As vítimas do sacrifício e do espírito de sacrifício têm dele uma ideia muito diferente da dos espectadores; mas nunca lhes foi dada a palavra.
Passagens sobre Palavras
1853 resultadosOs ignorantes gostam de ser snobes porque também eles respeitam mais os snobes. Vêem um ignorante igual a eles, mas exacerbando maneirismos, e de pronto pensam de si para si: «Este tipo, afinal, é selecto.» Os ignorantes aprendem depressa a palavra «selecto». É outra das suas ferramentas para serem selectos. Ou snobes.
Bramido
ao Eduardo White
em quantas dimensões alastram
essas tuas palavrascom que buscas
afinal só ternuraa ternura de ser
o sorriso
a lágrima
a angústia
Os artistas pensam segundo as palavras e os filósofos segundo as ideias.
O homem é um ser que se criou a si próprio ao criar uma linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si próprio.
O que está no conhecimento há-de estar também na palavra
O que está no conhecimento há-de estar também na palavra, e o que não está no conhecimento não deve estar na palavra.
A Essência da Poesia
Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso, por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso alguns sucessos do passado, se revivi um nunca esquecido relato nesta ocasião e neste lugar tão diferentes do sucedido, é porque durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para se endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim próprio.
Encontrei, naquela longa jornada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a acção, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia – o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia – numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos,
Sê paciente; espera que a palavra amadureça e se desprenda como um fruto ao passar o vento que a mereça.
Para a Salvação da Democracia
Ora a democracia cometeu, a meu ver, o erro de se inclinar algum tanto para Maquiavel, de ter apenas pluralizado os príncipes e ter constituído em cada um dos cidadãos um aspirante a opressor dos que ao mesmo tempo declarava seus iguais. Ser esmagada pelos condottieri que dispõem das lanças mercenárias ou pela coalizão dos que manejam o boletim de voto é para a consciência o mesmo choque violento e o mesmo intolerável abuso; um tirano das ilhas vale os trinta de Atenas e os milhares de espartanos. Pode ser esta a origem de muita reacção que parece incompreensível; há almas que se entregaram a outros campos porque se sentiam feridas pela prepotência de indivíduos que defendiam atitudes morais só fundadas na utilidade social, na combinação política. E de facto, o que se tem realizado é, quase sempre, um arremedo de democracia sem verdadeira liberdade e sem verdadeira igualdade, exactamente porque se tomou como base do sistema uma relação do homem com o homem e não uma relação do homem com o espírito de Deus. Por outras palavras: para que a democracia se salve e regenere é urgente que se busque assentá-la em fundamentos metafísicos e se procure a origem do poder não nos caprichos e disposições individuais,
Só as palavras contam; o resto é tagarelice.
Com Palavras
Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras – inaudíveis – grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar…
Profissão De Fé
Meu verso quero enxuto mas sonoro
levando na cantiga essa alegria
colhida no compasso que decoro
com pés de vento soltos na harmonia.Na dança das palavras me enamoro
prossigo passional na melodia
amante da metáfora em meus poros
já vou vagando em vasta arritmia .No vôo aliterado sigo o rumo
dos mares mais remotos navegados
e em faias de catraias me consumo.É meu rito subscrito e bem firmado
sem o temor do velho e seu resumo
num eterno retorno renovado.
A boa fortuna não somente faz as obras, mas autoriza as palavras.
É esta a minha relação com as palavras. Ao mesmo tempo que as liberto para o mundo, libertam-me do mundo onde não quero estar e levam-me ao céu onde o mundo nada é quando comparado à sensação de eternidade que sinto quando as escrevo.
Intimidade
Que ninguém hoje me diga nada.
Que ninguém venha abrir a minha mágoa,
esta dor sem nome
que eu desconheço donde vem
e o que me diz.
É mágoa.
Talvez seja um começo de amor.
Talvez, de novo, a dor e a euforia de ter vindo ao
[mundo.
Pode ser tudo isso, ou nada disso.
Mas não o afirmo.
As palavras viriam revelar-me tudo.
E eu prefiro esta angústia de não saber de quê.
Perpetuar o Silêncio
Já nada há de inofensivo. As pequenas alegrias, as manifestações da vida que parecem isentas da responsabilidade do pensamento não só têm um momento de obstinada estupidez, de autocegueira insensível, mas entram também imediatamente ao serviço da sua extrema oposição.
Até a árvore que floresce mente no instante em que se percepciona o seu florescer sem a sombra do espanto; até o “como é belo!” inocente se converte em desculpa da afronta da vida, que é diferente, e já não há beleza nem consolação alguma excepto no olhar que, ao virar-se para o horror, o defronta e, na consciência não atenuada da negatividade, afirma a possibilidade do melhor. É aconselhável a desconfiança perante todo o lhano, o espontâneo, em face de todo o deixa-andar que encerre docilidade frente à prepotência do existente.
O malevolente subsentido do conforto que, outrora, se limitava ao brinde da jovialidade, já há muito adquiriu sentimentos mais amistosos. O diálogo ocasional com o homem no combóio, que, para não desembocar em disputa, consente apenas numas quantas frases a cujo respeito se sabe que não terminarão em homicídio, é já um elemento delator; nenhum pensamento é imune à sua comunicação, e basta já expressá-lo num falso lugar e num falso acordo para minar a sua verdade.
Uma Declaração de Amor
Uma declaração de amor não é acontecimento do domínio público, uma baleia que vara na praia sob o sol dos desastres e convoca multidões, desalinhando hábitos quotidianos; uma declaração de amor é um acto de grande intimidade que ergue um véu transparente de onde brotam mel e pássaros azuis. As palavras directas ou indirectas, ditas ou escritas, suscitam a carícia única, irrepetível, a leve percussão que desenha no silêncio a imagem do que se ama. E assim terá de se guardar. Num lugar seguro onde os sismos não possam encontrar o mapa do tesouro.
O Aborrecimento e a Agitação
Uma das características essenciais do aborrecimento consiste no contraste entre as circunstâncias presentes e outras mais agradáveis que exercem uma força irresistível sobre a imaginação. É também essencial que as faculdades do indivíduo não estejam inteiramente ocupadas. Fugir diante de inimigos que pretendem tirar-nos a vida, deve ser desagradável, mas certamente não é aborrecido. Um homem também não se sente aborrecido quando é executado, a não ser que tenha uma coragem quase sobre-humana. Da mesma maneira nunca ninguém bocejou ao pronunciar o seu primeiro discurso na Câmara dos Lordes, salvo o falecido duque de Devonshire, que por isso mesmo se tornou célebre. O aborrecimento é essencialmente um desejo frustrado de aventuras, não necessáriamente agradáveis, mas pelo menos de incidentes que permitam à vítima do tédio distinguir um dia dos outros dias. O oposto do aborrecimento é, numa palavra, não o prazer, mas sim a agitação.
Aprenda: Não gaste belas palavras com quem não vai entendê-las.
A Necessidade do Outro
Os homens sempre tiveram muita necessidade de se amarem uns aos outros. Construíram esse amor como construíram pontes. Foram necessárias abóbadas sonoras para tornar a multidão mais presente para a multidão; e palavras incompreensíveis para que se cantasse com todo o coração; e uma música bem ritmada, para que todos pudessem dizer as mesmas coisas ao mesmo tempo.
(…) Só querer relacionar-se com aqueles que se aprovam em tudo é quimérico, e é o próprio fanatismo.