A Delicadeza de Expressão
As regras e os preceitos não são de grande ajuda para se aprender a falar delicadamente, se a natureza não concorrer para isso. A delicadeza de que falo é menos o efeito da arte do que de uma imaginação viva e venturosa, que sem se esforçar encontra termos apropriados para exprimir aquilo que se pensou; mas, para falar delicadamente, é necessário pensar delicadamente. A maioria das mulheres de qualidade que têm muito espírito e frequentam a sociedade falam com delicadeza, e embora não inventem palavras novas, colocam tão bem os termos de que se servem, que eles parecem inteiramente novos e feitos especialmente para significar o que elas querem dizer. Elas exprimem todo um sentimento numa única palavra, e deixam ainda mil coisas agradáveis a adivinhar; é nisso que consiste a tal delicadeza da expressão. Ela não consiste de modo algum em palavras grandiosas, num longo agrupamento de palavras harmoniosas, em frases muito rebuscadas; é necessário não sei quê de natural, de desenvolto, de simples, de ingénuo, de fácil, mas vivo e engenhoso.
Textos sobre Qualidade
178 resultadosLiberdade, Estado, Igualdade e Fraternidade, são as bases da Sociedade
Politicamente falando, não há mais do que um princípio – a soberania do homem sobre si mesmo. Essa soberania de mim e sobre mim chama-se Liberdade. Onde duas ou mais destas soberanias se associam principia o Estado. Nesta asssociação, porém, não se dá abdicação de qualidade nenhuma. Cada soberania concede certa quantidade de si mesma para formar o direito comum, quantidade que não é maior para uns do que para os outros. Esta identidade de concessão que cada um faz a todos chama-se Igualdade. O direito comum não é mais do que a protecção de todos dividida pelo direito de cada um. Esta protecção de todos sobre cada um chama-se Fraternidade. O ponto de intersecção de todas estas soberanias que se agregam chama-se Sociedade.
Ora, sendo essa intersecção uma junção, por consequência esse ponto é um nó. Daqui vem o que nós chamamos laço social. Dizem alguns «contrato social», o que vem a ser o mesmo, visto que a palavra contrato é etimologicamanete formada com a ideia de laço. Vejamos agora o que é a igualdade, pois se a liberdade é o cume, a igualdade é a base. A igualdade, cidadãos, não é o nivelamento de toda a vegetação;
A Vida não Passa de um Reflexo da Nossa Memória
Há uma coisa que me humilha: a memória é muitas vezes a qualidade da tolice; pertence em geral aos espíritos grosseiros, os quais torna mais pensantes pela bagagem com a qual os sobrecarrega. E, no entanto, sem a memória, o que seríamos? Esqueceríamos as nossas amizades, os nossos amores, os nossos prazeres, os nossos negócios; o génio não poderia reunir as suas ideias; o coração mais afectuoso perderia a sua ternura, caso não se recordasse mais dela; a nossa existência reduzir-se-ia aos momentos sucessivos de um presente que transcorre sem cessar; não haveria mais passado. Ó que miséria a nossa! A nossa vida é tão vã que não passa de um reflexo da nossa memória.
A Fraqueza dos Nossos Sentidos
A fraqueza dos nossos sentidos impede-nos o gozar das cousas na sua simplicidade natural. Os elementos não são em si como nós os vemos: o ar, a água, e a terra a cada instante mudam, o fogo toma a qualidade da matéria que o produz, e tudo enfim se altera, e se empiora para ser proporcionado a nós. A virtude muitas vezes se acha com mistura de algum vício; no vício também se podem encontrar alguns raios de virtude; incapazes de um ser constante, e sólido, dificilmente se pode dar em nós virtude sem mancha, ou perfeito vício: a justiça também se compõe de iniquidade, semelhante à harmonia, que não pode subsistir sem dissonância, antes com correspondência certa, a dissonância é uma parte da harmonia. Vemos as cousas pelo modo com que as podemos ver, isto é, confusamente, e por isso quási sempre as vemos como elas não são.
As paixões formam dentro de nós um intrincado labirinto, e neste se perde o verdadeiro ser das cousas, porque cada uma delas se apropria à natureza das paixões por onde passa. Tomamos por substância, e entidade, o que não é mais do que um costume de ver, de ouvir, e de entender;
A Boa Vontade
De todas as coisas que podemos conceber neste mundo ou mesmo, de uma maneira geral, fora dele, não há nenhuma que possa ser considerada como boa sem restrição, salvo uma boa vontade. O entendimento, o espírito, o juízo e os outros talentos do espírito, seja qual for o nome que lhes dermos, a coragem, a decisão, a perseverança nos propósitos, como qualidades do temperamento, são, indubitávelmente, sob muitos aspectos, coisas boas e desejáveis; contudo, também podem chegar a ser extrordináriamente más e daninhas se a vontade que há-de usar destes bens naturais, e cuja constituição se chama por isso carácter, não é uma boa vontade. O mesmo se pode dizer dos dons da fortuna. O poder, a riqueza, a consideração, a própria saúde e tudo o que constitui o bem-estar e contentamento com a própria sorte, numa palavra, tudo o que se denomina felicidade, geram uma confiança que muitas vezes se torna arrogância, se não existir uma boa vontade que modere a influência que a felicidade pode exercer sobre a sensibilidade e que corrija o princípio da nossa actividade, tornando-o útil ao bem geral; acrescentemos que num espectador imparcial e dotado de razão, testemunha da felicidade ininterrupta de uma pessoa que não ostente o menor traço de uma vontade pura e boa,
Os Quatro Erros
A educação do homem foi feita pelos seus erros: em primeiro lugar, ele nunca se viu senão imperfeitamente; em seguida, atribuiu-se qualidades imaginárias; em terceiro, sentiu-se em relações falsas diante da natureza e do reino animal; em quarto, nunca deixou de inventar tábuas do bem sempre novas e tomou cada uma delas durante um certo tempo como eterna e absoluta, de tal maneira que o primeiro lugar foi ocupado sucessivamente por este ou aquele instinto ou este ou aquele estado que enobrece esta apreciação. Ignorar o efeito destes quatro erros é suprimir a humanidade, o humanitarismo e a «dignidade humana».
Agradar ao Vulgo é Mau Sinal
«Nunca pretendi agradar ao vulgo; daquilo que eu sei o vulgo não gosta, daquilo que o vulgo gosta não quero eu saber.» Quem é o autor? Pareces pensar que eu ignoro que pessoa é o meu discípulo!… É Epicuro; mas o mesmo te dirão os mestres de todas as outras escolas, peripatéticos, académicos, estóicos, cínicos. Como pode de facto agradar ao vulgo alguém a quem só a virtude agrada? Não se conquista o favor popular por processos limpos. Terás de igualar-te primeiro ao vulgo, que só te aprovará quando te considerar um dos seus. Ora para a tua formação a opinião que tenhas sobre ti mesmo importa muito mais do que a dos outros. A amizade de pessoas dúbias só se concilia por processos dúbios.
Em que te ajudará nisto a filosofia, essa arte excelsa que a tudo sobreleva? Precisamente em levar-te a querer agradar mais a ti do que ao vulgo, a avaliar a qualidade, e não o número, das pessoas que emitem juízos sobre ti, a viver sem temor dos deuses ou dos homens, a poder vencer a adversidade ou a pôr-lhe cobro.
O Carácter dos Homens é Pouco Flexível
É apenas a experiência que nos ensina quanto o carácter dos homens é pouco flexível, e durante muito tempo, como as crianças pensamos poder, através de sensatas representações, através da prece e da ameaça, através do exemplo, através dum apelo à generosidade, levar os homens a deixarem a sua maneira de ser, a mudarem a sua conduta e a desistirem da sua opinião, a aumentar a sua capacidade; o mesmo se passa quanto à nossa própria pessoa. É preciso que as experiências venham ensinar-nos o que queremos, o que podemos: até essa altura ignorámo-lo, não temos carácter; e é preciso mais do que uma vez que rudes fracassos venham relançar-nos na nossa verdadeira via. – Enfim, aprendemo-lo, e chegamos a ter aquilo que o mundo chama carácter, isto é o carácter adquirido. Aí existe, portanto, apenas um conhecimento, o mais perfeito possível da nossa própria individualidade: é uma noção abstracta, e por consequência clara das qualidades imutáveis do nosso carácter empírico, do grau e da direcção das nossas forças, tanto espirituais como corporais, em suma, do forte e do fraco em toda a nossa individualidade.
O que Distingue um Amigo Verdadeiro
Não se pode ter muitos amigos. Mesmo que se queira, mesmo que se conheçam pessoas de quem apetece ser amiga, não se pode ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode ser bom amigo de muitas pessoas. Ou melhor: amigo. A preocupação da alma e a ocupação do espaço, o tempo que se pode passar e a atenção que se pode dar — todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais de um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos com eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas pessoas.
Os amigos, como acontece com os amantes, também têm de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo de alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para se ser amigo de alguém,
A Melancolia
A melancolia é sorna e estéril. Camões escreveu a sua epopeia nos dias da esperança. Quando a tristeza desanimadora o entrou, já não pôde escrever para o fidalgo, que lha pedia, uma paráfrase dos salmos.
Uma inteligência em quietismo não danifica os interesses materiais dum país, e até certo ponto pode considerar-se providencial o pousio; mas um cidadão analfabeto, embrutecido pela melancolia, se a sua qualidade civil é importante como deve ser, pode prejudicar gravemente os interesses da cidade.
Ainda bem que a melancolia raro se atreve a perturbar o funcionalismo intelectivo de certas cabeças, cuja organização é maravilha. Daí provém a traça metódica e auspiciosa com que o homem supinamente ignorante regula os seus negócios. Há nessa cabeça a perene claridade dum fundo de garrafa de cristal. As ideias impedem-lhe congeladas da abóbada craniana como as estalactites duma caverna. Dessa imobilidade imperturbável de cérebro resulta a fixidez da mira posta num alvo, a pertinácia das empresas e o conseguimento dos bons efeitos.
Ainda não vi tão cabal e logicamente explicado o fortunoso êxito de algumas riquezas granjeadas pela inépcia.
Não obstante, o número dos bastardos da fortuna é muito maior. O leitor é de certo um dos que tem em cada dia uma hora de enojo,
O Mundo Transformado em Poder da Palavra
O poema é um objecto carregado de poderes magníficos, terríficos: posto no sítio certo, no instante certo, segundo a regra certa, promove uma desordem e uma ordem que situam o mundo num ponto extremo: o mundo acaba e começa. Aliás não é exactamente um objecto, o poema, mas um utensílio: de fora parece um objecto, tem as suas qualidades tangíveis, não é porém nada para ser visto mas para manejar. Manejamo-lo. Acção, temos aquela ferramenta. A acção é a nossa pergunta à realidade: e a resposta, encontramo-la aí: na repentina desordem luminosa em volta, na ordem da acção respondida por uma espécie de motim, um deslocamento de tudo: o mundo torna-se um facto novo no poema, por virtude do poema — uma realidade nova. Quando apenas se diz que o poema é um objecto, confunde-se, simplifica-se; parece realmente um objecto, sim, mas porque o mundo, pela acção dessa forma cheia de poderes, se encontra nela inscrito: é registo e resultado dos poderes. E temos essa forma: a forma que vemos, ei-la: respira pulsa move-se — é o mundo transformado em poder da palavra, em palavra objectiva inventada em irrealidade objectiva. Se dizemos simplesmente: é um objecto — inserimos no elenco de emblemas que nos rodeia um equívoco melindroso,
Serenidade Desperta
Tenho tanta coisa para fazer. Pois, mas aquilo que faz, fá-lo com qualidade? Conduzir até ao emprego, falar com os clientes, trabalhar no computador, fazer recados, lidar com os incontáveis afazeres que preenchem a sua vida quotidiana – até que ponto é que se entrega às coisas que faz? E realiza-as com entrega, sem resistência, ou, pelo contrário, sem se entregar e resistindo à acção? É isto que determina o sucesso na vida e não a dose de esforço que se despende. O esforço implica stresse e desgaste físico, implica a necessidade absoluta de atingir um determinado objectivo ou de alcançar um determinado resultado.
É capaz de detectar dentro de si até a mais pequena sensação de não quererestar a fazer aquilo que está a fazer? Isso é uma negação da vida e, desse modo, não será possível obter resultados verdadeiramente bons.
Se for capaz de descobrir aquela sensação, será que também consegue abdicar dela e entregar–se completamente àquilo que faz?
“Fazer uma coisa de cada vez”, foi assim que um Mestre Zen definiu o espírito da filosofia Zen.
Fazer uma coisa de cada vez significa estar nela por inteiro, concentrar nela toda a sua atenção.
O Mal só nos Afecta na Medida em que o Deixarmos
Os homens (diz uma antiga máxima grega) são atormentados pelas ideias que têm das coisas, e não pelas próprias coisas. Haveria um grande ponto ganho para o alívio da nossa miserável condição humana se pudéssemos estabelecer essa asserção como totalmente verdadeira. Pois, se os males só entraram em nós pelo nosso julgamento, parece que está em nosso poder desprezá-los ou transformá-los em bem. Se as coisas se entregam à nossa mercê, por que não dispomos delas ou não as moldarmos para vantagem nossa? Se o que denominamos mal e tormento não é nem mal nem tormento por si mesmo, mas somente porque a nossa imaginação lhe dá essa qualidade, está em nós mudá-la. E, tendo essa escolha, se nada nos força, somos extraordinariamente loucos de bandear para o partido que nos é o mais penoso e dar às doenças, à indigência e ao desvalor um gosto acre e mau, se lhes podemos dar um gosto bom e se, a fortuna fornecendo simplesmente a matéria, cabe a nós dar-lhe a forma.
Porém vejamos se é possível sustentar que aquilo que denominamos por mal não o é em si mesmo, ou pelo menos que, seja ele qual for, depende de nós dar-lhe outro sabor e outro aspecto,
Gosto Relevante
Toda a boa capacidade é difícil de contentar. Há cultura do gosto, assim como do engenho. Relevantes ambos, são irmãos de um mesmo ventre, filhos da capacidade, herdados por igual na excelência. Engenho sublime nunca criou gosto rasteiro.
Há perfeições como sóis e há perfeições como luzes. Galanteia a águia o sol, perde-se nele a mariposa pela luz de uma candeia e toma-se a altura a uma torrente pela elevação do gosto. Tê-lo bom é já algo, tê-lo relevante muito é. Ligam-se os gostos à comunicação, e só por sorte se avista quem o tenha superlativo.
Têm muitos por felicidade (de empréstimo será) gozar do que lhes apetece, condenando a infelizes todos os demais; mas desforram-se estes com as mesmas linhas, assim se podendo ver uma metade do mundo rindo-se da outra, com maior ou menor necessidade.
É qualidade um gosto crítico, um paladar difícil de satisfazer; os mais valentes objectos temem-no e as mais seguras perfeições receiam-no. É a avaliação preciosíssima, e regateá-la é próprio de discretos; toda a escassez em moeda de aplauso é fidalga e, ao contrário, os desperdícios de estima merecem castigo de desprezo.
A admiração é vulgarmente um manifesto da ignorância;
O Objectivo e o Subjectivo
Representamos o objectivo e o subjectivo, a quantidade e a qualidade, o número cardinal e o ordinal, a desordem corpuscular e a música das esferas, a fatalidade e a liberdade. Representamos tudo isso, num cenário sólido, líquido e gasoso. E, por isso, comemos, bebemos, e respiramos; – três virtudes do fôlego animado, porque muda o que come, em sensações, o que bebe em sentimentos e o que respira em ideias claras ou obscuras, conforme é límpido o ar ou enevoado… É de sólida origem a sensação; o sentimento é já de origem fluidica; e, então, o pensamento é só cor azul ou imagem íntima da luz.
A Dor e o Tédio São os Dois Maiores Inimigos da Felicidade
O panorama mais amplo mostra-nos a dor e o tédio como os dois inimigos da felicidade humana. Observe-se ainda: à medida que conseguimos afastar-nos de um, mais nos aproximamos do outro, e vice-versa; de modo que a nossa vida, na realidade, expõe uma oscilação mais forte ou mais fraca entre ambos. Isso origina-se do facto de eles se encontrarem reciprocamente num antagonismo duplo, ou seja, um antagonismo exterior ou oubjectivo, e outro interior e subjectivo. De facto, exteriormente, a necessidade e a privação geram a dor; em contrapartida, a segurança e a abundância geram o tédio. Em conformidade com isso, vemos a classe inferior do povo numa luta constante contra a necessidade, portanto contra a dor; o mundo rico e aristocrático, pelo contrário, numa luta persistente, muitas vezes realmente desesperada contra o tédio. O antagonismo interior ou subjectivo entre ambos os sofrimentos baseia-se no facto de que, em cada indivíduo, a susceptibilidade para um encontra-se em proporção inversa à susceptibilidade para o outro, já que ela é determinada pela medida das suas forças espirituais. Com efeito, a obtusidade do espírito está, em geral, associada à da sensação e à ausência da excitabilidade, qualidades que tornam o indivíduo menos susceptível às dores e aflições de qualquer tipo e intensidade.
Coragem Ilusória
Há cinco espécies de coragem, assim denominadas segundo a semelhança: suportam as mesmas coisas, mas não pelos mesmos motivos. Uma é a coragem política: provém da vergonha; a segunda é própria dos soldados: nasce da experiência e do facto de conhecer, não – como dizia Sócrates – os perigos, mas os recursos contra eles; a terceira brota da falta de experiência e da ignorância, e por ela são induzidas as crianças e os loucos, estes quando enfrentam a fúria dos elementos, aquelas quando pegam em serpentes. Outra espécie é a de quem tem esperança: graças a ela, arrostam os perigos aqueles que, muitas vezes, tiveram sorte (…) e os ébrios; o vinho, de facto, excita a confiança.
Outra ainda dimana da paixão irracional, por exemplo, do amor e da ira.
Se alguém está enamorado, é mais temerário que cobarde e enfrenta muitos perigos, como aquele que no Metaponto matou o tirano, ou o cretense de que fala a lenda; o mesmo se passa com a cólera e com a ira. Pois a ira é capaz de nos pôr fora de nós. Por isso, se afiguram também corajosos os javalis, embora não sejam; quando fora de si, têm uma qualidade semelhante,
Originalidade Verdadeira e Originalidade Falseada
Em Arte, é vivo tudo o que é original. É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima duma personalidade artística. A primeira condição duma obra viva é pois ter uma personalidade e obedecer-lhe. Ora como o que personaliza um artista é, ao menos superficialmente, o que o diferencia dos demais, (artistas ou não) certa sinonímia nasceu entre o adjectivo original e muitos outros, ao menos superficialmente aparentados; por exemplo: o adjectivo excêntrico, estranho, extravagante, bizarro… Eis como é falsa toda a originalidade calculada e astuciosa.
Eis como também pertence à literatura morta aquela em que um autor pretende ser original sem personalidade própria. A excentricidade, a extravagância e a bizarria podem ser poderosas – mas só quando naturais a um dado temperamento artístico. Sobre outras qualidades, o produto desses temperamentos terá o encanto do raro e do imprevisto. Afectadas, semelhantes qualidades não passarão dum truque literário.
O Professor como Mestre
Não me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão; estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.
A sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito o chama;
Desconfia da Ideia de Homem Feliz
Verifica que homem feliz não é aquele que o vulgo entende por tal, ou seja, um homem de grandes recursos monetários; é, sim, aquele para quem todo o bem reside na própria alma, é o homem sereno, magnânimo, que pisa aos pés os interesses vulgares, que só admira no homem aquilo que faz a sua qualidade de homem, que segue as lições da natureza, se conforma com as suas leis, e vive segundo o que ela prescreve; é o homem a quem força alguma despojará dos seus bens próprios, o homem capaz de fazer do próprio mal um bem, seguro do seu pensamento, inabalável, intrépido; é o homem a quem a força pode abalar, mas nunca desviar da sua rota; a quem a fortuna, apontando contra ele as mais duras armas com a maior violência, pode arranhar, mas nunca ferir, e mesmo assim raramente, porquanto os dardos da sorte, que afligem em geral a humanidade, fazem ricochete contra ele à maneira do granizo que, batendo no tecto, salta e se derrete sem causar qualquer dano ao ocupante da casa.