O Casal Comum
Depois da época de palavras de amor, de palavras de raiva, de palavras, as relações entre os dois tornaram-se aos poucos impossíveis de resultar numa frase ou numa realidade clara. À medida que estavam casados há tanto tempo, as divergências, as desconfianças, certa rivalidade jamais chegavam à tona, embora elas existissem entre eles como o plano dentro do qual se entendiam. Esse estado quase impedia uma ofensa e uma defesa, e jamais uma explicação. Formavam o que se chama um casal comum.
Passagens sobre Dois
1685 resultadosHá duas tragédias na vida. Uma é a de não obter tudo o que se deseja ardentemente; a outra, a de obtê-lo.
Quem quer que não consiga dar-se bem com a sua própria vida, enquanto vive, precisa de uma mão para afastar um pouco o desespero sobre o seu destinho – não consegue muito -, mas com a outra mão ele pode anotar o que vê entre as ruínas, porque vê coisas diferentes (e mais coisas) do que vêem os outros; afinal, morto como está durante a sua própria vida, ele é o verdadeiro sobrevivente. Isto faz que ele não precise das duas mãos, ou de mais mãos do que as que tem, na sua luta contra o desespero.
A amizade entre duas mulheres é sempre uma conspiração contra uma terceira.
A amizade é uma só alma que habita em dois corpos.
Quando estamos com um amigo, nem estamos sós nem somos dois.
A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro.
Para encontrar um amigo, devemos fechar um olho. Para o conservar, devemos fechar os dois.
A amizade começa quando, estando juntas, duas pessoas podem permanecer em silêncio sem se sentirem constrangidas.
Música e Literatura
No México, enquanto escrevia «Cem Anos de Solidão» — entre 1965 e 1966 -, só tive dois discos que se gastaram de tanto serem ouvidos: os Prelúdios de Debussy e «A hard day’s night» dos Beatles. Mais tarde, quando por fim tive em Barcelona quase tantos como sempre quis, pareceu-me demasiado convencional a classificação alfabética e adoptei para minha comodidade privada a ordem por instrumentos: o violoncelo, que é o meu favorito, de Vivaldi a Brahms; o violino, desde Corelli até Schõnberg; o cravo e o piano, de Bach a Bartók. Até descobrir o milagre de que tudo o que soa é música, incluídos os pratos e os talheres no lava-loiças, sempre que criem a ilusão de nos indicar por onde vai a vida.
A minha limitação era que não podia escrever com música porque prestava mais atenção ao que ouvia do que ao que escrevia, e ainda hoje assisto a muito poucos concertos porque sinto que na cadeira se estabelece uma espécie de intimidade um pouco impudica com vizinhos estranhos. No entanto, com o tempo e as possibilidades de ter boa música em casa, aprendi a escrever com um fundo musical de acordo com o que escrevo.
O evangelista Lucas conta que Nossa Senhora e S. José, segundo a Lei de Moisés, levaram o Menino ao templo para o oferecerem ao Senhor e que dois anciãos, Simeão e Ana, movidos pelo Espírito Santo, foram ao seu encontro e reconheceram em Jesus o Messias. Jesus faz verdadeiramente que as gerações se encontrem e unam!
Não, Sr. Rearden. Ou uma coisa ou outra. Um mesmo cérebro não sabe fazer os dois tipos de negócios. Ou a pessoa sabe administrar uma fábrica ou sabe recorrer a Washington
As Putas da Avenida
Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucenavi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordenaessa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios da Lorenamas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena
A vingança geralmente atinge dois objetivos: ou traz consolo a quem sofreu a injúria, ou lhe traz segurança para o futuro.
Política de Interesse
Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (…) todos querem penetrar na arena,
Ensinar é aprender duas vezes.
É sempre simples doar uma parte dos lucros, sem abraçar nem tocar as pessoas que recebem essas «migalhas». Pelo contrário, até bastam cinco pães e dois peixes para tirar a fome a multidões se forem a partilha de toda a nossa vida. Na lógica do Evangelho, se não dá tudo, não se dá nunca o suficiente.
Por muito que se goste de chorar o passado ou preferir o presente, a História demonstra, em traços largos, que o futuro é sempre melhor para a maioria das pessoas. A sensação do dia-a-dia de estar tudo cada vez pior perde sempre quando é comparada com as condições há apenas um século atrás. Nem é preciso recuar no tempo – basta ver a facilidade com que se morre nos países muito mais pobres do que o nosso, que são muito mais do que metade dos que existem. Nos mais pobres, a expectativa média de vida é igual à nossa há dois séculos atrás.
O homem, esse ente tão fraco, recebeu da natureza duas coisas que deveriam torná-lo o mais forte dos animais: a razão e a sociabilidade. O homem é um ser sociável e criado para contribuir para o bem da sociedade.
Não!
Tenho-te muito amor,
E amas-me muito, creio:
Mas ouve-me, receio
Tomar-te desgraçada:
O homem, minha amada,
Não perde nada, goza;
Mas a mulher é rosa…
Sim, a mulher é flor!Ora e a flor, vê tu
No que ela se resume…
Faltando-lhe o perfume,
Que é a essência dela,
A mais viçosa e bela
Vê-a a gente e… basta.
Sê sempre, sempre, casta!
Terás quanto possuo!Terás, enquanto a mim
Me alumiar teu rosto,
Uma alma toda gosto,
Enlevo, riso, encanto!
Depois terás meu pranto
Nas praias solitárias…
Ondas tumultuárias
De lágrimas sem fim!À noite, que o pesar
Me arrebatar de cada,
Irei na campa rasa
Que resguardar teus ossos,
Ah! recordando os nossos
Tão venturosos dias,
Fazer-te as cinzas frias
Ainda palpitar!Mil beijos, doce bem,
Darei no pó sagrado,
Em que se houver tornado
Teu corpo tão galante!
Com pena, minha amante,
De não ter a morte
Caído a mim em sorte…
Caído em mim também!