Carpe diem
Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? “Não”, dizes, “nada me obrigará
à renúncia de mim próprio – nem esse olhar
que me oforece o leito profundo da sua imagem!”
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.
Passagens sobre Destino
688 resultadosSeja como um selo dos correios, cole-se a uma coisa até chegar ao seu destino.
Ó Páginas Da Vida Que Eu Amava
Ó páginas da vida que eu amava,
Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado!…
Ardei, lembranças doces do passado!
Quero rir-me de tudo que eu amava!E que doido que eu fui! como eu pensava
Em mão, amor de irmã! em sossegado
Adormecer na vida acalentado
Pelos lábios que eu tímido beijava!Embora – é meu destino. Em treva densa
Dentro do peito a existência finda…
Pressinto a morte na fatal doença!…A mim a solidão da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem crença…
Perdoa, minha mão – eu te amo ainda!
O destino o que é senão um embriagado conduzido por um cego?
Das Unnennbare
Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vão, com olhos ansiosos,
Que nome é que te dão os venturosos
No teu país, misteriosa fada!Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual à do sol posto,
Quando só nuvem lívida esvoaça!Que nem a noite uma ilusão consinta!
Que só de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!
A Amizade Verdadeira e Genuína
Do mesmo modo que o papel-moeda circula no lugar da prata, também no mundo, no lugar da estima verdadeira e da amizade autêntica, circulam as suas demonstrações exteriores e os seus gestos imitados do modo mais natural possível. Por outro lado, poder-se-ia perguntar se há pessoas que de facto merecem essa estima e essa amizade. Em todo o caso, dou mais valor aos abanos de cauda de um cão leal do que a cem daquelas demonstações e gestos.
A amizade verdadeira e genuína pressupõe uma participação intensa, puramente objectiva e completamente desinteressada no destino alheio; participação que, por sua vez, significa identificarmo-nos de facto com o amigo. Ora, o egoísmo próprio à natureza humana é tão contrário a tal sentimento, que a amizade verdadeira pertence àquelas coisas que não sabemos se são mera fábula ou se de facto existem em algum lugar, como as serpentes marinhas gigantes. Todavia, há muitas relações entre os homens que, embora se baseiem essencialmente em motivos egoístas e ocultos de diversos tipos, passam a ter um grão daquela amizade verdadeira e genuína, o que as enobrece ao ponto de poderem, com certa razão, ser chamadas de amizade nesse mundo de imperfeições. Elas elevam-se muito acima dos vínculos ordinários,
Arrependo-me de a Meter num Romance
O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.Deus fez o poeta por que não descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro — e faz menção de me enfeitar.Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.
Alucinação À Beira-Mar
Um medo de morrer meus pés esfriava.
Noite alta. Ante o telúrico recorte,
Na diuturna discórdia, a equórea coorte
Atordoadoramente ribombava!Eu, ególatra céptico, cismava
Em meu destino!… O vento estava forte
E aquela matemática da Morte
Com os seus números negros me assombrava!Mas a alga usufructuária dos oceanos
E os malacopterígios subraquianos
Que um castigo de espécie emudeceu,No eterno horror das convulsões marítimas
Pareciam também corpos de vítimas
Condenadas à Morte, assim como eu!
Insânia De Um Simples
Em cismas patológicas insanas,
É-me grato adstringir-me, na hierarquia
Das formas vivas, à categoria
Das organizações liliputianas;Ser semelhante aos zoófitos e às lianas,
Ter o destino de uma larva fria,
Deixar enfim na cloaca mais sombria
Este feixe de células humanas!E enquanto arremedando Eolo iracundo,
Na orgia heliogabálica do mundo,
Ganem todos os vícios de uma vez,Apraz-me, adstricto ao triângulo mesquinho
De um delta humilde, apodrecer sozinho
No silêncio de minha pequenez!
A Negra Fúria Ciúme
Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.Sobre um sólio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.Crespas víboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.Arrancando à Morte a fouce
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.Ao cruel sócio de Amor
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fúria Ciúme.Todos os males do Inferno
Em si guarda, em si resume
O mais horrível dos monstros,
A negra fúria Ciúme.Amor inda é mais suave,
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fúria Ciúme.Nas asas de Amor voamos
Do prazer ao áureo cume,
Porém de lá nos arroja
A negra fúria Ciúme.Do férreo cálix da Morte
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fúria Ciúme.
O destino – anónimo eterno.
Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.
Inconstância
É o meu destino: – hei de seguir assim
como um novo amor por sol, em cada dia…
– o que há pouco era tudo o que queria
já agora não é nada para mim…Só vive, o que ainda é sonho e fantasia!
O que conquisto encontra logo um fim…
O amor que nasce cheio de alegria
hoje – morre amanhã cheio de esplim…Inconstante e volúvel, meus desejos
– tem a alma das bolhas de sabão
e a duração efêmera dos beijos…O amor – é a vida de um perfume no ar,
o encanto de um segundo de ilusão…
– a beleza da espuma sobre o mar!…
O homem forte cria os acontecimentos e o fraco suporta aqueles que o destino lhe impõe.
Marília De Dirceu
Soneto 7
O nume tutelar da Monarquia,
Que fez do grande Henrique a invicta espada,
Procurou dos Destinos a morada,
Por consultar a idade que viria.A mil e mil heróis descrito via,
Que exaltam de furtado a estirpe honrada,
E na série, que adora, dilatada,
O nome de Francisco descobria.Contempla uma por uma as letras d’ouro;
Este penhor, que o tempo não consome,
Promete ao reino seu maior tesouro.Prostra-se o gênio; e sem que a empresa tome
De lhe buscar sequer mais outro agouro,
O sítio beija, e lhe mostra o nome.
O Deus Mal Informado
No caminho onde pisou um deus
há tanto tenpo que o tempo não lembra
resta o sonho dos pés
sem peso
sem desenho.Quem passe ali, na fracção de segundo,
em deus se erige, insciente, deus faminto,
saudoso de existência.Vai seguindo em demanda de seu rastro,
é um tremor radioso, uma opulência
de impossíveis, casulos do possível.Mas a estrada se parte, se milparte,
a seta não aponta
a destino algum, e o traço ausente
ao homem torna homem, novamente.
Segue o Teu Destino
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nos queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-proprios.Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
O Meu Público
Quando escrevo, o meu único público sou eu. Depois é que me ponho à espera de que sejam também os outros. Não porque antes os menospreze: simplesmente porque não existem. Mas é evidente que me interessa que existam depois como público pelo desejo natural de me confirmarem a existência como escritor. Porque a existência como escritor implica a audiência dos outros. Não escolho porém o público – espero que ele me escolha. Seria duro que me não escolhesse, por todas as implicações que se adivinham. Mas não é impeditivo de continuar – excepto se me convencerem (quem se convence?) que não tinha nada a dizer. E no entanto, se nós exprimirmos o tempo que nos exprime, há um pacto indissolúvel entre o tempo e nós. Assim, o nosso público está aí sempre, ainda que tenhamos que ser nós a despertá-lo.
Esse público não desperta se nós de facto lhe não falarmos, ou seja, se realmente não houve pacto algum com ele. Todas estas questões, porém, são supérfluas para a necessidade de escrever. Cumpre-se um destino de artista como outros o de serem santos ou criminosos…
O resto não é connosco – é com os críticos, os hagiógrafos e os arquivos da polícia.
A arte é uma revolta contra o destino.
Somente aqueles que nada esperam do acaso são donos do destino.