Passagens sobre Passos

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Frases sobre passos, poemas sobre passos e outras passagens sobre passos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Escrever é Triste

Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, puré de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira.

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Besta Célere

Há quem lhe chame, por brincadeira, besta célere para caracterizar a qualidade mediana (tomada por média) desse produto cultural (agora é tudo cultural!) e, ao mesmo tempo, a rapidez com que ele se esgota em sucessivas edições. O best-seller é um produto perfeita (ou eficazmente) projectado em termos de «marketing» editorial e livreiro. É para se vender – muito e depressa – que o best-seller é construído com os olhos postos num leitor-tipo que vai encontrar nele aquilo que exactamente esperava. Nem mais, nem menos. Os exemplos, abundantíssimos, nem vale a pena enumerá-los. Convém não confundir, pelo menos em todos os casos, best-seller com «topes» de venda. Embora seja cabeça de lista, o best-seller tem, em relação aos livros «normais», uma característica que logo o diferencia: foi feito propositadamente para ser um campeão de vendas. A sua razão de ser é essa e só essa. E aqui poderia dizer-se, recuperando o lugar-comum para um sentido sério, que «o resto é literatura».
Estou a pensar em bestas céleres como Love Story ou O Aeroporto. Não estou a pensar em «topes» de venda como O Nome da Rosa ou Memórias de Adriano. estes últimos são boa, excelente literatura que, por razões pontuais e,

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Somos Pó

Esta nossa chamada vida, não é mais do que um círculo que fazemos de pó a pó: do pó que fomos ao pó que havemos de ser. Uns fazem o círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros mínimo: De utero translatus ad tumulum: Mas ou o caminho seja largo, ou breve, ou brevíssimo; como é círculo de pó a pó sempre e em qualquer parte da vida somos pó. Quem vai circularmente de um ponto para o mesmo ponto, quanto mais se aparta dele, tanto mais se chega para ele: e quem, quanto mais se aparta, mais se chega, não se aparta. O pó que foi nosso princípio, esse mesmo e não outro é o nosso fim, e porque caminhamos circularmente deste pó para este pó, quanto mais parece que nos apartamos dele, tanto mais nos chegamos para ele: o passo que nos aparta, esse mesmo nos chega; o dia que faz a vida, esse mesmo a desfaz; e como esta roda que anda e desanda juntamente, sempre nos vai moendo, sempre somos pó.

A Palavra

…Tudo o que você quiser, sim senhor, mas são as palavras que cantam, que sobem e descem… Prosterno-me diante delas… Amo–as, abraço-as, persigo-as, mordo-as, derreto-as… Amo tanto as palavras… As inesperadas… As que glutonamente se amontoam, se espreitam, até que de súbito caem… Vocábulos amados… Brilham como pedras de cores, saltam como irisados peixes, são espuma, fio, metal, orvalho… Persigo algumas palavras… São tão belas que quero pô-las a todas no meu poema… Agarro-as em voo, quando andam a adejar, e caço-as, limpo-as, descasco-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas… E então revolvo-as, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as, liberto-as… Deixo-as como estalactites no meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas… Tudo está na palavra… Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de lugar, ou porque outra se sentou como um reizinho dentro de uma frase que não a esperava, nas que lhe obedeceu… Elas têm sombra, transparência, peso, penas, pêlos, têm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raízes… São antiquíssimas e recentíssimas… Vivem no féretro escondido e na flor que desponta…

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Passamos e Agitamo-nos Debalde

Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.

Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.

Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.

Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.

Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?

O Machismo Português e as Traições Amorosas

Na gíria portuguesa, os palitos são a versão económica, e mais moderna, dos cornos. Os cornos, à semelhança do que aconteceu com os automóveis e os computadores, tornaram-se demasiado volumosos e pesados para as exigências do homem de hoje. Daí a crescente popularidade dos mais portáteis e menos onerosos palitos. Contudo, visto que se vive presentemente um período de transição, em que os novos palitos ainda se vêem lado a lado com os tradicionais cornos, continuam a existir algumas sobreposições. Uma delas, herdada do antigamente, deve-se ao facto dos palitos não se saldarem numa diminuição proporcional de sofrimento. Ou seja, não dão uma mera dor de palito — dão à mesma, incontrovertivelmente, dor de corno. Não é mais carinhoso, por isso, pôr os «palitos» a alguém — continua a ser exactamente o mesmo que pôr os outros.

Tudo isto vem a propósito da forma atípica, entre os povos latinos, que assume o machismo português. Não se trata do machismo triunfalmente dominador, género «Aqui quem manda sou eu!», do brutamontes que não dá satisfações à mulher. Não — o machismo português, imortalizado pelo fado «Não venhas tarde», é um machismo apologético, todo «desculpa lá ó Mafalda», que alcança os seus objectivos de uma maneira mais eficaz.

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Não gostar de uma coisa, é sinónimo de passar para outra. Isto não me vai dar nada: passo. Não tenho prazer em dizer mal de alguém, de um livro. A minha ideia é fazer alguma coisa com aquilo que é bom.

O Mal dos Povos

O mal dos povos, o mal de nós todos, é só aparecermos à luz do dia no carnaval, seja o propriamente dito, seja a revolução. Talvez a solução se encontrasse numa boa e irremovível palavra-de-ordem: povo que desceu à rua, da rua não sai mais. Porque a luta foi sempre entre duas paciências: a do povo e a do poder. A paciência do povo é infinita, e negativa por não ser mais do que isso, ao passo que a paciência do poder, sendo igualmente infinita, apresenta a «positividade» de saber esperar e preparar os regressos quando o poder, acidentalmente, foi derrotado. Veja-se, para não ir mais longe, o caso recente de Portugal.

De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.

A Génese de um Poema

A maior parte dos escritores, sobretudo os poetas, preferem deixar supor que compõem numa espécie de esplêndido frenesim, de extática intuição; literalmente, gelar-se-iam de terror à ideia de permitir ao público que desse uma espreitadela por detrás da cena para ver os laboriosos e incertos partos do pensamento, os verdadeiros planos compreendidos só no último minuto, os inúmeros balbucios de ideias que não alcançaram a maturidade da plena luz, as imaginações plenamente amadurecidas e, no entanto, rejeitadas pelo desespero de as levar a cabo, as opções e as rejeições longamente ponderadas, as tão difíceis emendas e acrescentas, numa palavra, as rodas e as empenas, as máquinas para mudança de cenário, as escadas e os alçapões, o vermelhão e os postiços que em 99% dos casos constituem os acessórios do histrião literário.
(…) No que a mim diz respeito, não compartilho da repugnância de que falei e nunca senti a mínima dificuldade em rememorar a marcha progressiva de todas as minhas obras. Escolho O Corvo por ser a mais conhecida. Proponho-me demonstrar claramente que nenhum pormenor da sua composição se pode explicar pelo acaso ou pela intuição, que a obra se desenvolveu, a par e passo, até à sua conclusão com a precisão e o rigor lógico de um problema matemático.

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Quem Poderá Calcular a Órbita da sua Própria Alma?

As pessoas cujo desejo é unicamente a auto-realização, nunca sabem para onde se dirigem. Não podem saber. Numa das acepções da palavra, é obviamente necessário, como o oráculo grego afirmava, conhecermo-nos a nós próprios. É a primeira realização do conhecimento. Mas reconhecer que a alma de um homem é incognoscível é a maior proeza da sabedoria. O derradeiro mistério somos nós próprios. Depois de termos pesado o Sol e medido os passos da Lua e delineado minuciosamente os sete céus, estrela a estrela, restamos ainda nós próprios.

Delirio

Não posso crêr na morte do Menino!
E julgo ouvi-lo e vê-lo, a cada passo…
É ele? Não. Sou eu que desatino;
É a minha dôr soffrida, o meu cansaço.

Delirio que me prendes num abraço,
Emendarás a obra do Destino?
Vê-lo-ei sorrir, de novo, no regaço
Da mãe? Verei seu rosto pequenino?

Misterio! Sombra imensa! Alto segredo!
Jamais! jamais! Quem sabe? Tenho mêdo!
Que vejo em mim? A treva? a luz futura?

Ah, que a dôr infinita de o perder
Seja a alegria de o tornar a ver,
Meu Deus, embora noutra creatura!

As Causas

Todas as gerações e os poentes.
Os dias e nenhum foi o primeiro.
A frescura da água na garganta
De Adão. O ordenado Paraíso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inúmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estóicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestígios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bússola incessante. O mar aberto.
O eco do relógio na memória.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.

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Não há Sabedoria sem Esforço

Certos vícios, temos o hábito de atribuí-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo é que, para onde quer que vamos, esses vícios nos acompanham. (…) Para quê iludirmo-nos? O nosso mal não vem do exterior, está dentro de nós, enraizado nas nossas vísceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, só com dificuldade recuperamos a saúde. E mesmo que já tenhamos iniciado o tratamento, quando nos será possível levar de vencida a enorme virulência de tão numerosas enfermidades? Nem sequer solicitamos a presença do médico, quando afinal é mais fácil tratar uma doença ainda no início. Almas ainda frescas e inexperientes obedecem sem tardar a quem lhes indique o justo caminho. Só é difícil reconduzir à via da natureza quem deliberadamente dela se apartou. Parece que temos vergonha de aprender a sabedoria! Pelos deuses, se acharmos que é vergonhoso buscar um mestre, então podemos perder a esperança de obter as vantagens da sabedoria por obra do acaso. A sabedoria só se obtém pelo esforço.
Para dizer a verdade, nem sequer é necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendências cristalizem. Mas mesmo já empedernidas,

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