Exceto pelos nove meses antes de vir ao mundo, nenhum ser humano administra suas coisas tão bem quanto uma árvore.
Passagens sobre Humanos
1876 resultadosQuando, alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana, os deuses deixam de poder seja o que for contra esse homem.
Soneto XXV
Do bravo mar onde às voltas ando
Ora temendo as ondas, ora o vento,
Na esperança maior de salvamento,
A minha barca vai à costa dando.Pus os olhos na costa, imaginando
Achar remanso de pirigo isento,
Vendo, porém, frustrado o pensamento,
Louvo o mar já demais seguro e brando.Ai fementido amor, amor tirano,
Que onde minha esperança tinha posta
Me trouxeste a fazer naufrágio amargo.Porém ainda comigo foste humano,
Que mais quero perder-me dando à costa,
Que andar com mil temores em mar largo.
Se alguma coisa é sagrada, o corpo humano é sagrado.
O Prazer do Beneficiador é Sempre Maior do que o do Beneficiado
– Não me podes negar um facto, disse ele; é que o prazer do beneficiador é sempre maior do que o do beneficiado. Que é o benefício? É um acto que faz cessar certa privação do beneficiado. Uma vez produzido o efeito essencial, isto é, uma vez cessada a privação, torna o organismo ao estado anterior, ao estado indiferente. Supõe que tens apertado em demasia o cós das calças; para fazer cessar o incómodo, desabotoas o cós, respiras, saboreias um instante de gozo, o organismo torna à indiferença, e não te lembras dos teus dedos que praticaram o acto. Não havendo nada que perdure, é natural que a memória se esvaeça, porque ela não é uma planta aérea, precisa de chão. A esperança de outros favores, é certo, conserva sempre no beneficiado a lembrança do primeiro; mas este facto, aliás um dos mais sublimes que a filosofia pode achar em seu caminho, explica-se pela memória da privação, ou, usando de outra fórmula, pela privação continuada na memória, que repercute a dor passada e aconselha a precaução do remédio oportuno.
Não digo que, ainda sem esta circunstância, não aconteça, algumas vezes, persistir a memória do obséquio, acompanhada de certa afeição mais ou menos intensa;
Pensamento em Boa Forma
Cumpre-nos não só averiguar porque se gasta a vida, dia após dia, e o pouco que resta à proporção vai diminuindo. Pensemos também no seguinte: supondo que a um homem toque viver longa vida, uma questão permanece escura: a de saber se a sua inteligência será capaz, tempo adiante, sem defecção, de compreender os problemas e a teoria que apontam ao conhecimento das coisas divinas e humanas. Se ele pega a cair em estado de infantilidade, a respiração, a alimentação, a imaginação, os gestos impulsivos e as outras funções do mesmo género não lhe faltarão necessariamente; mas dispor de si, obtemperar exactamente a todas as exigências morais, analisar as aparências, ver se não será já tempo de entrouxar e ir para melhor estão à altura de responder a necessidades desta ordem – para tudo isso se necessita de um raciocínio em boa forma; e o raciocínio, há que tempos perdeu a chama e a agudeza. Cumpre-nos pois andar ligeiros, não só porque a morte se avizinha a cada momento mas ainda porque antes de morrer perdemos a capacidade de conceber as coisas e de lhes prestar atenção.
Os Poetas
Nunca os vistes
Sentados nos cafés que há na cidade,
Um livro aberto sobre a mesa e tristes,
Incógnitos, sem oiro e sem idade?Com magros dedos, coroando a fronte,
Sugerem o nostálgico sentido
De quem rasgasse um pouco de horizonte
Proibido…Fingem de reis da Terra e do Oceano
(E filhos são legítimos do vício!)
Tudo o que neles nos pareça humano
É fogo de artifício.Por vezes, fecham-lhes as portas
— Ódio que a nada se resume —
Voltam, depois, a horas mortas,
Sem um queixume.E mostram sempre novos laivos
De poesia em seu olhar…Adolescentes! Afastai-vos
Quando algum deles vos fitar!
Eu encontrei um dia na escola um menino de tamanho médio maltratando um menino menor. Eu o repreendi, mas respondeu: ‘ os grandes me bateram, assim como eu bati nos menores; para mim isso é justo.’ Nestas palavras ele resumiu a história da raça humana.
Não se vive sem fé. A fé é o conhecimento do significado da vida humana. A fé é a força da vida. Se o homem vive é porque crê em algo.
A Terra é tão velha quanto o homem e nada mais. Como poderia ser mais velha? Nada existe exeto pela via da consciência humana.
Carta a Ângela
Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.Os abismos das coisas, quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste de novo, e sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!
Esta vida humana, tão breve para as mais frívolas experiências, é para as amizades uma prova difícil e demorada.
Um Infinito Domingo à Tarde
Regra geral, um ser humano agora vive tanto que acaba por arrastar muito mais penas do que as que lhe dizem respeito, e isso acaba por notar-se-lhe no rosto. Uma das consequências da crescente longevidade do habitante das sociedades desenvolvidas, em que, por outro lado, não se costuma pensar demasiado, é que, contrariamente ao que sucedia há algumas décadas, os velhos de hoje têm tempo para assistir à devastação da vida dos filhos, veem-nos praticamente envelhecer, fracassar, cansar-se da luta. Antes, na hora da morte dos pais, os filhos eram ainda fortes, tinham projetos, mulheres bonitas, um futuro aparentemente luminoso. Agora é fácil que um avô contemple antes de morrer o divórcio do neto (vê-o aos domingos sentar-se à mesa na casa da família, sem um cêntimo, com a camisa amarrotada), enquanto no mundo anterior a este, por razões de tempo, o neto não era mais do que uma criança que às vezes ia buscar ã escola, a quem dava a mão no regresso a casa e ajudava a conseguir nos alfarrabistas os cromos que lhe faltavam na sua coleção de futebolistas. Hoje, o velho que morre não abandona um mundo em marcha cheio de projetos e promessas, como sucedia dantes,
Os combates codificados entre vertebrados são um belo exemplo de comportamento análogo à moral humana. Toda a organização desses combates parece ter por finalidade a função mais importante da luta entre rivais, ou seja, estabelecer quem é o mais forte sem prejudicar demasiadamente o mais fraco.
Sonhos
Cada dia que passa faz-me pensar
E reflectir sobre quem ele traiu,
Que enquanto viveu nada fui ganhar
Com a lama vil onde a alma caiu.Até de meus sonhos a vida me deixa
Na maré nu, na areia, em solidão,
Desolado que, inda vivo, não esteja
Seguindo veloz no barco da acção.Há uma beleza no mundo exterior,
No monte ou planície onde chega a vista
Que já é consolo à dúvida e à dor,
Mas, Oh! A beleza que o mundo conquistaNem Palavra ou verso a pode imaginar
Nem a mente humana, só por si, forjar!
O Natal parece-me ser um tempo festivo necessário; precisamos de um tempo em que possamos lamentar as nossas falhas nos nossos relacionamentos humanos: é a festa do fracasso, triste mas consoladora.
O trabalho do pensamento humano deve resistir ao teste da realidade núa e brutal. Se não consegue, é inútil. Provavelmente apenas valem a pena as coisas que preservam a sua validade aos olhos de um homem ameaçado de morte instantânea.
Nenhuma qualidade humana é mais intolerável do que a intolerância.
Sou os Sonhos que não Realizei
A tristeza de não ser mais do que aquilo que deixei de ser. De não fazer mais do que aquilo que deixei por fazer. Sou os sonhos que não realizei, os passos que não dei. Sou a vida, sim, que não vivi. E é assim que vivo, entre pensamentos de que sou e a lucidez, sempre temporária mas sempre triste, de que não sou. De que não consigo ser. Os dias, lentos e parcimoniosos, são leves brisas de tempo, folhas que o vento, sem esforço, carrega para o destino final. Escrevo porque só sei escrever. Escrevo porque nada sei fazer. E aguardo que, letra a letra, se vá, imagem a imagem, o sonho prometido. E aguardo que, sonho a sonho, se vá, promessa a promessa, o destino ansiado. Sou, mais do que o que sou, o que não sou: o que não fui capaz de ser. Fiquei a meio, sempre a meio, do que desejei finalizar. Meio escritor, meio humano, meio poeta e meio insano, meio senhor, meio criança, meio sorriso na meia infância. Fiquei a meio, sempre a meio, do que desejei finalizar. Fui o quase génio, o quase artista, o quase pedinte, o quase louco. Fui quase feliz,
As Janelas da Memória
A memória humana não é lida globalmente, como a memória dos computadores, mas por áreas específicas a que chamo de janelas. Através das janelas vemos, reagimos, interpretamos… Quantas vezes tentamos lembrar-nos de algo que não nos vem à ideia? Nesse caso, a janela permaneceu fechada ou inacessível.
A janela da memória é, portanto, um território de leitura num determinado momento existencial. Em cada janela pode haver centenas ou milhares de informações e experiências. O maior desafio de uma mulher, e do ser humano em geral, é abrir o máximo de janelas em cada situação. Se ela abre diversas janelas, poderá dar respostas inteligentes. Se as fecha, poderá dar respostas inseguras, medíocres, estúpidas, agressivas. Somos mais instintivos e animalescos quando fechamos as janelas, e mais racionais quando as abrimos.
O mundo dos sentimentos possui as chaves para abrir as janelas. O medo, a tensão, a angústia, o pânico, a raiva e a inveja podem fechá-las. A tranquilidade, a serenidade, o prazer e a afetividade podem abri-las. A emoção pode fazer os intelectuais reagirem como crianças agressivas e as pessoas simples reagirem como elegantes seres humanos. Sob um foco de tensão, como perdas e contrariedades, uma mulher serena pode ficar irreconhecível.