A palavra quando é criação desnuda. A primeira virtude da poesia tanto para o poeta como para o leitor é a revelação do ser. A consciência das palavras leva à consciência de si: a conhecer-se e a reconhecer-se.
Passagens sobre Leitores
142 resultadosO Sensacionismo
Sentir é criar.
Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.
– Mas o que é sentir?
Ter opiniões é não sentir.
Todas as nossas opiniões são dos outros.
Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.
Só o que se pensa é que se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode comunicar. Só se pode comunicar o valor do que se sente. Só se pode fazer sentir o que se sente. Não que o leitor sinta a pena comum [?].
Basta que sinta da mesma maneira.
O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras é proibido ser explícito.
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente.
Ver, ouvir, cheirar, gostar, palpar – são os únicos mandamentos da lei de Deus. Os sentidos são divinos porque são a nossa relação com o Universo,
O grande sonho de todo o escritor – se o tiver – será o de nunca encontrar o leitor «ideal». Porque se o encontrasse, a sua obra morreria aí. Cada leitor, com efeito, recria a obra que lê; e a perpetuidade de uma obra significará a sua perpétua recriação.
A Melancolia
A melancolia é sorna e estéril. Camões escreveu a sua epopeia nos dias da esperança. Quando a tristeza desanimadora o entrou, já não pôde escrever para o fidalgo, que lha pedia, uma paráfrase dos salmos.
Uma inteligência em quietismo não danifica os interesses materiais dum país, e até certo ponto pode considerar-se providencial o pousio; mas um cidadão analfabeto, embrutecido pela melancolia, se a sua qualidade civil é importante como deve ser, pode prejudicar gravemente os interesses da cidade.
Ainda bem que a melancolia raro se atreve a perturbar o funcionalismo intelectivo de certas cabeças, cuja organização é maravilha. Daí provém a traça metódica e auspiciosa com que o homem supinamente ignorante regula os seus negócios. Há nessa cabeça a perene claridade dum fundo de garrafa de cristal. As ideias impedem-lhe congeladas da abóbada craniana como as estalactites duma caverna. Dessa imobilidade imperturbável de cérebro resulta a fixidez da mira posta num alvo, a pertinácia das empresas e o conseguimento dos bons efeitos.
Ainda não vi tão cabal e logicamente explicado o fortunoso êxito de algumas riquezas granjeadas pela inépcia.
Não obstante, o número dos bastardos da fortuna é muito maior. O leitor é de certo um dos que tem em cada dia uma hora de enojo,
As obras de arte devem falar «por si mesmas», explicar-se «por si mesmas», sem terem necessidade de pôr ao lado um cicerone. Acompanhar um livro de versos de crítica «já feita» é querer impor um guia à emoção do leitor. O leitor detesta isso.
Creio que o escritor escreve para si mesmo. Não existe para salvar o mundo. Quando muito, o escritor estabelece pontes com os seus leitores.
Quem escreve de um modo claro tem leitores. Quem escreve de um modo obscuro, comentadores.
O jornalista deve ser cético pra que o leitor não se torne cético com relação ao jornalista.
A Origem do Medo
A condição psicológica do medo está divorciada de qualquer perigo concreto e real. Surge sob diversas formas: desconforto, preocupação, ansiedade, nervosismo, tensão, temor, fobia, etc. Este tipo de medo psicológico é sempre algo que poderá acontecer e não algo que esteja a acontecer no momento. O leitor está aqui e agora, enquanto a sua mente se encontra no futuro. Este facto gera um hiato de ansiedade. Além disso, se o leitor se identificar com a sua mente e tiver perdido o contacto com o poder e a simplicidade do Agora, esse hiato de ansiedade acompanhá-lo-á constantemente.
A pessoa pode sempre lidar com o momento presente, mas não o consegue fazer com algo que é apenas uma projeção mental – não é possível lidar com o futuro.
E enquanto o leitor se identifica com a sua mente, o ego comanda a sua vida. Devido à natureza ilusória que lhe é característica e apesar dos mecanismos de defesa elaborados, o ego torna-se muito vulnerável e inseguro, vendo-se a si próprio constantemente sob ameaça. Este facto, a propósito, é o que acontece, mesmo que por fora o ego pareça muito confiante. Agora lembre-se de que uma emoção é a reação do corpo à mente.
Perceba em profundidade que o momento presente é tudo o que alguma vez terá. Torne o Agora no foco principal da sua mente. Enquanto anteriormente o leitor vivia no tempo e fazia breves visitas ao Agora, neste momento faça dele o lugar onde habita e preste breves visitas ao passado e ao futuro quando for necessário para lidar com os aspectos práticos da sua situação. Diga sempre «sim» ao momento presente.
A poesia é um nexo entre dois mistérios: o do poeta e o do leitor.
Não podemos piscar o olho ao público. Se o fizermos estamos lixados. Não obstante, escrevemos para ser lidos. Ninguém, nem mesmo os que escreveram diários em cifra, escreve para não ser lido. Eu escrevo procurando o afecto do leitor, dos escritores, mas sem nunca lhes abrir as pernas. Não me castro em concessões.
Há muitos, muitíssimos leitores que não gostam de que se os obrigue a pensar, e que querem que se lhes diga o que já sabem, o que já têm pensado.
Quanto mais silêncio houver num livro, melhor ele é. Porque nos permite escrever o livro melhor, como leitor.
A crítica? Bem vê: nas circunstâncias em que me encontro, a crítica não me poderia ajudar. Ela de resto nunca ajuda um autor. Tende afazer de mediadora entre uma linguagem e um entendimento. Ajudará o leitor.
Este é o prodígio da literatura, poder ser capaz de chegar mais fundo na consciência dos leitores, mesmo falando sobre uma outra coisa.
A Breve Passagem na Vida
Por vezes sentado sozinho na sala, apenas com o cão por companhia, pensava que, contrariamente ao que ele supunha, não eram precisas palavras para entendermos o essencial: que tudo é uma breve passagem e que não há outra eternidade senão a da solidão partilhada.
Ou no amor, ou na camaradagem das grandes batalhas, ou no silêncio de uma sala entre um leitor e um cão. Talvez estivéssemos a ficar parecidos e até nos imitássemos um ao outro.
Não sei como é que os meus leitores conseguem entender aquilo que eu escrevo. Depois de algum tempo, nem eu mesma sei o que queria dizer!
A Poesia
… Quantas obras de arte… Já não cabem no mundo… Temos de as pendurar fora dos quartos… Quantos livros… Quantos livrecos… Quem será capaz de os ler?… Se fossem comestíveis… Se numa panela de grande calado os fizéssemos em salada, os picássemos, os alinhássemos… Já não se pode mais… Estamos até ao pescoço… O mundo afoga-se na maré… Reverdy dizia-me: «Avisei o correio para que não me trouxesse mais livros… Não poderia abri-los. Não tenho espaço. Trepam pelas paredes, temi uma catástrofe, ruiriam em cima da minha cabeça»… Todos conhecem Eliot… Antes de ser pintor, de dirigir teatros, de escrever luminosas críticas, lia os meus versos… Sentia-me lisonjeado… Ninguém os compreendia melhor… Até que um dia começou a ler-me os seus e eu, egoisticamente, corri a protestar: «Não mos leia, não mos leia»… Fechei-me no quarto de banho, mas Eliot, através da porta, lia-mos… Fiquei muito triste… O poeta Frazer, da Escócia, estava presente… Increpou-me: «Porque tratas assim Eliot?»… Respondi: «Não quero perder o meu leitor. Cultivei-o. Conhece até as rugas da minha poesia… Tem tanto talento… Pode fazer quadros… Pode escrever ensaios… Mas eu quero manter este leitor, conservá-lo, regá-lo como planta exótica… Compreendes-me, Frazer?»… Porque a verdade, se isto continua,
Acho que o escritor deve escrever para a alegria do leitor.