Nossa alma incapaz e pequenina Mais complacências que irrisão merece. Se ninguém é tão bom quanto imagina, Também não é tão mau como parece.
Passagens sobre Ninguém
1737 resultadosDispersão
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:Porque um domingo é familia,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem familia).O pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traíu a si mesmo.Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho,
Quando um filósofo completa uma resposta, já ninguém se lembra qual foi a pergunta.
Confundimos os nossos segredos com a nossa identidade, confundimos as nossas fraquezas connosco próprios e, sem que ninguém saiba, sem que ninguém possa saber ou ajudar-nos, transformamo-nos efectivamente nos nossos segredos e nas nossas fraquezas. A verdade existe no oposto desse medo. Quanto mais damos, mais nos permitimos ser. Quanto mais damos, mais somos.
Cada pensador coloca alguma parcela de um mundo aparentemente estável em perigo, e ninguém pode totalmente prever o que vai emergir em seu lugar.
A Fraqueza Fundamental do Homem
A fraqueza fundamental do homem não é nada que ele não possa vencer, desde que não possa aproveitar com a vitória. A juventude vence tudo, a impostura, a astúcia mais dissimulada, mas não há ninguém que possa deter no voo a vitória, torná-la viva, porque então a juventude deixou de existir. A velhice não ousa tocar na vitória e a nova juventude atormentada pelo novo ataque que se desencadeia imediatamente, deseja a sua própria vitória. É assim que o Diabo sem cessar vencido, nunca é aniquilado.
Possuir-te é Gozar de um Tesouro Infinito
Que suprema felicidade foi hoje a minha, querida desta alma! Como tu estavas, linda, terna, amante, encantadora! Nunca te vi assim, nunca me pareceste tão bela! Que deliciosa variedade há em ti, minha Rosa adorada! Possuir-te é gozar de um tesouro infinito, inesgotável. Juro-te que já não tenho mérito em te ser fiel, em te protestar e guardar esta lealdade exclusiva que te hei-de consagrar até ao último instante da minha vida: não tenho mérito algum nisso. Depois de ti, toda a mulher é impossível para mim, que antes de ti não conheci nenhuma que me pudesse fixar.
E o que eu te estimo e aprecio além disso. A ternura de alma verdadeira que tenho por ti. Onde estavam no meu coração estes afectos que nunca senti, que só tu despertaste e que dão à minha alma um bem-estar tão suave? Realmente que te devo muito, que me fizeste melhor, outro do que nunca fui. O que sinto por ti é inexplicável. Bem me dizias tu que em te conhecendo te havia de adorar deveras. É certo, assim foi, e estou agora seguro deste amor, porque repousa em bases tão sólidas que já nada creio que o possa destruir.
A Mulher de Negro
Os sons da floresta, as árvores, a bicicleta e, ao longe, o silêncio imóvel de um vulto negro. Aproximei-me e era uma mulher vestida de negro. Um xaile negro sobre os ombros. Um lenço negro sobre a cabeça. O som dos pneus da bicicleta a pararem, o som de amassarem folhas húmidas e de fazerem estalar ramos. Os meus pés a pousarem no chão. Os olhos da mulher entre o negro. Os olhos pequenos da mulher. O seu rosto branco. Vimo-nos como se nos encontrássemos, como se nos tivéssemos perdido havia muito tempo e nos encontrássemos. O tempo deixou de existir. O silêncio deixou de existir. Pousei a bicicleta no chão para caminhar na direcção da mulher. Era atraído por segredos. Durante os meus passos, a mulher estendeu-me a mão. A sua mão era muito velha. A palma da sua mão tinha linhas que eram o mapa de uma vida inteira, uma vida com todos os seus enganos, com todos os seus erros, com todas as suas tentativas. Os seus olhos de pedra. Senti os ossos da sua mão a envolverem os meus dedos. Não me puxou, mas eu aproximei o meu corpo do seu. Senti a sua respiração no meu pescoço.
Experiência é coisa que ninguém consegue de graça.
O Verdadeiro e o Falso
A primeira diligência do espírito é a de distinguir o que é verdadeiro do que é falso. No entanto, logo que o pensamento reflecte sobre si próprio, o que primeiro descobre é uma contradição. Seria ocioso procurar, neste ponto, ser-se convincente. Ninguém, há séculos, deu uma demonstração mais clara e mais elegante do caso do que Aristóteles: “A consequência, muitas vezes ridicularizada, dessas opiniões é que elas se destroem a si próprias”.
Porque, se afirmarmos que tudo é verdadeiro afirmamos a verdade da afirmação oposta, e, em consequência, a falsidade da nossa própria tese (porque a afirmação oposta não admite que ela possa ser verdadeira). E, se dissermos que tudo é falso, essa afirmação também é falsa. Se declararmos que só é falsa a afirmação oposta à nossa, ou então que só a nossa e que não é falsa, somos, todavia, obrigados a admitir um número infinito de juízos verdadeiros ou falsos.
Porque aquele que anuncia uma afirmação verdadeira, pronuncia ao mesmo tempo o juízo de que ela é verdadeira, e assim sucessivamente, até ao infinito.
Ninguém sabe porque ama ou porque não ama. É uma coisa que se sente, mas que não se explica.
Ninguém é digno dos sonhos se não usar suas derrotas para cultivá-los.
E acima de todas as pessoas do mundo está você, que eu não comparo com ninguém.
A Alma é o Bem Supremo
Devemos circunscrever o bem supremo à alma: degradá-lo-emos se em vez da melhor parte de nós o associarmos antes à pior, se o pusermos na dependência dos sentidos que nos animais sem fala são bem mais apurados do que no homem. Não devemos atribuir ao corpo o ponto mais alto da nossa felicidade; os bens verdadeiros são aqueles que devemos à razão – bens firmes e duradouros, insusceptíveis de decadência, incapazes de padecerem qualquer decréscimo ou limitação! Os restantes bens são-no somente na opinião do vulgo; na realidade apenas têm de comum o nome com os bens verdadeiros, mas carecem das propriedades que distinguem um «bem» real. Chamemos-lhes antes «utilidades» ou, para usar o termo técnico, «recursos desejáveis», mas sem perder de vista que se trata de «utensílios», não de partes de nós mesmos; tenhamo-los à mão, mas sem esquecer que são exteriores a nós; e mesmo tendo-os à mão atribuamos-lhes um lugar subalterno e secundário, como coisas de que ninguém se deve orgulhar. Há coisa mais estúpida do que nos vangloriarmos de algo que não fizemos? Deixemos que todos esses falsos bens nos caibam em sorte mas sem se colarem a nós de modo a que, se ficarmos sem eles,
O que Poderá Ver quem já da Vista Cegou?
Ante Sintra, a mui prezada,
e serra de Ribatejo
que Arrábeda é chamada,
perto donde o rio Tejo
se mete n’água salgada,
houve um pastor e pastora,
que com tanto amor se amaram
como males lhe causaram
este bem, que nunca fora,
pois foi o que não cuidarom.A ela chamavam Maria
e ao pastor Crisfal,
ao qual, de dia em dia,
o bem se tornou em mal,
que ele tão mal merecia.
Sendo de pouca idade,
não se ver tanto sentiam
que o dia que não se viam,
se via na saudade
o que ambos se queriam.Algumas horas falavam,
andando o gado pascendo;
e então se apascentavam
os olhos, que, em se vendo,
mais famintos lhe ficavam.
E com quanto era Maria
pequena e, tinha cuidado
de guardar melhor o gado
o que lhe Crisfal dizia;
mas, em fim, foi mal guardado;Que, depois de assim viver
nesta vida e neste amor,
depois de alcançado ter
maior bem pera mor dor,
em fim se houve de saber
por Joana,
A honra concerne apenas às qualidades que são exigidas de todos os que se encontram nas mesmas condições; a glória, às qualidades que não se podem exigir de ninguém.
A Luz do Teu Amor
Oh! Sim que és linda! a inocência
Em tua fronte serena
Com tal doçura reluz!…
Tanta e tanta… que a açucena
Tão esplêndida a existência
Não lha doura assim à luz!
Oh! que és linda, e mais… e mais
Quando um traço melancólico
Te diviso no semblante
Nos teus olhos virginais!
Que doçura não existe
Ai! ó virgem, nesse instante
Na poética beleza
Desse traço de tristeza
Que te vem tornar mais bela
Mal em teu rosto pousou!
E eu te quero assim, ó estrela,
Que se inspira em mim a crença
Triste… triste, que és mais linda,
Mas dessa beleza infinda
Das ficções da renascença
Que a poesia perfumou!Fita agora os olhos lânguidos
Na estrela que te ilumina,
Eu não sei que luz divina
De amor nos fala em teu rosto!
Eu não sei, nem tu… ninguém!…
Que a vaga luz do sol posto,
Que a palidez da cecém,
Que a meiguice dos amores,
E que o perfume das flores
Não respiram a harmonia
Desse toque leve…
Ninguém pode escrever a vida de um homem a não ser que tenha comido, bebido e convivido com ele.
Ninguém duvida tanto como aquele que mais sabe.
A Dúvida, a Solidão, logo… a Escrita
Na vida, chega um momento – e penso que ele é fatal – ao qual não é possível escapar, em que tudo é posto em causa: o casamento, os amigos, sobretudo os amigos do casal. Tudo menos a criança. A criança nunca é posta em dúvida. E essa dúvida cresce à sua volta. Essa dúvida, está só, é a da solidão. Nasce dela, da solidão. Podemos já nomear a palavra. Creio que há muita gente que não poderia suportar o que aqui digo, que fugiria. Talvez seja por essa razão que nem todos os homens são escritores. Sim. Essa é a diferença. Essa é a verdade. Mais nada. A dúvida é escrever. É, portanto, também, o escritor. E com o escritor todo o mundo escreve. É algo que sempre se soube.
Creio também que sem esta dúvida primeira do gesto em direcção à escrita não existe solidão. Nunca ninguém escreveu a duas vozes. Foi possível cantar a duas vozes, ou fazer música também, e jogar ténis, mas escrever, não. Nunca.