Sou Eu!
À minha ilustre camarada Laura haves
Pelos campos em fora, pelos combros,
Pelos montes que embalam a manhã,
Largo os meus rubros sonhos de pagã,
Enquanto as aves poisam nos meus ombros…Em vão me sepultaram entre escombros
De catedrais duma escultura vã!
Olha-me o loiro sol tonto de assombros,
as nuvens, a chorar, chamam-me irmã!Ecos longínquos de ondas… de universos..
Ecos dum Mundo… dum distante Além,
Donde eu trouxe a magia dos meus versos!Sou eu! Sou eu! A que nas mãos ansiosas
Prendeu da vida, assim como ninguém,
Os maus espinhos sem tocar nas rosas!
Passagens sobre Universo
432 resultadosO Saber Altera a Economia de um Ser
O que aprendemos por nós próprios, seja que conhecimento for extraído do nosso próprio fundo, é algo que teremos que expiar por um suplemento de desequilíbrio. Fruto de uma desordem íntima, de uma doença definida ou difusa, de uma perturbação na raiz da nossa existência, o saber altera a economia de um ser. Cada um de nós terá que pagar pelo mais pequeno golpe que vibra num universo criado para a indiferença e para a estagnação; cedo ou tarde, arrepender-se-á, arrepender-nos-emos, de o não ter, ou de o não termos, deixado intacto.
O que sendo verdade para o conhecimento é mais verdade ainda para a ambição, porque invadir o terreno de outrem acarreta consequências mais graves e mais imediatas do que invadir o terreno do mistério ou simplesmente da matéria.
Começamos por fazer tremer os outros, mas os outros acabam por nos comunicar os seus terrores. É por isso que os tiranos, também eles, vivem no pavor. O que o nosso futuro senhor há-de conhecer será sem dúvida exacerbado por uma felicidade sinistra, como ninguém experimentou comparável, à medida do solitário por excelência, erguido diante da humanidade toda, semelhante a um deus entronizado no medo, num pânico omnipotente,
Nao é a linha reta, dura e inflexível, feita pelo homem, que me atrai. O que me chama a atenção é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu país, nas margens dos seus rios, nas nuvens do céu e nas ondas do mar. O universo está cheio de curvas, um universo de Einstein.
Contra a Esperança
É preciso esperar contra a esperança.
Esperar, amar, criar
contra a esperança
e depois desesperar a esperança
mas esperar,
enquanto um fio de água, um remo,
peixes
existem e sobrevivem
no meio dos litígios;
enquanto bater a máquina de coser
e o dia dali sair
como um colete novo.É preciso esperar
por um pouco de vento,
um toque de manhãs.
E não se espera muito.
Só um curto-circuito
na lembrança. Os cabelos,
ninhos de andorinhas
e chuvas. A esperança,
cachorro
a correr sobre o campo
e uma pequena lebre
que a noite em vão esconde.O universo é um telhado
com sua calha tão baixo
e as estrelas, enxame
de abelhas na ponta.É preciso esperar contra a esperança
e ser a mão pousada
no leme de sua lança.E o peito da esperança
é não chegar;
seu rosto é sempre mais.
É preciso desesperar
a esperança
como um balde no mar.Um balde a mais
na esperança.
O sábio lê livros, mas lê também a vida. O universo é um grande livro e a vida é uma grande escola.
Benção
Quando, por uma lei da vontade suprema,
O Poeta vem a luz d’este mundo insofrido
A desolada mãe, numa crise de blasfêmia,
Pragueja contra Deus, que a escuta comovido:— “Antes eu procriasse uma serpe infernal!
Do que ter dado vida a um disforme aleijão!
Maldita seja a noite em que o prazer carnal
Fecundou no meu ventre a minha expiação!Já que fui a mulher destinada, Senhor,
A tornar infeliz quem a si me ligou,
E não posso atirar ao fogo vingador
O fatal embrião que meu sangue gerou.Vou fazer recair o meu ódio implacável
No monstro que nasceu das tuas maldições
E saberei torcer o arbusto miserável
De modo que não vingue um só dos seus botões!”E sobre Deus cuspindo a sua mágoa ingente
Ignorando a razão dos desígnios do Eterno,
A tresloucada mãe condena, inconsciente,
A sua pobre alma às fogueiras do inferno.Bafeja a luz do sol o fruto malfadado,
Vela pelo inocente um anjo peregrino;
A água que ele bebe é um néctar perfumado,
O pão é um manjar saboroso,
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo.
Todo este universo é um livro em que cada um de nós é uma frase.
Fragmento Terceiro
I
Campos de ira, tão vasto sentimento
vos afasta. íris morta! Os actos radicais
constroem, em projeto, um frágil
universo – a tinta, o espaço óptico.
Descansam os sentidos sobre pródigas
defesas: os filtros turvos, as precauções
na sua cura. Os nervos tersos
da análise da vida e da matéria.II
Desviam-se dos livros. Hoje escreve
contra a morte dos olhos, a existência
passível de leitura. Ineptos, os sons
perdem-se na encosta. o vento fere
ainda? Inscrito
na área da cabeça, é esse rastro
ainda vivo. Domino a sua queda, os seus poderes
punitivos, a sua força hereditária.III
Persistir no imóvel. Preencher
os anos que nos moldam
no vigor da fibra, no duro movimento
interior — a que destino, a que imaturo
ritmo, sem preço? Pois é o caro
prémio deste dorso
de o cumprir, pensar, até ao fim.
Ou de saber adestrá-lo até que,
exausto, só impulso
vigore — a morte lida
num próximo sentido, ainda vivo.IV
Como contacto único,
Não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis elementares do universo – o único caminho é o da intuição.
O homem é um pedaço do universo cheio de vida.
O meu poema é a resposta da alma ao apelo do universo.
Quando perguntavam a Sócrates de onde ele vinha, respondia que era um cidadão do mundo. Ele se considerava um cidadão do universo.
A Seicho-No-Ie procura eliminar o ódio porque ele é a raiz de todas as infelicidades. Sem purificar a força mental que rege o Universo, será inútil eliminar uma ou outra desarmonia do mundo exterior; porque a raiz da desarmonia permanece, logo germinarão outros brotos de desarmonia.
Tirem-me os Deuses o Amor, Glória e Riqueza
Tirem-me os deuses
Em seu arbítrio
Superior e urdido às escondidas
O Amor, glória e riqueza.Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciência lúcida e solene
Das coisas e dos seres.Pouco me importa
Amor ou glória,
A riqueza é um metal, a glória é um eco
E o amor uma sombra.Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e às maneiras dos objetos
Tem abrigo seguro.Seus fundamentos
São todo o mundo,
Seu amor é o plácido Universo,
Sua riqueza a vida.A sua glória
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objetos.O resto passa,
E teme a morte.
Só nada teme ou sofre a visão clara
E inútil do Universo.Essa a si basta,
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver.
Testamento do Poeta
Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
Não sou dos que se aceita… a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.O mesmo vos direi, sonhos antigos
De amor! olhos nos meus outrora absortos!
Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,
Que fostes o melhor dos meus pascigos!E o mesmo digo a tudo e a todos, – hoje
Que tudo e todos vejo reduzidos,
E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.Para reaver, porém, todo o Universo,
E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!….
Basta-me o gesto de contar um verso.
Ode Marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Grandes São os Desertos, e Tudo é Deserto
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
A Solidão em Perspectiva
É exactamente porque não há solidão que dizes que há solidão. Imagina que eras o único homem no universo. Imagina que nascias de uma árvore, ou antes, porque eu quero pôr a hipótese de que não há árvores, nem astros, nem nada com que te confrontes: supõe que o universo é só o vazio e que tu nascias no meio desse vazio, sem nada para te confrontares. Como dizeres «eu estou sozinho»? Para pensares em «eu» e em «sozinho» tinhas de pensar em «tu» e em «companhia». Só há solidão «porque» vivemos com os outros…