O Absoluto do Ser
– Deus não é bom?
– Não, para falar com propriedade, Deus não é bom: é. Bom, mau, são pobres palavras que se aplicam a um conjunto de regras respeitantes a alguns pormenores da nossa vida material. Porque é que Deus seria limitado pelas nossas pobres palavras e valores? Não, Deus não é bom. É mais do que isso. É a forma mais rica, mais completa, mais poderosa do ser, de qualquer maneira. Torna concreta a abstracção mesmo da forma do ser. E penso que o «envisagement» do ser não podia ser possível se Deus não lhe tivesse dado anteriormente o seu estado. Deus é a criação. É pois um princípio inextinguível, não orientado, a própria vida. Lembrem-se das palavras: «Eu sou Aquele que sou». Nenhuma outra palavra humana compreendeu e relatou melhor a forma divina. Intemporal, não, nem sequer intemporal e infinita. O princípio. O facto de que há qualquer coisa no lugar onde não havia nada.
– Mas então, Deus não tem necessidade…
– E até mesmo para lá de toda a expressão. Se quiser, eu sou Deus. Não há dúvida a sustentar, pergunta a fazer. Você existe. Portanto é Deus. Você não pode existir de outro modo.
Textos sobre Espécies
295 resultadosA Indiferença ou a Paixão pelos Outros
O que é mais proveitoso — perguntava eu — representar o mundo como pequeno ou como grande? Vejamos como eu resolvia o assunto: os homens eminentes, os capitães famosos, os estadistas competentes, em suma, todos os conquistadores e todos os chefes que se elevam pela violência acima dos outros homens, devem ser feitos de tal maneira que o Mundo lhes deve parecer como um tabuleiro de damas. Se assim não fosse, eles não teriam a rudeza e a impassibilidade necessárias para subordinarem audaciosamente aos seus imprevisíveis planos a felicidade e os sofrimentos dos indivíduos isolados, sem se importarem nada com isso. Em contrapartida, uma tão limitada concepção pode levar os homens a não realizarem coisa alguma, porque todo aquele que considera a humanidade como uma coisa sem importância acabará por a achar insignificante e por soçobrar na indiferença e na passividade. Desdenhoso de tudo, preferirá a inércia à acção sobre os espíritos, sem contar que a sua insensibilidade, a sua ausência de simpatia e a sua letargia chocarão toda a gente, ofendendo constantemente um mundo imbuído do seu próprio valor. Assim se lhe fecharão todas as vias de um sucesso imprevisto. Será mais razoável — perguntava eu, então — ver na humanidade qualquer coisa de grande,
A Adulação na Amizade
Pois que é próprio da verdadeira amizade dar e receber conselhos, dá-los com franqueza e sem azedume, recebê-los com paciência e sem repugnância, persuadamo-nos bem de que não ha defeito maior na amizade que a lisonja, a adulação, as baixas complacências. Com efeito, não se poderia dar bastantes nomes ao vício desses homens frívolos e enganadores, que falam sempre para agradar, e jamais para dizer a verdade.
A dissimulação é funesta em todas as coisas (pois corrompe e altera em nós o sentimento da verdade) mas é, sobretudo, contrária à amizade. Destrói a sinceridade, sem a qual não subsiste mesmo o próprio nome da amizade. Se a força da amizade consiste em fazer de várias almas uma só, como seria assim, se em cada homem a alma não é a mesma, não é constante, mas variável, mutável, tomando mil formas? De facto, que há de mais mutável, de mais versátil que a alma daquele que se transforma não apenas segundo o sentimento e a vontade dum outro, mas a um pequeno sinal deste, a um mínimo gesto seu? «Ele diz não? Eu digo não; ele diz sim? eu digo sim: numa palavra, eu me impus a obrigação de tudo aplaudir»,
A Sabedoria é a Nossa Salvação
A nossa cultura é hoje muito superficial, e os nossos conhecimentos são muito perigosos, já que a nossa riqueza em mecânica contrasta com a pobreza de propósitos. O equilíbrio de espírito que hauríamos outrora na fé ardente, já se foi: depois que a ciência destruiu as bases sobrenaturais da moralidade o mundo inteiro parece consumir-se num desordenado individualismo, reflector da caótica fragmentação do nosso carácter.
Novamente somos defrontados pelo problema atormentador de Sócrates: como encontrar uma ética natural que substitua as sanções sobrenaturais já sem influência sobre a conduta do homem? Sem filosofia, sem esta visão de conjunto que unifica os propósitos e estabelece a hierarquia dos desejos, malbaratamos a nossa herança social em corrupção cínica de um lado e em loucuras revolucionárias de outro; abandonamos num momento o nosso idealismo pacífico para mergulharmos nos suicídos em massa da guerra; vemos surgir cem mil políticos e nem um só estadista; movemo-nos sobre a terra com velocidades nunca antes alcançadas mas não sabemos oara onde vamos, nem se no fim da viagem alcançaremos qualquer espécie de felicidade.
Os nossos conhecimentos destroem-nos. Embebedem-nos com o poder que nos dão. A única salvação está na sabedoria.
Um Único Poema
Quando olho para esse livro («Poesia Toda»), vejo que não fabriquei ou instruí ou afeiçoei objectos — estas palavras não supõem o mesmo modo de fazer—, vejo que escrevi apenas um poema, um poema em poemas; durante a vida inteira brandi em todas as direcções o mesmo aparelho, a mesma arma furiosa. Fui um inocente, porque só se consegue isso com inocência. E se a inocência é uma condição insubstituível de escândalo, uma transparente e mobilizadora familiaridade com a terra, constitui também um revés: pois há uma altura em que se sabe: as coisas ludibriaram-nos, ludibriámo-nos nas coisas; a inocência deveria ter-nos oferecido uma vida estupenda, um tumulto: o ar em torno proporcionado como pura levitação; ver, tocar; os mais simples actos e factos próximos como instantâneo e completo conhecimento. Era assim, foi assim, mas a dor, as vozes demoníacas, o abismo junto à dança, a noite que se vai insinuando a toda a altura e largura da luz, tudo Isso invade a inocência — e então já não sabemos nada, por exemplo: será inocente a nossa inocência? A inocência é um estado clandestino na ditadura do mundo; tem se der astuta, tem de recorrer a todas as torpezas para lutar e escapar,
Sem Poesia Não Há Humanidade
Sem Poesia não há Humanidade. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma. A intuição poética ou orfaica antecede, como fonte original, o conhecimento euclidiano ou científico. E nos dá o sentido mais perfeito e harmónico da vida. Aperfeiçoando o ser humano, afasta-o do antropóide e aproxima-o dos antropos. Que a mocidade actual, obcecada pela bola e pelo cinema, reduzida quase a uma fotografia peculiar e uma espécie de máquina de fazer pontapés, despreza o seu aperfeiçoamento moral; e, com o seu fato de macaco, prefere regressar à Selva a regressar ao Paraíso. E assim, igualando-se aos bichos, mente ao seu destino, que é ser o coração e a consciência do Universo: o sagrado coração e o santo espírito. Eis o destino do homem, desde que se tornou consciente. E tornou-se consciente, porque tal acontecimento estava contido nas possibilidades da Natureza. Sim, a nossa consciência é a própria Natureza numa autocontemplação maravilhosa. Ou é o próprio Criador numa visão da sua obra, através do homem. E, vendo-a, desejou corrigi-la, transfigurando-se em Redentor.
Fugir ao Desconhecido
Existe, frequentemente, em suma, uma espécie de humildade receosa, que, quando nos aflige, nos torna para sempre impróprios para as disciplinas do conhecimento. Porque, no momento em que o homem que a transporta descobre uma coisa que o choca, dá meia volta seja como for, e diz consigo: «Enganaste-te! Onde é que tinhas a cabeça? Isso não pode ser verdade!». De forma que em vez de examinar mais de perto e de ouvir com mais atenção, desata a fugir completamente aterrado, evita encontrar aquilo que o choca e procura esquecê-lo o mais depressa possível. Porque eis o que diz a sua lei: «Não quero dizer nada que contradiga a opinião corrente. Serei eu feito para descobrir novas verdades? Já há demasiadas antigas».
O Amor pelo Outro
Os filósofos e os próprios teólogos distinguem duas espécies de amor, a saber, o amor que chamam de concupiscência, que não passa do desejo ou do sentimento que se tem por aquilo que nos dá prazer, sem que nos interessemos se ele está a receber amor; e o amor de benevolência, que é o sentimento que se tem por aquele que, pelo seu prazer e sua felicidade, nos dá amor. O primeiro faz-nos visar o nosso prazer, e o segundo, o prazer do outro, mas como se fizesse, ou melhor, constituindo o nosso; pois, se não tornasse a cair sobre nós de alguma maneira, não poderíamos por ele nos interessar, porque é impossível, seja o que for que digam, nos desapegarmos do nosso próprio bem.
As Três Espécies de Portugueses
Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.
Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas,
Amo-te, Portugal
Portugal,
Estou há que séculos para te escrever. A primeira vez que dei por ti foi quando dei pela tua falta. Tinha 19 anos e estava na Inglaterra. De repente, deixei de me sentir um homem do mundo e percebi, com tristeza, que era apenas mais um dos teus desesperados pretendentes.
Apaixonaste-me sem que eu desse por isso. Deve ter sido durante os meus primeiros 18 anos de vida, quando estava em Portugal e só queria sair de ti. Insinuaste-te. Não fui eu que te escolhi. Quando descobri que te amava, já era tarde de mais.
Eu não queria ficar preso a ti; queria correr mundo. Passei a querer correr para ti – e foi para ti que corri, mal pude.
Teria preferido chegar à conclusão que te amava por uma lenta acumulação de razões, emoções e vantagens. Mas foi ao contrário. Apaixonei-me de um dia para o outro, sem qualquer espécie de aviso, e desde esse dia, que remédio, lá fui acumulando, lentamente, as razões por que te amo, retirando-as uma a uma dentre todas as outras razões, para não te amar, ou não querer saber de ti.
Custou-me justificar o meu amor por ti.
O Terror como Base da Religião
É verdade que tanto o medo como a esperança entram na religião, porque estas duas paixões, em alturas diferentes, agitam a mente humana e cada uma delas forma uma espécie de divindade que lhe é adequada. Mas, quando um homem se sente bem, ele está inclinado para os negócios, para o convívio ou para qualquer espécie de divertimento, e dedica-se naturalmente a essas actividades e não pensa em religião. Quando está melancólico e abatido, tudo o que para fazer é meditar sobre os terrores do mundo invisível, e mergulhar mais profundamente ainda na aflição. Pode realmente acontecer que, após ter assim gravado profundamente as opiniões religiosas no seu pensamento e imaginação, ocorra uma alteração da saúde ou das circunstâncias que restaure o seu bom humor e, ocasionando boas perspectivas de futuro, o faça cair no extremo oposto da alegria e triunfo. Mas, ainda assim deve reconhecer-se que, como o terror é o princípio primordial da religião, é essa a paixão que predomina nela e que só admite pequenos intervalos de prazer.
Histórias de Mulheres
As minhas histórias são, naturalmente, sobre mulheres – eu sou uma mulher. Não sei qual é o termo que se usa para os homens que escrevem maioritariamente sobre homens. Não tenho sempre certeza do que se quer dizer com «feminista». Ao princípio costumava dizer, bem, claro que sou uma feminista. Mas se tal significa que sigo uma espécie de teoria feminista, ou que sei alguma coisa sobre isso, então eu não sou. Penso que sou uma feminista tanto quanto penso que a experiência das mulheres é importante. Essa é realmente a base do feminismo.
O Esforço pelo Conhecimento da Verdade
Devemos escolher como finalidade independente do nosso esforço o conhecimento da verdade ou, exprimindo-nos mais modestamente, a compreensão do mundo inteligível por meio do pensamento lógico? Ou devemos subordinar esse esforço pelo conhecimento racional de qualquer espécie a outros objectivos, por exemplo, a objectivos práticos? O simples pensamento não pode resolver esta questão. A decisão tem, pelo contrário, uma influência decisiva na nossa maneira de pensar e julgar, partindo-se do princípio de que tem o carácter de convicção inabalável. Permitam-me que confesse: para mim, o esforço pelo conhecimento é um daqueles objectivos independentes, sem os quais uma afirmação consciente da vida me parece impossível ao homem de pensamento.
Uma das características do esforço pelo conhecimento é que ele tende a abranger tanto a multiplicidade da experiência como a simplicidade e redução das hipóteses fundamentais. O acordo final desses objectivos é, devido ao estádio primitivo da investigação, uma questão de fé. Sem essa fé, a convicção do valor independente do conhecimento não seria para mim forte e inabalável.
Esta atitude, por assim dizer, religiosa do cientista perante a verdade não deixa de ter influência sobre a sua personalidade. Pois, além daquilo que resulta da experiência e além das leis do pensamento,
Fui um Leitor Apaixonado
Eu fui um leitor apaixonado. Não havia livros em minha casa, mas costumava ler bastante nas biblioteca públicas, especialmente à noite. Lia indiscriminadamente. Lembro-me de ler a tradução do «Paraíso Perdido» quando tinha 16 anos. Não havia ninguém que me dissesse o que experimentar a seguir. Por isso tive uma educação literária anárquica cheia de lacunas, mas com o tempo consegui organizar uma espécie de visão coerente da literatura, acima de tudo da literatura francesa.
A Quimera da Felicidade
(…) do alto de uma montanha, inclinei os olhos a uma das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma cousa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das cousas. Tal era o espectáculo, acerbo e curioso espectáculo. A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade que não lhe podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, – flagelos e delícias, – desde essa cousa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba,
A Racionalidade Irracional
Eu digo muitas vezes que o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o instinto serve melhor os animais porque é conservador, defende a vida. Se um animal come outro, come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas de lutas terríveis entre animais, o leão que persegue a gazela e que a morde e que a mata e que a devora, parece que o nosso coração sensível dirá «que coisa tão cruel». Não: quem se comporta com crueldade é o homem, não é o animal, aquilo não é crueldade; o animal não tortura, é o homem que tortura. Então o que eu critico é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão disciplinadora, organizadora, mantenedora da vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que o ser humano se corrompe, com que se torna maligno.
Aquela ideia que temos da esperança nas crianças, nos meninos e nas meninas pequenas, a ideia de que são seres aparentemente maravilhosos, de olhares puros, relativamente a essa ideia eu digo: pois sim, é tudo muito bonito, são de facto muito simpáticos,
A Perfeita Liberdade de Espírito
Um espírito que toma consciência da discordância que sempre existe entre o que afirma e o que é verdadeiramente não pode mais desfazer-se de uma espécie de dúvida filosófica. Somos livres na medida em que conservamos um pensamento de fundo. Em todos os casos, a perfeita liberdade de espírito consiste num acto pelo qual ele compreende a absoluta impossibilidade em que está de encontrar a certeza na experiência.
Humanismo e Liberalismo
O termo humanismo é infelizmente uma palavra que serve para designar as correntes filosóficas, não somente em dois sentidos, mas em três, quatro, cinco ou seis. Toda a gente é humanista na hora que passa, até mesmo certos marxistas que se descobrem racionalistas clássicos, são humanistas num enfadonho sentido, derivado das ideias liberais do último século, o dum liberalismo refractado através de toda a crise actual. Se os marxistas podem pretender ser humanistas, as diferentes religiões, os cristãos, os hindus, e muitos outros afirmam-se também antes de mais humanistas, como por sua vez o existencialista, e de um modo geral, todas as filosofias. Actualmente muitas correntes políticas se reivindicam igualmente um humanismo. Tudo isso converge para uma espécie de tentativa de restabelecimento duma filosofia que, apesar da sua pretensão, recusa no fundo comprometer-se, e recusa comprometer-se, não somente no ponto de vista político e social, mas também num sentido filosófico profundo.
Se o cristianismo se pretende antes de tudo humanista, é porque ele não pode comprometer-se, quer dizer participar na luta das forças progressivas, porque se mantém em posições reaccionárias frente a esta revolução. Quando os pseudomarxistas ou os liberais se reclamam da pessoa antes do mais, é porque eles recuam diante das exigências da situação presente no mundo.
A História da Humanidade é um Desastre Contínuo
A história da humanidade é um desastre contínuo. Nunca houve nada que se parecesse com um momento de paz. Se ainda fosse só a guerra, em que as pessoas se enfrentam ou são obrigadas a se enfrentar… Mas não é só isso. Esta raiva que no fundo há em mim, uma espécie de raiva às vezes incontida, é porque nós não merecemos a vida. Não se percebeu ainda que o instinto serve melhor aos animais do que a razão serve ao homem. O animal, para se alimentar, tem que matar outro animal. Mas nós não, matamos por prazer, por gosto.
. Paulo (2008)’
A Dualidade do Simbolismo
Um símbolo contém uma verdade e uma inverdade, indestrinçáveis para o sentimento. Se o tomarmos tal como é e o configurarmos através dos sentidos e à imagem da realidade, nascem daí o sonho e a arte; mas entre estes e a vida real e plena ergue-se uma parede de vidro. Se o apreendermos com a razão e separarmos o que não coincide do que coincide perfeitamente, nascem daí a verdade e o conhecimento, mas arruinamos o sentimento. À semelhança daquelas estirpes de bactérias que dividem em duas partes a matéria orgânica, a espécie humana fragmenta em duas a condição vital primordial do símbolo: a matéria sólida da realidade e da verdade, e a atmosfera vítrea da intuição, da fé e do artefacto. Parece não haver uma terceira possibilidade; mas quantas vezes algo de incerto acaba por ser desejado, se não metermos muito a reflexão no caso!