Daí-me, Senhor, a perseverança das ondas do mar que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avança.
Passagens sobre Recuo
19 resultadosO que posso vaticinar-lhe é que a mulher das suas primeiras afeições há-de salvá-lo ou perdê-lo. Há-de fazê-lo recuar à inocência dos seus primeiros anos, ao suave perfume dos seus desejos imaculados, ou, de um lance de olhos, mostrar-lhe todas as torpezas, e, de um só impulso, atirá-lo a todos os abismos.
A Impossibilidade de Renunciar
Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada – prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!… Há na minha vida um bem lamnetável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque – coisa estranha! – sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende.
A Desvantagem da Sabedoria
A sua inteligência estorvava-o. Que podia esperar da sabedoria e das suas cinco propriedades?
Primeiro, ele saberia como tratar os problemas difíceis ligados à conduta humana e ao sentido da vida. Mas isso não era prioritário para ninguém, iam achá-lo desalmado e pôr-lhe toda a espécie de obstáculos pela frente.
Segundo, a sabedoria exprime uma qualidade superior do conhecimento. Antecipa a avaliação das situações, por tudo e nada reanima a atenção dos outros com os seus conselhos. Depressa é tratada como importuna e terá que recuar ao abrigo da frivolidade.
Terceiro, a sabedoria é moderada e vê as coisas em profundidade. É, portanto, inimiga do juízo fácil e das paixões que são requestadas para dar emoção às existências fúteis e cinzentas.
Quarto, a sabedoria é exercida tendo em vista o bem-estar da humanidade. Tem, por isso, mau nome em qualquer publicidade que faz vender produtos de grande lucro, como a guerra, o amor e as máquinas.
Quinto, finalmente: a sabedoria é reconhecida como valor estável pela maioria da população, o que é nocivo para o envolvimento dessa mesma população em qualquer campanha, seja de poder ou de ganho de negócios.
Enfim, ele teria que formar-se e esquecer os seus sonhos de grandeza,
Pronto para Receber a Felicidade
Estava tudo pronto para receber a felicidade,
e tu não vinhas.Amei-te muito antes de te amar. Éramos o que
os amantes eram e nem precisávamos de
corpo para isso, porque o que dizíamos nos
satisfazia, e sempre que a vida acontecia era um
ao outro que tínhamos de falar. Se há coisa que
temo no mundo é o teu fim. Passo horas a sentir-me
indestrutível, a ter a certeza de que nada me
toca, de que nada me poderá doer o suficiente para
me fazer recuar, e depois vens tu. Tu e a tua imagem
a perder de vista, os teus olhos quando me olhas, a
tua boca quando me falas, e é então que percebo
que sou finito, pobre humano, e desato a chorar à
procura do telefone e de uma palavra tua que
me convença de que ainda existes. É na possibilidade
do teu fim que encontro a humildade.Era o dia mais lindo de sempre na terra onde eu estava,
e tu não vinhas.Não se sabe onde acaba o mundo mas eu sei que
a vida acaba no fundo dos teus lábios.
Por muito que se goste de chorar o passado ou preferir o presente, a História demonstra, em traços largos, que o futuro é sempre melhor para a maioria das pessoas. A sensação do dia-a-dia de estar tudo cada vez pior perde sempre quando é comparada com as condições há apenas um século atrás. Nem é preciso recuar no tempo – basta ver a facilidade com que se morre nos países muito mais pobres do que o nosso, que são muito mais do que metade dos que existem. Nos mais pobres, a expectativa média de vida é igual à nossa há dois séculos atrás.
Queima a ponte que acabaste de atravessar. Para quem não pode recuar só resta avançar. Até o rato quando encurralado ataca o gato.
Eu sou contra todas as ditaduras e a favor da liberdade. Sem liberdade política nada se passa, só se entra, a prazo, em decadência. O grave é que pode haver recuos civilizacionais. No passado, como a história nos ensina, já houve muitos.
Náufragos que Navegam Tempestades
As tempestades são sempre períodos longos. Poucas pessoas gostam de falar destes momentos em que a vida se faz fria e anoitece, preferem histórias de praias divertidas às das profundas tragédias de tantos naufrágios que são, afinal, os verdadeiros pilares da nossa existência.
Gente vazia tende a pensar em quem sofre como fraco… quando fracos são os que evitam a qualquer custo mares revoltos, tempestades em que qualquer um se sente minúsculo, mas só os que não prestam o são verdadeiramente. Para a gente de coração pequeno, qualquer dor é grande. Os homens e mulheres que assumem o seu destino sabem que, mais cedo ou mais tarde, morrerão, mas há ainda uma decisão que lhes cabe: desviver a fugir ou morrer sofrendo para diante.
Da morte saímos, para a morte caminhamos. O que por aqui sofremos pode bem ser a forma que temos de nos aproximarmos do coração da verdade.Haverá sempre quem seja mestre de conversas e valente piloto de naus alheias, os que sabem sempre tudo, principalmente o que é (d)a vida do outro, e mais especificamente se estiver a passar um mau bocado. Logo se apressam a dizer que depois da tempestade vem a bonança,
A Embriaguez dos Progressos Técnicos
Parece-me que confundem fim e meio os que se assustam em demasia com os nossos progressos técnicos. Quem luta com a única esperança de recolher bens materiais, efectivamente não recolhe nada que valha a pena viver. A máquina não é um fim, é uma ferramenta como a charrua. Se acreditamos que a máquina destrói o homem, é que talvez careçamos de algum recuo para julgarmos os efeitos de transformações tão rápidas como as que sofremos.
Submissão
1.
no topo desta escada
tem um chefe
que te olha.
na curva desta estrada
tem um dono
que me manda.2.
mais desço quando subo,
a cada passo,
se me movo
para cima e para baixo,
mais volto quando ando,
a cada passo,
para frente e para os lados,
na curva desta estrada,
se me curvo
sem mais nada.3.
no caminho em que caminho
cruzo os braços
a cada passo
e, mudo, avanço
no caminho sem recuo
que me leva
nesta escada,
nesta estrada
a cada curva que me curva
tão curvada.4.
a cada passo,
mais tropeço
se começo
nesta dança
sob o peso
desta canga
que já levo
sobre os ombros;
sobre os ombros
já tão curvos
já tão duros
no silêncio em que me escondo.5.
a cada passo, em cada curva
só te vejo tão curvado,
que dependo da procura procurada
na ida desta volta,
A Multidão Embrutece
Assim que muitos homens se encontram juntos, perdem-se. A multidão transporta as suas unidades do presente para o passado e precipita-as de cima para baixo: trata-se de um recuo e uma decadência.
Todo o homem, lá dentro, converte-se noutro – mas pior. Nas multidões, a união é constituída pelos inferiores e fundada nas partes inferiores de todas as almas. São florestas em que os ramos altos não se entrelaçam, mas apenas, em baixo na escuridão, as raízes terrosas. Todos perdem o que os torna diferentes e melhores, enquanto o antigo rústico – que, entre obstáculos, mordaças e açaimos, parecia aniquilado – acorda e muge. Em todas as multidões, como em toda a Humanidade, os medíocres são infinitamente mais que os grandes, os calmos que os violentos, os simples que os profundos, os primitivos que os civilizados, e é a maioria que cria a alma comum que imbrica e nivela todo o agrupamento de homens.
Aquele que em cada um forma o seu superior não pode conformar-se e fundir-se – é a pessoa única e, portanto, incomunicável. Toda a pessoa se opõe às outras, existe enquanto é diferente, não se pode liquefazer num todo. Mas há em cada um de nós,
Imprevidência
Vamos seguindo assim, desprevenidamente
a brincar com o Destino… e a pensar que brincamos…
quando, na realidade, ele brinca com a gente,
e trama qualquer coisa que não suspeitamos…Julgamos dominá-lo… e, que somos ? – dois ramos
arrastado por ele ao sabor da corrente…
Bem que percebemos quando nos amamos
mas teimamos, seguindo assim, inutilmente…Prolongamos em vão um traiçoeiro dilema:
– ou tu te entregarás um dia, com ternura,
ou teremos criado um eterno problema…Fora disto, há o recuo, bem sei… Mas assim
– tua vida há de ser um remorso sem cura!
– minha vida há de ser uma angústia sem fim!
Nos Extremos é que Está a Sabedoria
Pode-se dizer que, muito plausivelmente, há uma ignorância abecedária que precede o saber e uma outra, doutoral, que se lhe segue, ignorância esta que o saber produz e engendra da mesma maneira que desfaz e destrói aqueloutra. Dos espíritos simples, menos curiosos e menos instruídos, fazem-se bons cristãos, que, por reverência e obediência, com simplicidade, crêem e mantêm-se submissos às leis. É nos espíritos de vigor e capacidade médios que se engendram as opiniões erróneas, pois eles seguem a aparência das suas primeiras impressões e têm pretextos para interpretar como simpleza e estultícia o nosso apego aos antigos usos, considerando que nós aí não chegámos por via do estudo dessas matérias.
Os grandes espíritos, mais avisados e clarividentes, constituem um outro género de bons crentes: por meio de uma aturada e escrupulosa investigação, penetram nas Escrituras até atingir uma luz mais profunda e abstrusa, e entendem o misterioso e divino segredo da nossa política eclesiástica. Vemos, porém, alguns, com maravilhoso proveito e com consolidação da sua fé, chegarem, através do segundo, a este último nível, como o extremo limite da inteligência cristã, e rejubilar na sua vitória com refrigério, acções de graças, reformas dos costumes e grande modéstia. Não entendo nesta categoria situar aqueloutros que,
Acima de tudo, nunca tenha medo. O inimigo quer forçá-lo ao recuo, e tem exatamente neste momento medo de você.
A verdade és tu. O que mais que se segue já não interessa à conversa. Excepto para demonstrares essa verdade, em movimento de recuo.
Jogo
Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.
Conhecer-se a Si Próprio
Conhece-te a ti próprio – eis o que é difícil. Ainda posso conhecer os outros, mas a mim mesmo não consigo conhecer-me. Um fio – instintos e um fantasma… Dos outros faço ideia mais ou menos aproximada, de mim não faço ideia nenhuma.
Há uma disparidade entre mim e mim. Há em mim o homem correcto, o homem igual a todos os homens – e o homem que lá dentro sonha, grita e é capaz, por insignificâncias, de imaginar um terramoto ou de desejar uma catástrofe. O que eu me tenho desfeito dos meus inimigos – o que é razoável – mas dos meus amigos que me fazem sombra!…
O meu verdadeiro ser não é aquele que compus, recalcando lá para o fundo os instintos e as paixões; o meu verdadeiro ser é uma árvore desgrenhada – é o fantasma que nos momentos de exaltação me leva a rasto para actos que reprovo. Só a custo o contenho. Parece que está morto, e está mais vivo que o histrião que represento. Asseguro este simulcaro até à cova com os hábitos de compressão que adquiri. Não sei se a maior parte dos homens é assim – eu sou assim: sou um fantasma desesperado.
Quando me entrego, me atiro. Mas quando recuo, não volto mais.