Um Infinito Domingo Ă Tarde
Regra geral, um ser humano agora vive tanto que acaba por arrastar muito mais penas do que as que lhe dizem respeito, e isso acaba por notar-se-lhe no rosto. Uma das consequĂŞncias da crescente longevidade do habitante das sociedades desenvolvidas, em que, por outro lado, nĂŁo se costuma pensar demasiado, Ă© que, contrariamente ao que sucedia há algumas dĂ©cadas, os velhos de hoje tĂŞm tempo para assistir Ă devastação da vida dos filhos, veem-nos praticamente envelhecer, fracassar, cansar-se da luta. Antes, na hora da morte dos pais, os filhos eram ainda fortes, tinham projetos, mulheres bonitas, um futuro aparentemente luminoso. Agora Ă© fácil que um avĂ´ contemple antes de morrer o divĂłrcio do neto (vĂŞ-o aos domingos sentar-se Ă mesa na casa da famĂlia, sem um cĂŞntimo, com a camisa amarrotada), enquanto no mundo anterior a este, por razões de tempo, o neto nĂŁo era mais do que uma criança que Ă s vezes ia buscar ĂŁ escola, a quem dava a mĂŁo no regresso a casa e ajudava a conseguir nos alfarrabistas os cromos que lhe faltavam na sua coleção de futebolistas. Hoje, o velho que morre nĂŁo abandona um mundo em marcha cheio de projetos e promessas, como sucedia dantes, mas, mais do que nunca, um vale de lágrimas. Contudo, esta amarga circunstância nĂŁo deixa de ter a sua feliz contrapartida: custa sempre menos deixar para trás uma paisagem desolada do que uma cheia desses pássaros que Juan RamĂłn dizia que ficariam a cantar. O que resta agora, para alĂ©m da terra que cobre a sepultura, Ă© um infinito domingo Ă tarde, uma bruma de aborrecimento e de derrota. E Ă© mais fácil partir assim porque nada embala melhor do que o cansaço. NĂŁo Ă© difĂcil abandonar uma festa quando já nĂŁo restam raparigas, bebida, mĂşsica ou forças.