Os fãs sérios precisam sempre de se sentirem ligados em exclusividade com o objeto de seu fanatismo; guardam zelosamente os pontos de ligação, ainda que pequenas ou imaginárias, que justifiquem a sensação de exclusividade.
Passagens sobre Objeto
369 resultadosA fé não vê, mas vê-se: não vê, porque não vê os seus objectos, mas vê-se, porque se vê nos seus efeitos.
Quem é temido, teme: não pode ficar tranquilo quem é objecto do medo alheio.
Da Profundidade do Espírito
A profundeza é o termo da reflexão. Quem quer que tenha o espírito verdadeiramente profundo, deve ter a força de fixar o pensamento fugidio; de retê-lo sob os olhos para considerar-lhe o fundo, e reduzir a um ponto uma longa cadeia de ideias; é principalmente àqueles a quem esse espírito foi dado que a clareza e a justeza são necessárias. Quando lhes faltam essas vantagens, as suas vistas ficam embaraçadas com ilusões e cobertas de obscuridades. No entanto, como tais espíritos vêem sempre mais longe do que os outros nas coisas da sua alçada, julgam-se também mais próximos da verdade do que os demais homens; mas estes, não os podendo seguir nas suas sendas tenebrosas, nem remontar das consequências até a altura dos princípios, são frios e desdenhosos para com esse tipo de espírito que não podem mensurar.
E, mesmo entre as pessoas profundas, como algumas o são em relação às coisas do mundo e outras nas ciências ou numa arte particular, preferindo cada qual o objecto cujos usos melhor conhece, isso também é, de todos os lados, matéria de dissensão.
Finalmente, nota-se um ciúme ainda mais particular entre os espíritos vivazes e os espíritos profundos, que só possuem um na falta do outro;
O juízo é o conhecimento imediato de um objecto, consequentemente a representação de uma representação desse objecto.
A Idealização do Amor
Eu estava a pensar na forma como se poderá entender o amor, à luz da minha formação. Da minha perspectiva, depende daquilo que o outro representa, se o outro é um prolongamento nosso, é uma parte nossa, como acontece muitas vezes, ou é uma idealização do eu de que falaria o Freud. No sentido psicanalítico poder-se-ia dizer que o amor corresponde ao eu ideal e, portanto, à procura de qualquer coisa de ideal que nós colocamos através de um mecanismo de identificação projectiva no outro.
Portanto, à luz de uma perspectiva científica, como é apesar de tudo a psicanalítica, o problema começa a pôr-se de uma forma um bocado diferente. Nesse sentido e na medida em que o objecto amado é sempre idealizado e nunca é um objectivo real, a gente, de facto, nunca se está a relacionar com pessoas reais, estamos sempre a relacionarmo-nos com pessoas ideias e com fantasmas. A gente vive, de facto, num mundo de fantasmas: os amigos são fantasmas que têm para nós determinada configuração, ou os pais, ou os filhos, etc.
(…) O amor é uma coisa que tem que tem que ver de tal forma com todo um mundo de fantasmas,
Escola
O que significa o rio,
a pedra, os lábios da terra
que murmuram, de manhã,
o acordar da respiração?O que significa a medida
das margens, a cor que
desaparece das folhas no
lodo de um charco?O dourado dos ramos na
estação seca, as gotas
de água na ponta dos
cabelos, os muros de hera?A linha envolve os objectos
com a nitidez abstracta
dos dedos; traça o sentido
que a memória não guardou;e um fio de versos e verbos
canta, no fundo do pátio,
no coro de arbustos que
o vento confunde com crianças.A chave das coisas está
no equívoco da idade,
na sombria abóbada dos meses,
no rosto cego das nuvens.
O Grau da Nossa Emancipação
A esfera da consciência reduz-se na acção; por isso ninguém que aja pode aspirar ao universal, porque agir é agarrar-se às propriedades do ser em detrimento do ser, a uma forma de realidade em prejuízo da realidade. O grau da nossa emancipação mede-se pela quantidade das iniciativas de que nos libertámos, bem como pela nossa capacidade de converter em não-objecto todo o objecto. Mas nada significa falar de emancipação a propósito de uma humanidade apressada que se esqueceu de que não é possível reconquistar a vida nem gozá-la sem primeiro a ter abolido.
Respiramos demasiado depressa para sermos capazes de captar as coisas em si próprias ou de denunciar a sua fragilidade. O nosso ofegar postula-as e deforma-as, cria-as e desfigura-as, e amarra-nos a elas. Agito-me e portanto emito um mundo tão suspeito como a minha especulação, que o justifica, adopto o movimento que me transforma em gerador de ser, em artesão de ficções, ao mesmo tempo que a minha veia cosmogónica me faz esquecer que, arrastado pelo turbilhão dos actos, não passo de um acólito do tempo, de um agente de universos caducos.
Empanturrados de sensações e do seu corolário, o devir, somos seres não libertos, por inclinação e por princípio,
A Vida é um Hábito
O hábito é o balastro que prende o cão ao seu vómito. Respirar é um hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, porque o indivíduo é uma sucessão de indivíduos […] «Hábito» é pois o termo genérico para os inúmeros contratos celebrados entre os inúmeros sujeitos que constituem o indivíduo e os seus inúmeros objectos correlativos. Os períodos de transição que separam as consecutivas adaptações […] representam as zonas perigosas na vida do indivíduo, perigosas, penosas, misteriosas e férteis, em que, por um momento, o tédio de viver é substituído pelo sofrimento de ser.
Maomé e a Montanha
Guardo o mais absoluto segredo
das pedras que rolam no fundo dos leitos
embora nada saiba,
nada ouse saber.
Vou pelo olhar até ao rio,
o rio vem a mim
e ambos caminhamos deslumbrados
para fora de nós.O cantar da água
corre nos meus olhos exactamente como corre
a manhã
até que o sol a prumo
faz de mim o desenho do rio
que vejo,
o mapa das veias
onde o corpo nasce de novo.À vinda procuro a minha sombra.
O coração que me há-de trazer de volta
demora-se no rio
como se nele corresse
uma sede de olhar.Os pés colam-se à margem.
Do outro lado as casas vão mudando
de expressão
mais lentamente do que a água corre.
O sol abraça-me pelas costas
e deixa-se escorregar como crianças
que riem,
que não distinguem a voz seca do tempo.É noite à lareira da casa.
Os objectos acendem-se:
também eles mudam de rosto
como tudo o que é iluminado por amor.
O Valor da Obra de Arte
A fonte imediata da obra de arte é a capacidade humana de pensar, da mesma forma que a «propensão para a troca e o comércio» é a fonte dos objectos de uso. Tratam-se de capacidades do homem, e não de meros atributos do animal humano, como sentimentos, desejos e necessidades, aos quais estão ligados e que muitas vezes constituem o seu conteúdo.
Estes atributos humanos são tão alheios ao mundo que o homem cria como seu lugar na terra, como os atributos correspondentes de outras espécies animais; se tivessem de constituir um ambiente fabricado pelo homem para o animal humano, esse ambiente seria um não mundo, resultado de emanação e não de criação. A capacidade de pensar relaciona-se com o sentimento, transformando a sua dor muda e inarticulada, do mesmo modo que a troca transforma a ganância crua do desejo e o uso transforma o anseio desesperado da necessidade – até que todos se tornem dignos de entrar no mundo transformados em coisas, reificados. Em cada caso, uma capacidade humana que, por sua própria natureza, é comunicativa e voltada para o mundo, transcende e transfere para o mundo algo muito intenso e veemente que estava aprisionado no ser.
A Ligação das Ideias
É a ligação das ideias que sustenta todo o edifício do entendimento humano. Sem ela, o prazer e a dor seriam sentimentos isolados, sem efeito, tão cedo esquecidos quanto sentidos. Os homens sem ideias gerais e princípios universais, isto é, os homens ignorantes e embrutecidos, não agem senão segundo as ideias mais vizinhas e mais imediatamente unidas. Negligenciam as relações distantes, e essas ideias complicadas, que só se apresentam ao homem fortemente apaixonado por um objecto, ou aos espíritos esclarecidos. A luz da atenção dissipa no homem apaixonado as trevas que cercam o vulgar. O homem instruído, acostumado a percorrer e a comparar rapidamente um grande número de ideias e de sentimentos opostos, tira do contraste um resultado que constitui a base da sua conduta, desde então menos incerta e menos perigosa.
Em Louvor da Miniblusa
Hoje vai a antiga musa
celebrar a nova blusa
que de Norte a Sul se usa
como graça de verão.
Graça que mostra o que esconde
a blusa comum, mas onde
um velho da era do bonde
encontrará mais mensagem
do que na bossa estival
da rola que ao natural
mostra seu colo fatal,
ou quase, pois tanto faz,
se a anatomia me ensina
a tocar a concertina
em busca ao mapa da mina
que ora muda de lugar?
Já nem sei mais o que digo
ao divisar certo umbigo:
penso em flor, cereja, figo,
penso em deixar de pensar,
e em louvar o costureiro
ou costureira — joalheiro
que expõe a qualquer soleiro
esse profundo diamante
exclusivo antes das praias
(Copas, Leblons, Marambaias
e suas areias gaias).
Salve, moda, salve, sol
de sal, de alegre inventiva,
que traz à matéria viva
a prova figurativa!
Pode a indústria de fiação
carpir-se do pouco pano
que o figurino magano
reduz a zero, cada ano.
Que importa?
A Lei do Mais Forte
Durante muito tempo dissemos que a competição e a eliminação dos mais fracos eram o motor da evolução natural. Sem querer, demos crédito à chamada lei do mais forte. Sancionamos o pecado da ira dos poderosos no extermínio dos chamados fracos. Sabemos hoje que a simbiose é um dos mecanismos mais poderosos de evolução. Mas deixámos que isso ficasse no esquecimento. E continuamos ainda hoje vasculhando exemplos isolados de simbiose quando a Vida é toda ela um processo de simbiose global. Sabemos hoje que a capacidade de criar diversidade foi o mais importante segredo da nossa época como espécie que se adaptou e sobreviveu. No entanto, vamo-nos contentando com o estatuto que a nós mesmos conferimos: o sermos a espécie «sabedora».
Alimentámo-nos de receios e essa será mais uma manifestação da gula. Temos medo de errar. Esse medo leva à proibição de experimentar outros caminhos, sufocados pelo cientificamente correcto, pelo estatisticamente provado, pelo laboratorialmente certificado. Deveríamos ser nós, biólogos, a mostrar que o erro é um dos principais motores da evolução. A mutação é um erro criativo que funciona, um erro que fabrica a diversidade.
Os avanços no domínio do conhecimento fazem-se através de caminhos paradoxais. A nossa ciência,
Aos Pregadores de Moral
Não quero fazer moral, mas dou o seguinte conselho àqueles que a fazem: se quereis tirar às melhores coisas todo o prestígio e todo o valor, continuai a falar delas como o fazeis. Fazei disso o centro da vossa moral, repeti de manhã à noite a felicidade da virtude, a tranquilidade da alma, a equidade e a justiça imanente; pelo caminho por onde ides, essas excelentes coisas acabarão por ganhar o coração do povo; a voz do povo estará do seu lado; mas, passando de mão em mão, perderão toda a sua duradoura; pior: o seu ouro transformar-se-á em chumbo. Ah! Como sois peritos nessas contra-alquimias! Como sabeis desvalorizar as substâncias mais preciosas! Tentai, portanto, uma vez, a título de experiência, uma receita diferente, se não quereis, como até agora, conseguir o contrário daquilo que procurais: negai essas excelentes coisas, retirai-lhes o aplauso da multidão, entravai a sua circulação, voltai a fazê-las outra vez o objecto de secreto pudor da alma solitária, dizei que a moral é um fruto proibido! Talvez ganheis então para a vossa causa a única espécie de homens que interessa, quero dizer, a raça dos heróis.
A massa não é apenas objeto da ação revolucionária; é sobretudo sujeito.
O ciúme grosseiro é uma desconfiança do objeto amado; o ciúme delicado é uma desconfiança de si mesmo.
Uma vez descoberto, o ciúme é considerado por aquele que é seu objeto como uma desconfiança que autoriza o engano.
A felicidade é a realização de um desejo pré-histórico da infância. É por isso que a riqueza contribui em tão pequena medida para ela. O dinheiro não é objecto de um desejo infantil.
A TV Como Instrumento Redutor
Porque é que a TV foi essa «caixinha que revolucionou o mundo»? Faço a pergunta e as respostas vêm em turbilhão. Fez de tudo um espectáculo, fez do longe o mais perto, promoveu o analfabetismo e o atraso mental. De um modo geral, desnaturou o homem. E sobretudo miniturizou-o, fazendo de tudo um pormenor, isturado ao quotidiano doméstico. Porque mesmo um filme ou peça de teatro ou até um espectáculo desportivo perdem a grandeza e metafísica de um largo espaço de uma comunidade humana.
Já um acto religioso é muito diferente ao ar livre ou no interior de uma catedral. Mas a TV é algo de minúsculo e trivial como o sofá donde a presenciamos. Diremos assim e em resumo que a TV é um instrumento redutor. Porque tudo o que passa por lá chega até nós diminuído e desvalorizado no que lhe é essencial. E a maior razão disso não está nas reduzidas dimensões do ecrã, mas no facto de a «caixa revolucionadora» ser um objecto entre os objectos de uma sala.
Mas por sobre todos os males que nos infligiu, ergue-se o da promoção do analfabetismo. Ser é um acto difícil e olhar o boneco não dá trabalho nenhum.