Valem Mais as Vidas do que os Livros
Defende Cleantes a opinião de que em nada nos interessam as ideias dos homens e que acima de tudo devemos pôr o seu carácter, a honestidade e a firmeza, a independência e a lisura do seu procedimento. Se de política tratamos, Cleantes, que, por definição, é honesto, sentir-se-á muito bem representado ou muito bem governado não por aquele que, incluindo nos seus programas de eleição ou nas suas declarações ideias que perfeitamente se harmonizam com as dele, depois aparece apenas como um membro de toda a raça infinita dos que sobem por fora, mas por aquele que, tendo-o porventua irritado com a sua maneira de pensar, em seguida vem habitar a ilha minúscula dos que sobem por dentro. Se de dois candidatos que se apresentam, um está no partido contrário ao nosso mas é um honesto, seguro cidadão, e o outro se proclama correligionário, mas nos deixa dúvidas sobre a integridade moral, diz Cleantes que ninguém deve hesitar: o nosso voto deve ir para o que dá garantias de uma fiscalização séria dos negócios e não deixará que se maltrate a Justiça. Sobretudo se formos moralistas, isto é, se acreditarmos que o mundo se salvará pela moral; e, como cumpre a moralistas,
Textos sobre Livros
232 resultadosO Cortejo Ingénuo dos Nossos Sonhos
Não desenhamos uma imagem ilusória de nós próprios, mas inúmeras imagens, das quais muitas são apenas esboços, e que o espírito repele com embaraço, mesmo quando porventura haja colaborado, ele próprio, na sua formação. Qualquer livro, qualquer conversa podem fazê-las surgir; renovadas por cada paixão nova, mudam com os nossos mais recentes prazeres e os nossos últimos desgostos. São, contudo, bastante fortes para deixarem, em nós, lembranças secretas que crescem até formarem um dos elementos mais importantes da nossa vida: a consciência que temos de nós mesmos tão velada, tão oposta a toda a razão, que o próprio esforço do espírito para a captar a faz anular-se.
Nada de definido, nem que nos permita definir-nos; uma espécie de potência latente… como se houvesse apenas faltado a ocasião para cumprirmos no mundo real os gestos dos nossos sonhos, conservamos a impressão confusa, não de os ter realizado, mas de termos sido capazes de os realizar. Sentimos esta potência em nós como o atleta conhece a sua força sem pensar nela. Actores miseráveis que já não querem deixar os seus papéis gloriosos, somos, para nós mesmos, seres nos quais dorme, amalgamado, o cortejo ingénuo das possibilidades das nossas acções e dos nossos sonhos.
O Paradoxo da Leitura
O sábio lê livros, mas lê também a vida. O universo é um grande livro e a vida é uma grande escola.
(…) Quanto mais leio mais ignorante fico. A escolha que hoje se depara a qualquer homem educado é entre a inocência que não lê e a ignorância que lê muito.
(…) É possível sustentar com alguma aparência de exactidão que a imprensa de hoje mata a leitura e a leitura mata o pensamento.
O Saber Ajuda em Todas as Actividades
O mero filósofo é geralmente uma personalidade pouco admissível no mundo, pois supõe-se que ele em nada contribui para o benefício ou para o prazer da sociedade, porquanto vive distante de toda comunicação com os homens e envolto em princípios e noções igualmente distantes de sua compreensão. Por outro lado, o mero ignorante é ainda mais desprezado, pois não há sinal mais seguro de um espírito grosseiro, numa época e uma nação em que as ciências florescem, do que permanecer inteiramente destituído de toda espécie de gosto por estes nobres entretenimentos. Supõe-se que o carácter mais perfeito se encontra entre estes dois extremos: conserva igual capacidade e gosto para os livros, para a sociedade e para os negócios; mantém na conversação discernimento e delicadeza que nascem da cultura literária; nos negócios, a probidade e a exatidão que resultam naturalmente de uma filosofia conveniente. Para difundir e cultivar um carácter tão aperfeiçoado, nada pode ser mais útil do que as composições de estilo e modalidade fáceis, que não se afastam em demasia da vida, que não requerem, para ser compreendidas, profunda aplicação ou retraimento e que devolvem o estudante para o meio de homens plenos de nobres sentimentos e de sábios preceitos,
A História da Humanidade em Três Palavras
Felipe lembrou-se da história do Rei do Oriente que, desejando conhecer a história da humanidade, recebeu de um sábio quinhentos volumes; ocupado com negócios de Estado, pediu-lhe que a condensasse. Ao cabo de vinte anos, o sábio voltou e a sua história ocupava agora apenas cinquenta volumes; mas o rei, já velho demais para ler tantos livros volumosos, pediu-lhe que a fosse abreviar mais uma vez. Passaram-se de novo vinte anos, e o sábio, velho e encanecido, trouxe um único volume com os conhecimentos que o rei procurara; este, porém, estava deitado no seu leito de morte, nem tinha mais tempo de ler sequer aquilo. Aí o sábio deu-lhe a história da humanidade numa única linha: “Nasceram, sofreram, morreram”.
Leitor e Autor, num Mundo á Parte
Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objectivo para viver noutro mundo. A janela iluminada noite adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro da vida subjectiva. Árvores ramalham. De vez em quando passam passos. Lá no alto estrelas teimosas namoram inutilmente a janela iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da lãmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade vegetativa do seu corpo, está suspenso no ponto ideal de uma outra dimensão, além do tempo e do espaço. No tapete voador só há lugar para dois passageiros: leitor e autor.
O Amor é um Acidente, uma Renúncia, um Hábito, uma Maldição
O amor é um acidente.
Eu estava sentada no regaço de uma mulher de cobre, uma escultura de Henry Moore, e Bill debruçou-se sobre mim e beijou-me nos lábios. E de repente eu amava-o. Amava-o e só isso importava. Reparei nas mãos dele, mãos de pianista. Mãos preparadas para o amor. Ainda hoje gosto de lhe ver as mãos enquanto folheia um livro, enquanto lê um jornal. As mãos dele envelheceram, envelheceram a apertar outras mãos, milhares de outras mãos, a jogar golfe, a assinar autógrafos e documentos importantes. Envelheceram, sim, mas continuam belas. Continuam a excitar-me.
O amor é uma renúncia. Amar alguém é desistir de amar outros, é desistir por esse amor do amor de outros. Eu desisti de tudo. A partir desse dia dei-lhe todos os meus dias. Entreguei-lhe os meus sonhos, os meus segredos, as minhas convicções mais profundas. Não me queixo!
Não sou ingénua nem estúpida. Quando digo que o amor é uma renúncia, quero dizer que foi assim para mim. Para Bill foi sempre uma outra coisa. Eu sabia que ele reparava noutras mulheres, e que outras mulheres reparavam nele. Um homem feio, com poder, é quase bonito. Um homem bonito,
Aprender a Ler
Tive muita dificuldade em aprender a ler. Não me parecia lógico que a letra «m» se chamasse «éme» e, no entanto, com a vogal seguinte não se dissesse «éme» e sim «ma». Era-me impossível ler assim. Por fim, quando cheguei ao Montessori, a professora não me ensinou os nomes mas sim os sons das consoantes. Assim pude ler o primeiro livro que encontrei numa arca poeirenta da arrecadação da casa. Estava descosido e incompleto, mas absorveu-me de uma forma tão intensa que o namorado da Sara, ao passar, deixou cair uma premonição aterradora: «Caramba!, este menino vai ser escritor».
Dito por ele, que vivia de escrever, causou-me uma grande impressão. Passaram vários anos antes de saber que o livro era «As Mil e Uma Noites». O conto de que mais gostei – um dos mais curtos e o mais simples que li — continuou a parecer-me o melhor para o resto da minha vida, embora agora não esteja seguro de que fosse lá que o li nem ninguém me tenha podido esclarecer. O conto é este: um pescador prometeu a uma vizinha oferecer-lhe o primeiro peixe que pescasse se ela lhe emprestasse um chumbo para a sua rede e,
Educação para a Independência do Pensamento
Não basta preparar o homem para o domínio de uma especialidade qualquer. Passará a ser então uma espécie de máquina utilizável, mas não uma personalidade perfeita. O que importa é que venha a ter um sentido atento para o que for digno de esforço, e que for belo e moralmente bom. De contrário, virá a parecer-se mais com um cão amestrado do que com um ser harmonicamente desenvolvido, pois só tem os conhecimentos da sua especialização. Deve aprender a compreender os motivos dos homens, as suas ilusões e as suas paixões, para tomar uma atitude perante cada um dos seus semelhantes e perante a comunidade.
Estes valores são transmitidos à jovem geração pelo contacto pessoal com os professores, e não — ou pelos menos não primordialmente — pelos livros de ensino. São os professores, antes de mais nada, que desenvolvem e conservam a cultura. São ainda esses valores que tenho em mente, quando recomendo, como algo de importante, as «humanidades» e não o mero tecnicismo árido, no campo histórico e filosófico.
A importância dada ao sistema de competição e a especialização precoce, sob pretexto da utilidade imediata, é o que mata o espírito de que depende toda a actividade cultural e até mesmo o próprio florescimento das ciências de especialização.
A Casa do Escritor
O escritor organiza-se no seu texto como em sua casa. Comporta-se nos seus pensamentos como faz com os seus papéis, livros, lápis, tapetes, que leva de um quarto para o outro, produzindo uma certa desrodem. Para ele, tornam-se peças de mobiliário em que se acomoda, com gosto ou desprazer. Acaricia-os com delicadeza, serve-se deles, revira-os, muda-os de sítio, desfá-los. Quem já não tem nenhuma pátria, encontra no escrever a sua habitação. E aí produz, como outrora a família, desperdícios e lixo.
Mas já não dispõe de desvão e é-lhe muitíssimo difícil livrar-se da escória. Por isso, ao tirá-la da sua frente, corre o risco de acabar por encher com ela as suas páginas. A exigência de resistir à auto-compaixão inclui a exigência técnica de defrontar com extrema atenção o relaxamento da tensão intelectual e de eliminar tudo quanto tenda a fixar-se como uma crosta no trabalho, tudo o que decorre no vazio, o que talvez suscitasse, num estádio anterior, como palavriado, a calorosa atmosfera em que emerge, mas agora permanece bafiento e insípido. Por fim, já nem sequer é permitido ao escritor habitar nos seus escritos.
Ler para Brilhar
Para uma pessoa que leia um livro com o fim de saber, gozar e aproveitar o que ele diz, há vinte que só lêem para dizer que o leram e poder brilhar fazendo citações dele.
O Tipo de Homem que Eu Sou
Agora é necessário que eu deva dizer que tipo de homem sou. O meu nome não importa, nem qualquer outro pormenor exterior particular acerca de mim. Do meu carácter alguma coisa deve ser dita.
Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim, todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, uma incerteza para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo é significado. Todas as coisas são «desconhecidos» simbólicos do Desconhecido. Consequentemente horror, mistério, medo supra-inteligente.
Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo enquadramento da minha juventude, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isso eu sou das espécies internas de caráter, auto-centrado, mudo, não auto-suficiente mas auto-perdido. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror de, na incapacidade que permeia tudo o que me é, fisicamente e mentalmente, por actos decisivos, por pensamentos definidos. Eu nunca tive uma resolução nascida de uma auto-determinação, nunca uma traição externa de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi terminado;
As Personagens dos Meus Livros
Claro que vivo com as personagens dos meus livros, embora as não conheça. Nenhuma delas se encaixa, inteiramente, em pessoas que conheci. É verdade que, numa ou noutra pessoa que tenha conhecido, colhi e observei coisas naturalmente reflectidas em personagens do livro. Mas tal não acontece imediatamente, quer dizer, não as torna identificáveis com as pessoas que andam por aí. Quem afirmar o contrário dá-me uma grande novidade. E se alguém se reconhece nelas tenho de atribuir tal facto a um exacerbado narcisismo, que me dá vontade de rir. Não, não sou contra nem a favor dos narcisistas. Só que me parece que o narcisismo não leva a grandes consequências…
As Virtudes da Cidade
Amo o ruído e a constante agitação das grandes cidades. O movimento contínuo obriga à observação dos costumes. O ladrão, por exemplo, ao ver toda a actividade humana, pensa involuntariamente que é um patife, e esta imagem alegre em movimento pode vir a melhorar a sua natureza decadente e arruinada. O boémio sente-se talvez mais modesto e pensativo quando vê todas as forças produtivas, e o devasso diz possivelmente a si mesmo, quando lhe salta aos olhos a docilidade das massas, que não é mais do que um sujeito miserável, estúpido e vaidoso, que só sabe ufanar-se com soberba. As grandes cidades ensinam, educam, e não com doutrinas roubadas aos livros. Não há aqui nada de académico, o que é lisonjeiro, pois o saber acumulado rouba-nos a coragem.
E depois há aqui tanto que incentiva, que sustenta e ajuda. Quase não conseguimos dizê-lo. É tão difícil dar uma expressão viva ao que é refinado e bom. Agradecemos as nossas vidas modestas, sentimo-nos sempre um pouco gratos quando somos empurrados, quando temos pressa. Quem tem tempo para esbanjar não sabe o que o tempo significa, é por natureza um ingrato. Nas grandes cidades qualquer moço de recados conhece o valor do tempo e nenhum ardina quer perder o seu tempo.
Não Leves a Tua Vida Tão a Sério
Em relação à vida em si, passa-se o mesmo! Também não se pode levar esta experiência demasiado a sério. Se o fizeres, corres o risco de passar o tempo inteiro da tua existência a viver uma lista de problemas sem fim. Ainda assim, e como no tópico anterior, não te estou a pedir para deixares de viver as coisas com paixão e intensidade. Antes pelo contrário. Vive-as!! O que quero que entendas é que se as coisas, porventura, não correrem como esperavas ou te achavas merecedor, não lhes atribuas um significado tão sério.
Lembra-te: foi apenas mais uma experiência. Próxima!
Cada um de nós é o comandante da sua vida, logo, podemos escolher valorizar as coisas boas e desvalorizar as menos boas.Há muita gente que diz, por ter lido em livros e, outras, por terem sentido na pele, que desvalorizar as coisas más é negar uma lição e que só aprendemos pela dor. A minha questão é: o que é que aprendemos? Aprendemos o que não devemos voltar a fazer, é isso? Se assim for, e sob esse único e limitado ponto de vista, estou de acordo. Acontece que o âmago da vida é outro e está centrado no que deves fazer!
Máximas do Nosso Saber
O que sabemos, sabemo-lo afinal apenas para nós mesmos. Se falo com alguém daquilo que julgo saber, acontece que imediatamente ele supõe saber o assunto melhor que eu, e sou obrigado a regressar a mim mesmo com o meu saber. O que sei bem, sei-o apenas para mim. Uma palavra pronunciada por outro raramente constitui um estímulo. Na maior parte das vezes suscita contradição, paralisia ou indiferença.
Instruamo-nos primeiro a nós próprios e seremos depois capazes de receber instruções dos outros.
Em boa verdade aprendemos sempre em livros que não somos capazes de avaliar. O autor de um livro que fôssemos capazes de avaliar teria que aprender connosco.
Muitos há que têm orgulho no que sabem. Face ao que não sabem costumam ser arrogantes. No fundo só se sabe quando se sabe pouco. À medida que cresce o saber, crece igualmente a dúvida.
A Influência das Ilusões nas Nossas Vidas
Traçar o papel das ilusões na génese das opiniões e das crenças seria refazer a história da humanidade. Da infância à morte, a ilusão envolve-nos. Só vivemos por ela e só ela desejamos. Ilusões do amor, do ódio, da ambição, da glória, todas essas várias formas de uma felicidade incessantemente esperada, mantêm a nossa actividade. Elas iludem-nos sobre os nossos sentimentos e sobre os sentimentos alheios, velando-nos a dureza do destino.
As ilusões intelectuais são relativamente raras; as ilusões afectivas são quotidianas. Crescem sempre porque persistimos em querer interpretar racionalmente sentimentos muitas vezes ainda envoltos nas trevas do inconsciente. A ilusão afectiva persuade, por vezes, que entes e coisas nos aprazem, quando, na realidade, nos são indiferentes. Faz também acreditar na perpetuidade de sentimentos que a evolução da nossa personalidade condena a desaparecer com a maior brevidade.
Todas essas ilusões fazem viver e aformoseiam a estrada que conduz ao eterno abismo. Não lamentemos que tão raramente sejam submetidas à análise. A razão só consegue dissolvê-las paralisando, ao mesmo tempo, importantes móbeis de acção. Para agir, cumpre não saber demasiado. A vida é repleta de ilusões necessárias.
Os motivos para não querer multiplicam-se com as discussões das coisas do querer.
Liberdade Sofrida
Em tempos pensei que tinha sido ferido como homem algum jamais o fora. Por sentir isso, jurei escrever este livro. Mas muito antes de começar a escrevê-lo a ferida cicatrizou. Como jurara cumprir a minha tarefa, reabri a horrível ferida. Deixem-me explicar por outras palavras. Talvez ao abrir a ferida, a minha própria ferida, tenha fechado outras feridas, feridas de outras pessoas. Morre qualquer coisa, floresce qualquer coisa. Sofrer na ignorância é horrível. Sofrer deliberadamente, para compreender a natureza do sofrimento e aboli-lo para sempre, é muito diferente. O Buda, como sabemos, teve toda a vida um pensamento fixo no espírito: eliminar o sofrimento humano.
Sofrer é desnecessário. Mas temos de sofrer para compreender que é assim.
Além disso, é só então que o verdadeiro significado do sofrimento humano se torna claro. No derradeiro momento desesperado – quando não podemos sofrer mais! – acontece qualquer coisa que tem a natureza de um milagre. A grande ferida aberta pela qual se escoava o sangue da vida fecha-se, o organismo desabrocha como uma rosa. Somos «livres», finalmente (…). Não são as lágrimas que mantêm viva a árvore da vida, mas sim o conhecimento de que a liberdade é real e eterna.
O Meu Carácter
Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou. Não importa o meu nome, nem quaisquer outros pormenores externos que me digam respeito. É acerca do meu carácter que se impõe dizer algo.
Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é horror, mistério, um medo por de mais inteligente.
Pelas minhas tendências naturais, pelas circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela influência dos estudos feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) – por tudo isto o meu carácter é do género interior, autocêntrico, mudo, não auto-suficiente mas perdido em si próprio. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do autodomínio, jamais traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos,
O Nosso Livro
Deixa-me dizer-te, meu caro, pode bem acontecer que vás através da vida sem saber que debaixo do teu nariz existe um livro no qual a tua vida é descrita em todo o detalhe. Aquilo do qual nunca te deste conta antes, vais relembrando aos poucos, assim que comeces a ler esse livro, e encontras e descobres… alguns livros tu lês e lês e não lhe consegues encontrar qualquer sentido ou lógica, por mais que tentes. São tão “espertos” que não consegues perceber uma palavra daquilo que dizem…