como a que encontramos em pequenas sociedades primitivas. Mesmo assim, em toda a sociedade há sempre um impulso para a conformidade, imposto de fora pela lei e pela tradição, e que os indivíduos impõem sobre si mesmos, tentando imitar o que a sociedade considera o tipo ideal.
A esse respeito, recomendo um livro muito importante do filósofo francês Jules de Gaultier, publicado há cerca de cinquenta anos, chamado “Bovarismo”. O nome vem da heroína do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary, no qual essa jovem mulher infeliz sempre tentava ser o que não era. Gaultier generaliza isso e diz que todos temos tendência a tentar ser o que não somos,
Os Elementos Fixadores da Personalidade
Os resíduos ancestrais formam a camada mais profunda e mais estável do carácter dos indivíduos e dos povos. É pelo seu “eu” ancestral que um inglês, um francês, um chinês, diferem tão profundamente.
Mas a esses remotos atavismos sobrepõem-se elementos suscitados pelo meio social (casta, classe, profissão, etc.), pela educação e ainda por muitas outras influências. Eles imprimem à nossa personalidade uma orientação assaz constante. Será o “eu”, um pouco artificial, assim formado, que exteriorizaremos cada dia.
Entre todos os elementos formadores da personalidade, o mais activo, depois da raça, é o que determina o agrupamento social ao qual pertencemos. Fundidas no mesmo molde pelas idéias, as opiniões e as condutas semelhantes que lhes são impostas, as individualidades de um grupo: militares, magistrados, padres, operários, marinheiros, etc., apresentam numerosos carácteres idênticos.
As suas opiniões e os seus juízos são, em geral, vizinhos, porquanto sendo cada grupo social muito nivelador, a originalidade não é tolerada nele. Aquele que se quer diferenciar do seu grupo tem-no inteiramente por inimigo.
Essa tirania dos grupos sociais, na qual insistiremos, não é inútil. Se os homens não tivessem por guia as opiniões e a maneira de proceder daqueles que os cercam,
Um Homem Realizado
Ao indivíduo acostumado ao íntimo das profundidades, o «mistério» não intimida; não fala dele e não sabe o que seja: vive-o… A realidade em que se move não comporta outra: não tem uma zona inferior nem um além: está abaixo de tudo e para além de tudo. Farto de transcendência, superior às operações do espírito e às servidões que se lhe associam, repousa na sua curiosidade inexaurível… Nem a religião nem a metafísica o intrigam: o que poderia sondar ele que se encontra já em pleno insondável? Cumulado, está-o sem dúvida; mas ignora se continua a existir.
Afirmamo-nos na medida em que, por trás de uma realidade dada, perseguimos uma outra e em que, para além do próprio absoluto, continuamos à procura. A teologia detém-se em Deus? De maneira nenhuma. Quer remontar mais alto, tal como a metafísica que, ao mesmo tempo que investiga a essência, não se digna fixar-se nela. Uma e outra temem ancorar num princípio último; passam de segredo em segredo; incensam o inexplicável e abusam dele sem pudor. O mistério, que oferenda! Mas que maldição pensar tê-lo atingido, imaginar que o conhecemos e que poderemos residir nele! Já não há que procurar: aí está ele,
A Fronteira entre a Inteligência e o Dogma
A função própria da inteligência exige uma liberdade total, implicando o direito a tudo negar e nenhuma dominação. Sempre que ela usurpa um comando, há excesso de individualismo. Sempre que se encontra tolhida, há uma colectividade opressiva, ou várias.
A Igreja e o Estado devem puni-la, cada um à sua maneira, quando ela aconselha actos que eles desaprovam. Quando ela permanece no campo da especulação puramente teórica, eles têm ainda o dever, se for caso disso, de pôr o público de sobreaviso, por todos os meios eficazes, contra o perigo de uma influência prática de certas especulações na condução das vidas. Mas, sejam quais forem essas especulações teóricas, Igreja e Estado não têm o direito nem de procurar abafá-las nem de inflingir aos seus autores quaisquer danos materiais ou morais.
Em especial, não se deve privá-los dos sacramentos se estes os desejarem. Porque, seja o que for que tenham dito, mesmo que tenham negado publicamente a existência de Deus, é possível que não tenham cometido qualquer pecado. Em tal caso, a Igreja deve declarar que se encontram em erro, mas não exigir deles seja o que for que se assemelhe a um desmentido do que afirmaram, nem privá-los do pão da vida.
A Outra Face da Inveja
Aqueles que são invejados entristecem-se com o rancor que sentem à sua volta; se são orgulhosos, por receio de algum prejuízo; se generosos, por compaixão dos que invejam. Mas depressa se alegram: se me invejam, isso quer dizer que tenho um valor, dos méritos, das graças; quer dizer que sentem e reconhecem a minha grandeza, o meu triunfo. A inveja é a sombra obrigatória do génio e da glória, e os invejosos não passam, de forma odiosa, de admiradores rebeldes e testemunhas involuntárias. Não custa muito perdoar-lhes, quando existe o direito de me comprazer e desprezá-los. Posso mesmo estar-lhes, com frequência, gratos pelo facto de o veneno da inveja ser, para os indolentes, um vinho generoso que confere novo vigor para novas obras e novas conquistas. A melhor vingança contra aqueles que me pretendem rebaixar consiste em ensaiar um voo para um cume mais elevado. E talvez não subisse tanto sem o impulso de quem me queria por terra.
O indivíduo verdadeiramente sagaz faz mais: serve-se da própria difamação para retocar melhor o seu retrato e suprimir as sombras que lhe afectam a luz. O invejoso torna-se, sem querer, o colaborador da sua perfeição.
Contágio Mental
O contágio mental representa o elemento essencial da propagação das opiniões e das crenças. A sua força é, muitas vezes, bastante considerável para fazer agir o indivíduo contra os seus interesses mais evidentes. As inumeráveis narrações de martírios, de suicídios, de mutilações, etc., determinados por contágio mental fornecem uma prova disso.
Todas as manifestações da vida psíquica podem ser contagiosas, mas são, especialmente, as emoções que se propagam desse modo. As ideias contagiosas são sínteses de elementos afectivos.
Na vida comum, o contágio pode ser limitado pela acção inibidora da vontade, mas, se uma causa qualquer – violenta mudança de meio em tempo de revolução, excitações populares, etc. – vêm paralisá-la, o contágio exercerá facilmente a sua influência e poderá transformar seres pacíficos em ousados guerreiros, plácidos burgueses em terríveis sectários. Sob a sua influência, os mesmos indivíduos passarão de um partido para outro e empregarão tanta energia em reprimir uma revolução quanto em fomentá-la.
O contágio mental não se exerce somente pelo contacto direto dos indivíduos. Os livros, os jornais, as notícias telegráficas, mesmo simples rumores, podem produzi-lo.
Quanto mais se multiplicam os meios de comunicação tanto mais se penetram e se contagiam. A cada dia estamos mais ligados àqueles que nos cercam.
A Irresponsabilidade da Multidão
A multidão que se chama parlamento nunca se sente tão feliz como quando pode calar com gritos um orador e derrubar um ministro; a multidão que se chama comício agita-se e exalta-se, mal um grito a incita a bradar «Abaixo!» sob as janelas de um inimigo ou a reclamar a cabeça de um indivíduo odiado ou ainda a queimar qualquer símbolo do poder, quer se trate de um panfleto, quer de um palácio de justiça; a multidão reunida num teatro que dá pelo nome de público pode aplaudir uma peça nova, mas, quando estimulada, não hesita em condenar e precipitar à força de uivos e assobios quem supunha tê-lo conquistado e ser-lhe, pelo engenho, superior.
No fundo, toda a multidão é um público, que não quer dispersar sem ter assistido a um espectáculo. No entanto, selvagem como é, prefere os espectáculos trágicos; sente o circo dos gladiadores ou o torneio, mais do que a fábula pastoral. Quando se animaliza, quer sangue – pelo menos, vê-lo.
Estar entre muito incute a sensação de força, ou seja, da prepotência e, ao mesmo tempo, a certeza da irresponsabilidade e da absolvição.
Disponibilidade Vazia
O cigano foi-se confessar; mas o padre, precavido, começou por interrogá-lo sobre os mandamentos de Deus. Ao que o cigano respondeu: «Olhe, senhor padre, eu ia aprender isso, mas depois ouvi um zum-zum de que tinha perdido o valor». (…) Todo o mundo – nações, indivíduos – está desmoralizado. Durante uma temporada, esta desmoralização diverte e até vagamente ilude. Os inferiores pensam que lhes tiraram um peso de cima. Os decálogos conservam do tempo em que eram inscritos sobre pedra ou bronze oseu carácter de pesadume. A etimologia de mandar significa carregar, pôr em alguém algo nas mãos. Quem manda é, sem remissão, quem tem o encargo. Os inferiores do mundo inteiro já estão fartos de que os encarreguem e sobrecarreguem, e aproveitam com ar festivo este tempo de pesados imperativos. Mas a festa dura pouco. Sem mandamentos que nos obriguem a viver de um certo modo, fica a nossa vida em pura disponibilidade. Esta é a horrível situação íntima em que se encontram já as melhores juventudes do mundo. De puro sentir-se livres, isentas de entraves, sentem-se vazias. Uma vida em disponibilidade é maior negação que a morte. Porque viver é ter que fazer algo determinado – é cumprir um encargo –,
Abrangência Literária
Lembremo-nos que a literatura, porque se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espíritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço aonde se há-de receber esse misterioso filho do tempo – o futuro.
A Intensidade de um Sentimento
Creio que a intensidade de um sentimento tem que ver com o número de elementos a que se aplica. Penso assim que ele varia na razão inversa do número desses elementos. Quanto maior for o número de filhos, menor é a alegria ou o desgosto que cada um provoca ao pai. O máximo de sentir diz respeito a todos e divide-se portanto por cada um. Se um indivíduo é o chefe de um povo, transfere para a colectividade a sua capacidade de sentir. Assim ele é praticamente insensível perante a sorte de cada um. A famosa insensibilidade de um chefe tem que ver com isso. O mesmo para o autodomínio que se refere a um indivíduo particular. Julgo que na realidade se trata de uma distribuição do seu sentir por vários elementos dos quais por exemplo os filhos (ou ele próprio) são apenas uma fracção. O resto dessa fracção pode ir para os seus negócios, o seu partido político, os seus amigos ou amantes, o seu clube. E então o admitável autodomínio tem apenas que ver com uma parcela do sentir. E com essa parcela já se pode ser forte e aguentar. Isto, se se não trata apenas, como julgo já ter dito,
A ambição que mora em cada indivíduo é o elemento motor de toda a sua conduta.
Coragem Aparente
O soldado está convencido de que tem diante de si um espaço de tempo infinitamente adiável antes que o matem; o ladrão, antes que o prendam; o homem, em geral, antes que o arrebate a morte. Esse é o amuleto que preserva os indivíduos – e às vezes os povos – não do perigo, mas do medo ao perigo; na verdade, da crença no perigo, motivo pelo qual o desafiam em certos casos, sem que sejam necessariamente bravos.
A Aptidão
Numa humanidade tão altamente desenvolvida como é a actual, cada um, por natureza, recebe em dote acesso a muitos talentos. Cada qual tem talento inato, mas só a poucos é dado por nascença e por meio da educação o grau de tenacidade, persistência e energia, para que o indivíduo se torne, realmente, um talento, para que, portanto, venha a ser aquilo que é; ou seja, traduza isso em obras e acções.
Consumismo Cego
A nossa vida é influenciada em grande medida pelos jornais. A publicidade é feita unicamente no interesse dos produtores e nunca dos consumidores. Por exemplo, convenceu-se o público de que o pão branco é superior ao pão escuro. A farinha, cada vez mais finamente peneirada, foi privada dos seus princípios mais úteis. Mas conserva-se melhor e o pão faz-se mais facilmente. Os moleiros e os padeiros ganham mais dinheiro. Os consumidores comem, sem o saber, um produto inferior. E em todos os países em que o pão é a parte principal da alimentação, as populações degeneram. Gastam-se enormes quantias na publicidade comercial. Assim, imensos produtos alimentares e farmacêuticos inúteis, e muitas vezes prejudiciais, tornaram-se uma necessidade para os homens civilizados. Deste modo, a avidez dos indivíduos suficientemente hábeis para orientar o gosto das massas populares para os produtos à venda desempenha um papel capital na nossa civilização.
O Valor Natural do Egoísmo
O egoísmo vale o que valer fisiologicamente quem o pratica: pode ser muito valioso, e pode carecer de valor e ser desprezível. E lícito submeter a exame todo o indivíduo para se determinar se representa a linha ascendente ou a linha descendente da vida. Quando se conclui a apreciação sobre este ponto possui-se também um cânone para medir o valor que tem o seu egoísmo. Se se encontra na linha ascendente, então o valor do seu egoísmo é efectivamente extraordinário, — e por amor à vida no seu conjunto, que com ele progride, é lícito que seja mesmo levada ao extremo a preocupação por conservar, por criar o seu optimum de condições vitais. O homem isolado, o «indivíduo», tal como o conceberam até hoje o povo e o filósofo, é, com efeito, um erro: nenhuma coisa existe por si, não é um átomo, um «elo da cadeia», não é algo simplesmente herdado do passado, — é sim a inteira e única linhagem do homem até chegar a ele mesmo… Se representa a evolução descendente, a decadência, a degeneração crónica, a doença (— as doenças são já, de um modo geral, sintoma da decadência, não causas desta), então o seu valor é fraco,