Eu tenho a certeza que toda a gente já teve a experiência de ler um livro, e achar que foi vibrante, com vivacidade, colorido e excitante. E que, talvez algumas semanas mais tarde, tenham-no lido outra vez e considerá-lo simples e vazio. Bem, não foi o livro que mudou: a pessoa é que mudou.
Passagens sobre Livros
946 resultadosA vida ideal consiste em ter bons amigos, bons livros e uma consciência sonolenta.
Mesmo a circunstância de eu ir publicar um livro vem alterar a minha vida. Perco uma coisa – o ser inédito.
A Liberdade Nunca é Real
Se examinarmos um indivíduo isolado sem o relacionarmos com o que o rodeia, todos os seus actos nos parecem livres. Mas se virmos a mínima relação entre esse homem e quanto o rodeia, as suas relações com o homem que lhe fala, com o livro que lê, com o trabalho que está fazendo, inclusivamente com o ar que respira ou com a luz que banha os objectos à sua roda, verificamos que cada uma dessas circunstâncias exerce influência sobre ele e guia, pelo menos, uma parte da sua actividade. E quantas mais influências destas observamos mais diminui a ideia que fazemos da sua liberdade, aumentando a ideia que fazemos da necessidade a que está submetido.
(…) A gradação da liberdade e da necessidade maiores ou menores depende do lapso de tempo maior ou menor desde a realização do acto até à apreciação desse mesmo acto. Se examino um acto que pratiquei há um minuto em condições quase as mesmas em que me encontro actualmente, esse acto parece-me absolutamente livre. Mas se aprecio um acto realizado há um mês, ao encontrar-me em circunstâncias diferentes, a meu pesar, se não tivesse realizado esse acto, não existiriam muitas coisas inúteis, agradáveis e necessárias que derivam dele.
Ter grande conhecimento e não o usar, é como ter uma grande biblioteca e não abrir um único livro.
Os livros permitiram-me conhecer pessoas melhores do que nós. Que têm um calibre humano que eu não tenho.
Não há livros morais nem imorais. O que há são livros bem escritos ou mal escritos.
Só se devem ler livros escritos há mais de cem anos.
O livro é a grande memória dos séculos… se os livros desaparecessem, desapareceria a história e, seguramente, o homem.
O hipócrita é um santo pintado; tem as mãos postas, mas não ora; o livro na mão, mas não lê; os olhos no chão, mas não se desestima.
Deitada em minha rede com o livro sobre meu colo em êxtase puríssimo… não sou mais aquela menina com seu livro, mas uma mulher com seu amante.
Com dinheiro posso comprar uma coisa, posso comprar liberdade. Eu levo muito tempo a escrever os meus livros – de cinco a dez anos. (…) Tenho ideias para dois novos livros, estou contente porque agora estarei livre para trabalhar neles.
A Filosofia está escrita nesse grande livro ? o Universo ? que permanece continuamente aberto.
O Amor de Si Próprio
[Ferido por uma crítica adversa, um poeta busca consolo para a mágoa relendo seus próprios versos.] Desgosto (…), mas desgosto curto. Ele irá dali remirar-se nos próprios livros. A justiça que um atrevido lhe negou, não lhe negarão as páginas dele. Oh! a mãe que gerou o filho, que o amamenta e acalenta, que põe nessa frágil criaturinha o mais puro de todos os amores, essa mãe é Medeia, se a compararmos àquele engenho, que se consola da injúria, relendo-se; porque se o amor de mãe é a mais elevada forma de altruísmo, o dele é a mais profunda forma de egoísmo, e só há uma coisa mais forte que o amor materno, é o amor de si próprio.
O Homem que Lê
Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde… em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins
transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
Tremo Sempre Diante do Amor
Nadia, deves ter visto a falta de jeito com que no último momento te pedi o número do telefone e este endereço de correio eletrónico para onde te escrevo, e deves ter-te apercebido também da peregrina desculpa: os dois sabemos que podes conseguir de mil outras maneiras diferentes 05 livros que fiquei de te emprestar. Há-os em muitos lados. Toda a gente os tem. Pode até acontecer que já façam parte da tua biblioteca há anos e que neste momento estejas a olhar as suas lombadas da cadeira onde estás sentada enquanto me lês; e também pode acontecer, na realidade não me admiraria nada, que seja eu quem não os tem nem os teve nunca. Durante o jantar não conseguia tirar os olhos de ti, mas isso já tu sabes. Perante isso, apenas posso esperar que o resto dos comensais, especialmente os teus amigos, não se tenham apercebido de até que ponto me eram indiferentes as restantes pessoas e conversas. Como viste, tenho já um longo caminho percorrido. Sou um homem com passado, como se costuma dizer, embora isso não faça com que seja mais fácil para mim escrever uma carta como esta. Porque isto é uma carta, não é verdade?
Português Vulgar
O meu gato deixa-se ficar
em casa, arejando o prato
e o caixote das areias. Já não vai
de cauda erguida contestar o domínio
dos pedantes de raça, pelos
quintais que restam. O meu gato
é um português vulgar, um tigre
doméstico dos que sabem caçar ratos e
arreganhar dentes a ordens despóticas. Mas
desistiu de tudo, desde os comícios nocturnos
das traseiras até ao soberano desprezo
pela ração enlatada, pelo mercantilismo
veterinário ou pela subserviência dos cães
vizinhos. Já falei deste gato
noutro poema e da sua genealogia
marinheira, embarcada nas antigas
naus. Se o quiserem descobrir, leiam
esse poema, num livro certamente difícil
de encontrar. E quem procura hoje
livros de poemas? Eu ainda procuro,
nos olhos do meu gato, os
dias maiores de Abril.
Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente dirá, fechando o livro docemente: – Versos só nossos, só de nós os dois!…
A Memória Coerente
A experiência pessoal e as leituras só valem o que a memória tiver retido delas. Quem tenha lido com alguma atenção os meus livros sabe que, para além das histórias que eles vão contando, o que ali há é um contínuo trabalho sobre os materiais da memória, ou, para dizê-lo com mais precisão, sobre a memória que vou tendo daquilo que, no passado, já foi memória sucessivamente acrescentada e reorganizada, à procura de uma coerência própria em cada momento seu e meu. Talvez essa desejada coerência só comece a desenhar um sentido quando nos aproximamos do fim da vida e a memória se nos apresenta como um continente a redescobrir.
Peço a um livro que crie em mim a necessidade daquilo que ele me traz.