Compreender e Unir
Já são em número demasiado os que vieram ao mundo para combater e separar; o progresso e valor de cada seita e de cada grupo dependeram talvez desta atitude descriminadora e intransigente; aceitemos como o melhor que foi possível tudo o que nos apresenta o passado; mas procuremos que seja outra a atitude que tomarmos; lancemos sobre a terra uma semente de renovação e de íntimo aperfeiçoamento.
Reservemos para nós a tarefa de compreender e unir; busquemos em cada homem e em cada povo e em cada crença não o que nela existe de adverso, para que se levantem as barreiras, mas o que existe de comum e de abordável, para que se lancem as estradas da paz; empreguemos toda a nossa energia em estabelecer um mútuo entendimento; ponhamos de lado todo o instinto de particularismo e de luta, alarguemos a todos a nossa simpatia.
Reflitamos em que são diferentes os caminhos que toma cada um para seguir em busca da verdade, em que muitas vezes só um antagonismo de nomes esconde um acordo real. Surja à luz a íntima corrente tanta vez soterrada e nela nos banhemos. Aprendamos a chamar irmão ao nosso irmão e façamos apelo ao nosso maior esforço para que se não quebre a atitude fraternal,
Textos sobre Pais
130 resultadosAmor Desmistificado
O sentimento de um homem apaixonado produz por vezes efeitos cómicos ou trágicos, porque em ambos os casos, é dominado pelo espírito da espécie que o domina ao ponto de o arrancar a si próprio; os seus actos não correspondem à sua individualidade. Isto explica, nos níveis superiores do amor, essa natureza tão poética e sublimadora que caracteriza os seus pensamentos, essa elevação transcendente e hiperfísica, que parece fazê-lo afastar da finalidade meramente física do seu amor. É porque o impelem então o génio da espécie e os seus interesses superiores.
Recebeu a missão de iniciar uma série indefinida de gerações dotadas de determinadas características e constituídas por certos elementos que só se podem encontrar num único pai e numa única mãe; só essa união pode dar existência à geração determinada que a objectivação da vontade expressamente exige. O sentimento que o amante tem de agir em circunstâncias de semelhantes transcendência, eleva-o de tal modo sobre as coisas terrestres e mesmo acima de si próprio, e tranforma-lhe os desejos físicos numa aparência de tal modo suprasensível, que o amor é um acontecimento poético, mesmo na existência do homem mais prosaico, o que o faz cair por vezes em ridículo.
O Dom de Deixar Ir
É preciso aprender a viver. A qualidade da nossa existência depende de um equilíbrio fundamental na nossa relação com o mundo: apego e desapego. Nesta vida, a ponderação, a proporção e a subtileza são sempre melhores que qualquer arrebatamento. Mas o essencial é aprender que a existência é feita de dádivas e perdas.
Eis porque quem reza deve pedir e agradecer: tudo é, na verdade, um dom. Tudo passa… importa pois prepararmo-nos para a perda, ainda que tantas vezes não seja senão temporária… Alegrias e dores. Só há felicidade num coração onde habita a sabedoria e paciência dos tempos e dos momentos, a paz de quem sabe que são muitos os porquês e para quês que ultrapassam a capacidade humana de compreender.
Na vida, tudo se recebe e tudo se perde.
Amar é um apego natural mas também obriga a que deixemos o outro ser quem é, abrindo mão e permitindo-lhe que parta, ou que fique, sem desejar outra coisa senão que seja radicalmente livre. Aprendendo que há muito mais valor no ato de quem decide ficar do que naquele de quem só está por não poder partir.Nada verdadeiramente nos pertence. O sublime do amor está aí,
As Três Realidades Sociais
Há três realidades sociais – o indivíduo, a Nação, a Humanidade. Tudo mais é fictício. São ficções a Família, a Religião, a Classe. É ficção o Estado. É ficção a Civilização.
O indivíduo, a Nação, a Humanidade são realidades porque são perfeitamente definidos. Têm contorno e forma. O indivíduo é a realidade suprema porque tem um contorno material e mental — é um corpo vivo e uma alma viva.
A Nação é também uma realidade, pois a definem o território, ou o idioma, ou a continuidade histórica — um desses elementos, ou todos. O contorno da nação é contudo mais esbatido, mais contingente, quer geograficamente, porque nem sempre as fronteiras são as que deviam ser; quer linguisticamente, porque largas distâncias no espaço separam países de igual idioma e que naturalmente deveriam formar uma só nação; quer historicamente, porque, por uma parte, critérios diferentes do passado nacional quebram, ou tendem para o quebrar, o vasículo nacional, e, por outra, a continuidade histórica opera diferentemente sobre camadas da população, diferentes por índole, costumes ou cultura.
A Humanidade é outra realidade social, tão forte como o indivíduo, mais forte ainda que a Nação, porque mais definida do que ela. O indivíduo é,
Temos de Ser o que Nos Apetecer
Se não mudares, os outros fazem de ti o que querem.
A velha máxima «Se estás mal, muda-te» faz mesmo todo o sentido.
Se não nos sentimos bem com determinado relacionamento, se não estamos felizes no nosso trabalho, se não conseguimos encarar certa pessoa ou se, simplesmente, não nos sentimos bem naquele jantar, naquele ginásio ou naquela viagem, só nos resta uma alternativa: mudar.
Acontece que, e apesar de parecer simples, essa decisão é extremamente delicada. E porquê? Porque uma vez mais colocamos o mundo inteiro à nossa frente. Em vez de nos respeitarmos e levarmos a cabo o nosso desejo de liberdade, saindo de onde estamos para onde queremos estar, não, deixamo-nos ficar mesmo que o amor já não exista, mesmo que o patrão ou os colegas nos tratem mal, mesmo que continuemos a ser julgados ou cobrados pela mãe, pelo pai, pelo tio ou pelo cão e por aí adiante. Não mudamos e o caldo entorna-se. Ou seja, é o pior dos dois mundos.
Não comemos a sopa, não nos nutrimos, e ainda nos queimamos por andarmos constantemente nas mãos de uns e outros.As pessoas relacionam-se mais por medo de se perderem umas às outras ou por necessidade de dominarem alguém do que por se amarem genuinamente,
Acreditei que Podia Dar-te um Céu para Brincares
Filho. Gostava que houvesse uma aragem qualquer que me explicasse esse teu sorriso e outra que te explicasse, sem te magoar, o meu silêncio. Gostava de aprender o trejeito dos teus lábios, a maneira dos teus olhos, e to lembrar quando tivesses a minha idade. Fui um dia a tua inocência. E dela ficou-me a grande inocência de acreditar.
Acreditei que podia dar-te um céu para brincares e que a vida seria o que nós quiséssemos. Assim. Bastaria querermos, esforçarmo-nos muito, trabalharmos, e teríamos então o que desejássemos. Não digo coisas majestosas, roupas bonitas ou charretes, mas comida, comida gostosa e bem temperada, e um cavalo de cartão novo, se por acaso esquecesses o teu no quintal numa noite de chuva. Acreditei que a felicidade dos teus olhos a sorrir podia voltar aos olhos da tua mãe, aos meus e perdurar intocada nos teus. Acreditei em tantas coisas. Sabes, aproximo-me da vila e o que me espera é morrer um pouco mais. Preferia que não o soubesses, mas infelizmente nem isso posso esconder-te, porque um dia, quando te contarem a história da tua vida, dir-te-ão que numa noite de estrelas, o teu pai foi à vila e levou uma sova;
Ter Razão é uma Questão de Explicações
Havia que ser um fanático para querer ter sempre razão. Ter razão era sobretudo uma questão de explicações. O homem intelectual tornara-se uma criatura explicativa. Toda a gente explicava, os pais aos filhos, os maridos às mulheres, os conferencistas ao seu público, os especialistas aos leigos, os colegas aos colegas, os médicos aos pacientes, o homem à sua alma. A génese disto, a causa daquilo, as origens dos acontecimentos, a história, a estrutura, as razões pelas quais. Na maior parte dos casos, a explicação entrava por um ouvido e saía pelo outro. A alma desejava o que desejava. Tinha o seu próprio saber natural. A infeliz poisava, pobre avezinha, sobre superstruturas de explicação, sem saber para onde levantar voo.
(…) Era um afã holandês, pensou Sammler, sempre a dar à bomba para manter enxutos alguns hectares de terra. O mar invasor era uma metáfora da multiplicação dos factos e das sensações; quanto à terra, era uma terra de ideias.
. Sammler’
Que Tristeza Isto de a Gente Escrever
Que tristeza isto de a gente escrever! Secos como paus na vida, e sai-nos depois a ternura pelo bico da pena! Comigo é assim. E como ninguém me lê—ninguém dos que eu mais desejava que recebessem ternura de mim (minha Mãe, meu Pai, minha Irmã, uns pobres amigos rudes que tenho na minha terra e uns infelizes que encontro por este mundo) —, fica tudo em letra morta. Hoje todo eu fui uma sede ardente de abraçar um infeliz que calcorreava às apalpadelas as ruas escaroladas da Nazaré. Um dia como uma estrela, aquela maravilha ali para se ver, e o desgraçado cego de nascença! Mas o abraço saiu-me aqui, a tinta.
É o Que a Gente Leva Desta Vida…
A persistência instintiva da vida através da aparência da inteligência é para mim uma das contemplações mais íntimas e mais constantes. O disfarce irreal da consciência serve somente para me destacar aquela inconsciência que não disfarça.
Da nascença à morte, o homem vive servo da mesma exterioridade de si mesmo que têm os animais. Toda a vida não vive, mas vegeta em maior grau e com mais complexidade. Guia-se por normas que não sabe que existem, nem que por elas se guia, e as suas ideias, os seus sentimentos, os seus actos, são todos inconscientes – não porque neles falte a consciência, mas porque neles não há duas consciências.
Vislumbres de ter a ilusão – tanto, e não mais, tem o maior dos homens.
Sigo, num pensamento de divagação, a história vulgar das vidas vulgares. Vejo como em tudo são servos do temperamento subconsciente, das circunstâncias externas alheias, dos impulsos de convívio e desconvívio que nele, por ele e com ele se chocam como pouca coisa.
Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»…
Casar por Amor
Quando eu pensava que não podia ser mais feliz, manhã após manhã era mais, mas só um bocadinho mais do que o máximo humanamente possível; pensava eu ser absolutamente impossível que eu fosse, de repente, muito mais feliz, do que a própria felicidade até. Mas, de repente, fui. Muito mais. Casei com o meu amor e o meu amor tornou-se a minha mulher, minha em tudo, para tudo, para sempre. E eu, finalmente, consegui divorciar-me de mim e deixar de ser tão triste e aborrecidamente meu, trocando-me, no melhor negócio do século, por ela. Ela ficou minha. Eu fiquei dela. É ou não é estranho e lindo e bem pensado por Deus Nosso Senhor que ambos pensemos que nos livrámos de boa e ficámos a ganhar? É.
É sim. A minha mulher é mais minha do que eu alguma vez fui meu — e eu antes não podia ter sido mais para mim, felizmente. Por ter tudo agora para lhe dar. Que alívio. Nunca mais me quero ver na vida.
A não ser aos olhos dela, onde sou muito bem visto — talvez o maior homem que já viveu, logo a seguir ao pai dela, claro. É um milagre como melhorei tanto.
Ser Feliz
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio ser.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e tornar-se autor da sua própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus em cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. E ter a coragem de ouvir um «não». É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. É beijar os filhos, ter prazer com os pais e ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos magoem.
Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós. É ter maturidade para dizer «eu errei». É ter ousadia para dizer «perdoa-me». É ter sensibilidade para expressar «eu preciso de ti». E ter capacidade de dizer «eu amo-te».
Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades que lhe permita ser feliz…
Saber Estar
És impaciente e difícil de contentar. Se estás só, queixas-te da solidão; se na companhia dos outros, tu os chamas de conspiradores e de ladrões, e achas defeitos nos teus próprios pais, filhos, irmãos e vizinhos. No entanto, quando estás sozinho, deves falar em tranquilidade e liberdade e te considerares igual aos deuses. E quando estás em companhia numerosa, não a deves chamar de turba aborrecida ou ruidosa, mas de assembleia e tribunal, dessarte aceitando tudo com contentamento.
Não Há Paz no Mundo
Enchem a boca de paz, e não há tal paz no mundo. E senão, quem há tão cego, que não veja o mesmo hoje em toda a parte? Dizem que há paz nos reinos, e os vassalos não obedecem aos reis: dizem que há paz nas cidades, e os súbditos não obedecem aos magistrados: dizem que há paz nas famílias, e os filhos não obedecem aos pais: dizem que há paz nos particulares, e cada um tem dentro em si mesmo a maior e a pior guerra. Havia de mandar a razão, e o racional não lhe obedece; porque nele, e sobre ela domina o apetite. (…) A paz do mundo é guerra que se esconde debaixo da paz. Chama-se paz e é lisonja: chama-se paz, e é dissimulação: chama-se paz, e é dependência: chama-se paz, e é mentira, quando não seja traição.
Esta Prosa Travada
Põe-se a gente a ler estes Gides, estes Munthes, estes Malraux. E é sempre a mesma sensação de plenitude. Sempre a mesma sensação de que, depois daquilo, não vale a pena escrever uma palavra, de mais a mais nesta língua de que o diabo ainda se serve para falar à avó… Mas depois vem a revolta. Esta impotente revolta de todo o verdadeiro escritor português que começou por nascer atrás duma fraga e acaba por gastar a vida em Paio Pires, amanuense de secretaria. Metessem no braço dum Gide uma manga de alpaca, e eu queria ver… Então um homem nasce em Paris ou numa terra lavada da Suécia, tanto faz, mestres logo à beira do berço, todas as civilizações na biblioteca do pai, uma vida inteira pelo mundo além, e aqueles neurónios, e aqueles sentidos não hão-de reagir?! O mais bronco ser humano, quando fala com um Wilde, ouviu pelo menos falar o autor do De Profundis. Evidentemente é preciso mais alguma coisa do que ir à China e ter certa experiência para escrever A Condição Humana. Mas, sem um homem andar de avião, como há-de um homem ganhar perspectivas de pássaro e falar de poços de ar?!
…E a gente não tem outro remédio senão gastar as horas a fabricar esta prosa travada,
Teorias Precipitadas
É vulgar uma teoria ser resultado da precipitação de um entendimento impaciente que, desejoso de se ver livre dos fenómenos, os substitui por imagens, conceitos, ou com frequência por meras palavras. Pressente-se, e por vezes vê-se até com clareza, que se trata apenas de expedientes. Mas não é sabido que a paixão e o partidarismo se deixam atrair pelos expedientes? E com toda a razão, porque tanta falta lhes fazem.
(…) Avançar precipitadamente para o fim a alcançar, sem reflectir sobre os meios. Como se, para poder ajudar tão cedo quanto possível uma cirança de berço, lhe quiséssemos matar o pai.
Se atentarmos em certos problemas de Aristóteles ficamos supreendidos com o dom de observação e com a imensidade de coisas que não escapavam ao olhar dos gregos. E contudo cometiam o erro da precipitação, já que saltavam imediatamente dos fenómenos para a explicação, de onde resultaram formulações teoréticas totalmente inadequadas. Trata-se todavia de um erro geral que ainda hoje continua a ser cometido.
Deus Precisa de Companhia
A minha proposição inicial, que me atrevo a considerar indiscutível, é de que Deus criou o universo porque «se sentia» só. Em todo o tempo antes, isto é, desde que a eternidade começara, «tinha estado» só, mas, como não «se sentia» só, não necessitava inventar uma coisa tão complicada como é o universo. Com o que Deus não contara é que, mesmo perante o espectáculo magnífico das nebulosas e dos buracos negros, o tal sentimento de solidão persistisse em atormentá-lo. Pensou, pensou, e ao cabo de muito pensar fez a mulher, «que não era à sua imagem e semelhança». Logo, tendo-a feito, viu que era bom. Mais tarde, quando compreendeu que só se curaria definitivamente do mal de estar só deitando-se com ela, verificou que era ainda melhor. Até aqui tudo muito próprio e natural, nem era preciso ser-se Deus para chegar a esta conclusão. Passado algum tempo, e sem que seja possível saber se a previsão do acidente biológico já estava na mente divina, nasceu um menino, esse sim, «à imagem e semelhança de Deus». O menino cresceu, fez-se rapaz e homem. Ora, como a Deus não lhe passou pela cabeça a simples ideia de criar outra mulher para a dar ao jovem,
Grandes Homens Forjam-se a si Próprios
Para conhecer a realidade do mundo, único fim sério da ciência, é preciso entrar no combate da vida como entravam na liça os paladinos bastardos – sem pai e sem padrinho. Os príncipes não constituem excepção a esta lei geral da formação dos homens. Da educação de gabinete, do bafo enervante dos mestres, dos camareiros e das aias, nunca sairam senão doentes e pedantes.
Na sagração dos czares há uma cerimónia de alta significação simbólica: o imperador não se confirma enquanto por três vezes não haja descido do trono e penetrado sozinho na multidão; e isto quer dizer que na convivência do povo a autoridade e o valor dos monarcas recebe uma tão sagrada unção como a da santa crisma. Todos os reis fortes se fizeram e se educaram a si mesmos nos mais rudes e mais hostis contactos da natureza e da sociedade humana.
Veja vossa alteza Carlos Magno, que só aos quarenta anos é que mandou chamar um mestre para aprender a ler. Veja Pedro o Grande, do qual a educação de câmara começou por fazer um poltrão. Aos quinze anos não se atrevia a atravessar um ribeiro. Reagiu enfim sobre si mesmo pela sua única força pessoal.
Suportar a Adversidade
Das ocorrências indesejadas, falando de maneira genérica, algumas acarretam naturalmente dor e vexação, mas, na maior parte dos casos, é falsa a noção que nos habituou a nos enfadarmos com elas. Como específico contra este tipo de ocorrência, é conveniente ter à mão um dito de Menandro: «Nada te aconteceu de facto enquanto não te importares muito com o ocorrido». Isso quer dizer que não há motivo para o teu corpo e a tua alma se mostrarem afectados se, por exemplo, o teu pai é de baixa extracção, a tua mulher cometeu adultério, tu mesmo te viste privado de alguma coroa honorífica ou privilégio especial, pois nada disso te impede de prosperar de corpo ou alma.
Para a primeira categoria – doenças, privações, a morte de amigos ou filhos -, que parece acarretar naturalmente dor e vexação, esta linha de Eurípedes deve estar à mão: “Ai! por que ai? É o quinhão da mortalidade que nos coube”. Nenhum outro argumento lógico pode romper de forma tão efectiva a espiral descendente das nossas emoções, do que a reflexão de que somente através da compulsão comum da Natureza, um dos elementos da sua constituição física, é que o homem se torna vulnerável à Fortuna;
A Cultura Deve Ser Uma Descoberta Individual de Cada um de Nós
Não se deve intervir, não nos devemos meter nos problemas que cada um tem com a leitura. Não devemos sofrer por causa das crianças que não lêem, perder a paciência. Trata-se da descoberta do continente da leitura. Ninguém deve encorajar nem incitar outra pessoa a ir ver como ele é. Já existe excessiva informação no mundo acerca da cultura. Devemos partir sós para esse continente. Descobri-lo sozinhos. Operarmos sozinhos esse nascimento.
Por exemplo, em relação a Baudelaire, devemos ser os primeiros a descobrir o seu esplendor. E somos os primeiros. E, se não formos os primeiros, nunca seremos leitores de Baudelaire. Todas as obras-primas do mundo deveriam ser encontradas pelas crianças nos despejos públicos, e lidas às escondidas dos pais e dos mestres.
Por vezes, o facto de se ver alguém a ler um livro no metro, com grande atenção, pode provocar a compra desse livro. Mas não quanto aos romances populares. Aí, ninguém se engana quanto à natureza do livro. Os dois géneros nunca estão juntos nas mesmas mãos. Os romances populares são impressos em milhões de exemplares. Com a mesma grelha aplicada, em princípio, há uns cinquenta anos, os romances populares desempenham a sua função de identificação sentimental ou erótica.
A Grandiosidade do Homem Depende da Mulher, mas Só Enquanto não a Possui…
O homem deve à mulher tudo quanto fez de belo, de insigne, de espantoso, porque da mulher recebeu o entusiasmo; ela é o ser que exalta. Quantos moços imberbes, tocadores de flauta, não celebraram já o tema? E quantas pastoras ingénuas não o ouviram também? Confesso a verdade quando digo que a minha alma está isenta de inveja e cheia de gratidão para com Deus; antes quero ser homem pobre de qualidades, mas homem, do que mulher – grandeza imensurável, que encontra a sua felicidade na ilusão. Vale mais ser uma realidade, que ao menos possui uma significação precisa, do que ser uma abstracção susceptível de todas as interpretações. É, pois, bem verdade: graças à mulher é que a idealidade aparece na vida; que seria do homem, sem ela? Muitos chegaram a ser génios, heróis, e outros santos, graças às mulheres que amaram; mas nenhum homem chegou a ser génio por graça da mulher com quem casou; por essa, quando muito, consegue o marido ser conselheiro de Estado; nenhum homem chegou a ser herói pela mulher que conquistou, porque essa apenas conseguiu que ele chegasse a general; nenhum homem chegou a ser poeta inspirado pela companheira de seus dias, porque essa apenas conseguiu que ele fosse pai;