Ideais Insanos
Um homem louco é aquele cuja maneira de pensar e agir não se coaduna com a maioria dos seus contemporâneos. A sanidade mental é uma questão de estatística. Aquilo que a maioria dos Homens faz em qualquer dado lugar e período é a coisa ajuizada e normal a fazer. Esta é a definição de sanidade mental na qual baseamos a nossa prática social. Para nós, aqui e agora, são muitos os de mentalidade sã e poucos os loucos. Mas os julgamentos, aqui e agora, são por sua natureza provisórios e relativos. O que nos parece sanidade mental, a nós, porque é o comportamento de muitos, pode parecer, sub specie oeternitalis, uma loucura. Nem é preciso invocar a eternidade como testemunho. A História é suficiente. A maioria auto-intitulada de mentalmente sã, em qualquer dado momento, pode parecer ao historiador, que estudou os pensamentos e acções de inumeráveis mortos, uma escassa mão-cheia de lunáticos. Considerando o assunto de outro ponto de vista, o psicólogo pode chegar à mesma conclusão. Ele sabe que a mente consiste de tais e tais elementos, que existem e devem ser tidos em conta. Se um homem tenta viver como se certos destes elementos constituintes do seu ser não existissem,
Passagens sobre Indivíduo
442 resultadosO Homem Intemporal não Existe
Os «homens-enquanto-tais» dos quais falam os filósofos não existem. Há apenas os homens de uma época, de uma localidade, de uma raça, fundidos num molde congenital pessoal, indivíduos que enfrentam em combate um DETERMINADO mundo e triunfam ou sucumbem, enquanto o universo ambiente continua a girar sossegadamente com divina indiferença.
O pensamento é uma doença peculiar a alguns indivíduos e que não se propagaria sem ocasionar prontamente o fim da espécie.
O género humano assemelha-se a uma pirâmide cujo vértice – um homem, o primeiro homem – se esconde nas alturas quase inacessíveis de sessenta séculos sobrepostos uns aos outros, e cuja base, de miríades de indivíduos, poisa no abismo incomensurável de um futuro desconhecido.
Qualquer indivíduo pode ser sensato, desde que não tenha imaginação
A Felicidade depende do Destino ou Carácter de cada um
Todos os homens aspiram à vida feliz e à felicidade, esta é uma coisa manifesta; mas, se muitos têm a possibilidade de alcançá-la, outros não a têm em virtude de algum azar ou vício de natureza (pois a vida feliz requer um certo acompanhamento de bens externos, em quantidade menor para os indivíduos dotados de melhores disposições e em quantidade maior para aqueles cujas disposições são piores), e outros, finalmente, tendo a possibilidade de ser felizes, imprimem desde o início uma direcção errada na sua busca da felicidade.
O pensamento é uma doença peculiar de certos indivíduos, que, a propagar-se, em breve acabaria com a espécie.
A Crítica é Menos Eficaz do que o Exemplo
A crítica é menos eficaz do que o exemplo. É de considerar se a grande sugestão para usar da crítica nos nossos tempos e que põe em causa todos os valores consagrados, não é o resultado duma anemia profunda do acto de vontade de toda uma sociedade. Todos temos consciência de como o exemplo se tornou interdito, como o indivíduo, na sua excepção perturbadora, é causa de mal-estar. Dir-se-ia que a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, têm prioridade sobre o modelo e a utopia. A par desta dimensão rasa do despotismo do demérito, levanta-se uma rajada de violência. É de crer que a violência é hoje a linguagem bastarda da desilusão e o reverso do exemplo; representa a frustração do exemplo.
Nunca se faz uma reforma contra os indivíduos que vão dar-lhe realização E nunca se faz uma reforma contra o país. Só se faz uma reforma utilizando um método capaz. (…) Quando o estudo é feito por um grupo que a sociedade civil reconhece e que tem competência e isenção, criam-se condições imediatas de aceitação e de discussão.
Em Todas as Sociedades Existe um Impulso Para a Conformidade
A imposição de padrões pelas sociedades aos seus extremamente diversificados indivíduos tem variado muito em diferentes períodos históricos e diferentes níveis de cultura. Nas culturas mais primitivas, onde as sociedades eram pequenas e ligadas a tradições muito estreitas, a pressão para o conformismo era naturalmente muito intensa. Quem ler literatura de antropologia ficará espantado com a natureza fantástica de algumas das tradições às quais os homens tiveram de se adaptar. A vantagem de uma sociedade grande e complexa como a nossa é permitir à variedade de seres humanos expressar-se de muitas maneiras; não precisa de haver uma adaptação intensa, como a que encontramos em pequenas sociedades primitivas. Mesmo assim, em toda a sociedade há sempre um impulso para a conformidade, imposto de fora pela lei e pela tradição, e que os indivíduos impõem sobre si mesmos, tentando imitar o que a sociedade considera o tipo ideal.
A esse respeito, recomendo um livro muito importante do filósofo francês Jules de Gaultier, publicado há cerca de cinquenta anos, chamado “Bovarismo”. O nome vem da heroína do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary, no qual essa jovem mulher infeliz sempre tentava ser o que não era. Gaultier generaliza isso e diz que todos temos tendência a tentar ser o que não somos,
Os Elementos Fixadores da Personalidade
Os resíduos ancestrais formam a camada mais profunda e mais estável do carácter dos indivíduos e dos povos. É pelo seu “eu” ancestral que um inglês, um francês, um chinês, diferem tão profundamente.
Mas a esses remotos atavismos sobrepõem-se elementos suscitados pelo meio social (casta, classe, profissão, etc.), pela educação e ainda por muitas outras influências. Eles imprimem à nossa personalidade uma orientação assaz constante. Será o “eu”, um pouco artificial, assim formado, que exteriorizaremos cada dia.
Entre todos os elementos formadores da personalidade, o mais activo, depois da raça, é o que determina o agrupamento social ao qual pertencemos. Fundidas no mesmo molde pelas idéias, as opiniões e as condutas semelhantes que lhes são impostas, as individualidades de um grupo: militares, magistrados, padres, operários, marinheiros, etc., apresentam numerosos carácteres idênticos.
As suas opiniões e os seus juízos são, em geral, vizinhos, porquanto sendo cada grupo social muito nivelador, a originalidade não é tolerada nele. Aquele que se quer diferenciar do seu grupo tem-no inteiramente por inimigo.
Essa tirania dos grupos sociais, na qual insistiremos, não é inútil. Se os homens não tivessem por guia as opiniões e a maneira de proceder daqueles que os cercam,
Quanto mais estudamos a vida e a literatura, mais nos damos conta de que tudo o que é magnífico se prende com o indivíduo, e que não é o momento que faz o homem, mas o homem que cria o seu tempo.
O estado proíbe ao indivíduo a prática de actos infractores, não porque deseje aboli-los, mas sim porque quer monopolizá-los.
Um indivíduo pode sorrir, sorrir, e ser um vilão.
Um Homem Realizado
Ao indivíduo acostumado ao íntimo das profundidades, o «mistério» não intimida; não fala dele e não sabe o que seja: vive-o… A realidade em que se move não comporta outra: não tem uma zona inferior nem um além: está abaixo de tudo e para além de tudo. Farto de transcendência, superior às operações do espírito e às servidões que se lhe associam, repousa na sua curiosidade inexaurível… Nem a religião nem a metafísica o intrigam: o que poderia sondar ele que se encontra já em pleno insondável? Cumulado, está-o sem dúvida; mas ignora se continua a existir.
Afirmamo-nos na medida em que, por trás de uma realidade dada, perseguimos uma outra e em que, para além do próprio absoluto, continuamos à procura. A teologia detém-se em Deus? De maneira nenhuma. Quer remontar mais alto, tal como a metafísica que, ao mesmo tempo que investiga a essência, não se digna fixar-se nela. Uma e outra temem ancorar num princípio último; passam de segredo em segredo; incensam o inexplicável e abusam dele sem pudor. O mistério, que oferenda! Mas que maldição pensar tê-lo atingido, imaginar que o conhecemos e que poderemos residir nele! Já não há que procurar: aí está ele,
O casamento é a identificação de duas pessoas imperfeitas num indivíduo completo.
Não existe nenhuma liberdade quando não há uma liberdade interior do indivíduo.
A Fronteira entre a Inteligência e o Dogma
A função própria da inteligência exige uma liberdade total, implicando o direito a tudo negar e nenhuma dominação. Sempre que ela usurpa um comando, há excesso de individualismo. Sempre que se encontra tolhida, há uma colectividade opressiva, ou várias.
A Igreja e o Estado devem puni-la, cada um à sua maneira, quando ela aconselha actos que eles desaprovam. Quando ela permanece no campo da especulação puramente teórica, eles têm ainda o dever, se for caso disso, de pôr o público de sobreaviso, por todos os meios eficazes, contra o perigo de uma influência prática de certas especulações na condução das vidas. Mas, sejam quais forem essas especulações teóricas, Igreja e Estado não têm o direito nem de procurar abafá-las nem de inflingir aos seus autores quaisquer danos materiais ou morais.
Em especial, não se deve privá-los dos sacramentos se estes os desejarem. Porque, seja o que for que tenham dito, mesmo que tenham negado publicamente a existência de Deus, é possível que não tenham cometido qualquer pecado. Em tal caso, a Igreja deve declarar que se encontram em erro, mas não exigir deles seja o que for que se assemelhe a um desmentido do que afirmaram, nem privá-los do pão da vida.
A vida se contrai e se expande proporcionalmente à coragem do indivíduo.
É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.