O Poema em que te Busco é a Minha Rede
O poema em que te busco é a minha rede,
Bem mais de borboletas que de peixes,
E é o copo em que te bebo: morro à sede
Mas ainda és margarida e não-me-deixes
E muito mais, no enumerar das coisas:
Cordão de laço e corda de violino,
Saliva de verdade nalgum beijo,
E poisas
Como ave de aço em pão se não te vejo.
Mas onde mais real do céu me avisas
É nas tuas camisas,
Calças de cor no catre bem dobradas.
E és os meus pensamentos, se te ausentas,
Meu ciúme escuro como vinho em toalha;
E o branco circular das horas lentas
Que um perfurante amor lembrado espalha.
Põe o penso no velo intercrural
Com um atilho vertical:
Rosa coberta esquiva
Quer a mão do desejo, quer
O conhecido cravo da agressão
Que estendo às tuas formas de mulher,
Com esta soma e verbal percaução
De um fónico doutor de Mompilher.
Passagens sobre Pensamentos
1652 resultadosHino à Solidão
Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo
[aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,
— Sonhos puros que nele em beleza revoam
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento.Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra!Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um deus no seu mundo interior.E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,
Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve. . .— mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes..— palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,— que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…— e um dia me acabarei.
Tu Dás-me Objectivos, Direcção e Felicidade
Eu estava à procura na ciência da satisfação que o esforço da pesquisa e o momento da descoberta oferecem; eu nunca fui daquelas pessoas que não aguentam o pensamento de terem desperdiçado a sua vida antes de terem conseguido escrever o seu nome na rocha pelo meio das ondas. Mas quando penso como é que eu seria se não te tivesse encontrado – sem ambição, sem saber desfrutar os pequenos prazeres da vida, sem qualquer fascínio pela magia do ouro, e ao mesmo tempo dotado de uma inteligência moderada e sem quaisquer meios materiais – iria sentir-me muito miserável e entraria em declínio. Tu dás-me não apenas objectivos e direcção, mas também tanta felicidade, que nunca poderia sentir-me insatisfeito com o presente infortunado que vivo neste momento; tu dás-me esperança e a certeza do sucesso. Eu sabia-o mesmo antes de tu me amares e sei-o agora que tu me amas, e é graças a ti que me tornei um homem auto-confiante e corajoso.
Homens de acção, cujos pensamentos estão demasiado absorvidos pelo trabalho quotidiano para verem algo além disso. São essencialmente homens, não podemos passar sem eles, e, no entanto, não devemos permitir que toda a nossa visão seja cerceada pelas limitações de homens de acção.
O Mundo é a Minha Representação
O mundo é a minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstracto e reflectido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra; mas apenas olhos que vêem este sol, mãos que tocam esta terra; numa palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem.
Se existe uma verdade que se possa afirmar à priori é bem esta, pois ela exprime o modo de toda a experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral mesmo que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam. Com efeito, cada um destes conceitos, nos quais reconhecemos formas diversas do princípio de razão, apenas é aplicável a uma ordem determinada de representações; a distinção entre sujeito e objecto é, pelo contrário, o modo comum a todas, o único sob o qual se pode conceber uma qualquer representação, abstracta ou intuitiva, racional ou empírica.
Existe um lugar onde ninguém pode tirar você de mim. Este lugar chama-se Pensamento. E nele, você me pertence!
As Obras e os Mistérios do Amor
Quem ama não sente o amor no seu coração. Vive no coração do amor. O amor que nos oferece os sonhos mais belos e nos faz voar, é o mesmo que nos crava os espinhos mais duros na carne e se faz mar nas nossas lágrimas.
O amor faz o que quer, onde e quando alguém o aceita. Não tem outras mãos ou olhos senão os nossos. A força do amor é aquela de que nós formos capazes. Por isso, amar é, antes de tudo, aceitar.
Há quem entregue a sua vida por amor. Quem se abandone a si mesmo, deixando para trás aquilo que outros julgam ser o seu maior tesouro… A vida é para amar, quem não ama, apenas sobrevive.
Há quem morra por amor. Mas esta vida é apenas um pedaço de outra, maior, que só é vivida pelos que tiverem a coragem imprudente de ser luz e calor na vida de alguém, aceitando-o como é… e como quer ser. Sem o julgar. Respeitando sempre os seus espaços e os seus tempos, o seu passado e o seu futuro. Amar é corrigir e ajudar quem se ama a ser melhor, mas não o obrigando aos nossos pensamentos e sentimentos,
O pensamento correcto é um contra-senso, porque todo o pensamento é incorrecto.
Soneto IV
Sobre mu cuidado triste me desfaço,
Como ó sol neve, como névoa ó vento,
E como cera ao fogo; e assi em vão tento
Quanto cuido e ordeno, e quanto faço.Nele mil vezes mouro e mil renaço,
E ando de pensamento em pensamento
Provando se acharei contentamento
Que me erga das tristezas em que faço.Mas em vão o desejo, em vão o espero!
Que vós, senhora, tendes já tomado
Todo remédio que alegrar-me possa.Mas não me tirareis este cuidado,
Que inda que é triste, é vosso, e assi o quero;
Mas ai, que desta pena a culpa é vossa!
Males, que Contra Mim vos Conjurastes
Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto há-de durar tão duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto já me atormentastes.Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vós, que dela mesma o ser tomastes.E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai já fim a tormento tão comprido.Assim de ambos contente será a sorte:
Em vós por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vós vencido.
O Dia Segue o Curso Itinerante
I
Assim te amei, amada, assim te amei
de amor tão grande e puro que secou
no peito meu o rio que corria
submisso e atento para os braços teus.
Nos ermos vales agora percorro
os gestos esquecidos, densas brumas
do rio que fui, o rio que fomos,
largas águas seguindo o mar da noite.
Assim te amei o amor maior que pude.
E, mais ainda, a minha vida foi
uma desfeita nau vagando a esmo
o mar do tempo, o mar janeiro, o mar
que perdi. E agora, de ti disperso,
nos desertos de mim, sem fim, caminho.II
E vou por outras águas procurando
o manso pouco, o malvo campo onde
apascentar o rebanho de mágoas,
o carro de afectos que mantenho
guardados no denso peito, tangidos
pelo vento no dorso do horizonte.
Largos desertos! abrandai a pena
sem fim que me domina! Alvos lírios,
rosas, boninas, nardos e outras flores!
Vinde ao menos cobrir-me a branda fronte
de púrpura, de orvalho e calmaria.
Eis que me vou por este vasto mar
de afagos e carícias inconstantes,
Não existe o bom ou o mau; é o pensamento que os faz assim.
A genialidade é a capacidade de realizar aquilo que existe no pensamento.
Possuímos em nós mesmos, pelo pensamento e a vontade, um poder de ação que se estende muito além dos limites de nossa esfera corpórea.
O Homem – Um Mecanismo de Relógio
É realmente inacreditável como a vida da maioria dos homens flui de maneira insignificante e fútil, quando vista externamente, e quão apática e sem sentido pode parecer interiormente. As quatro idades da vida que levam à morte são feitas de ânsia e martírio extenuados, além de uma vertigem ilusória, acompanhada por uma série de pensamentos triviais. Assemelham-se ao mecanismo de um relógio, que é colocado em movimento e gira, sem saber por quê. E toda a vez que um homem é gerado e nasce, dá-se novamente corda ao relógio da vida humana, para então repetir a mesma cantilena pela enésima vez, frase por frase, compasso por compasso, com variações insignificantes.
Formatados pela Sociedade
Idealmente, o que deveria ser dito a todas as crianças, repetidamente, ao longo da sua vida escolar, seria algo como isto: «Estás no processo de ser doutrinado. Nós ainda não fomos capazes de desenvolver um sistema de educação que não seja um processo de doutrinação. Lamentamos, mas é o melhor que podemos fazer. O que te estamos a ensinar é uma amálgama dos preconceitos actuais e das escolhas desta cultura em particular. Uma pequena olhada na História vai-te mostrar o quanto estes são temporários. Estás a ser ensinado por pessoas que conseguiram acomodar-se a um regime de pensamento que foi desenhado pelos seus antecessores. É um sistema de auto-perpetuação. Aqueles de vocês que forem mais robustos e individuais que os outros serão encorajados a sair e a encontrar formas de se educarem a si próprios – a educarem os seus próprios julgamentos. Aqueles que ficarem têm que se lembrar, sempre, e para sempre, que estão a ser moldados e modelados para se encaixarem nas necessidades estreitas e particulares desta sociedade».
Tem o povo – mar violento
Por armas – o pensamento,
A verdade por farol
E o homem, vaga que nasce
No oceano popular,
Tem que impelir os espíritos,
Tem uma plaga a buscar.
O Comportamento Simbólico e o Comportamento Inequívoco
Na verdade, encontramos desde as origens da história humana estas duas formas de comportamento, a simbólica e a inequívoca. O ponto de vista do inequívoco é a lei do pensamento e da acção despertos, que domina quer uma conclusão irrefutável da lógica quer o cérebro de um chantagista que pressiona passo a passo a sua vítima, uma lei que resulta das necessidades da vida, às quais sucumbiríamos se não fosse possível dar uma forma inequívoca às coisas. O símbolo, por seu lado, é a articulação de ideias próprias do sonho, é a lógica deslizante da alma, a que corresponde o parentesco das coisas nas intuições da arte e da religião; mas também tudo o que na vida existe de vulgares inclinações e aversões, de concordância e repulsa, de admiração, submissão, liderança, imitação e seus contrários, todas estas relações do homem consigo e com a natureza, que ainda não são puramente objectivas e talvez nunca venham a sê-lo, só podem ser entendidas em termos simbólicos.
Aquilo a que se chama a humanidade superior mais não é, com certeza, do que a tentativa de fundir estas duas metades da vida, a do símbolo e a da verdade, cuidadosamente separadas antes. Mas quando separamos num símbolo tudo aquilo que talvez possa ser verdadeiro do que é apenas espuma,
Enfim, vi as pastoras tão fermosas
Que o Amor de si mesmo se temia;
Mas mais temia o pensamento, falto
De não ser pera ter temor tão alto.