Lucidez sem Ignorância nem Sobranceria
Possivelmente nĂŁo Ă© sem razĂŁo que atribuĂmos Ă ingenuidade e ignorância a facilidade de crer e de se deixar persuadir: pois parece-me haver aprendido outrora que a crença era como uma impressĂŁo que se fazia na nossa alma; e, na medida em que esta se encontrava mais mole e com menor resistĂŞncia, era mais fácil imprimir-lhe algo. Assim como, necessariamente, os pesos que nele colocamos fazem pender o prato da balança, assim a evidĂŞncia arrasta a mente (CĂcero). Quanto mais vazia e sem contrapeso está a alma, mais facilmente ela cede sob a carga da primeira persuasĂŁo. Eis porque as crianças, o vulgo, (…) e os doentes estĂŁo mais sujeitos a ser conduzidos pelas orelhas (ou seja, pelo que ouvem). Mas tambĂ©m, por outro lado, Ă© uma tola presunção ir desdenhando e condenando como falso o que nĂŁo nos parece verossĂmil; esse Ă© um vĂcio habitual nos que pensam ter algum discernimento alĂ©m do comum. Outrora eu agia assim, e, se ouvia falar de espĂritos que retornam, ou do prognĂłstico das coisas futuras, de encantamentos, de feitiçarias, ou contarem alguma outra histĂłria que eu nĂŁo conseguisse compreender, vinha-me compaixĂŁo pelo pobre povo logrado por essas loucuras. Mas actualmente acho que eu prĂłprio era no mĂnimo igualmente digno de pena;
Passagens sobre Céu
1151 resultadosBeleza, presente de um dia que o Céu nos oferece.
A Espera
Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vĂŞ-la surgir, num vulto, adiante,
– os lábios frios, trĂŞmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…O cĂ©u desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico Ă sombra da noite perscrutando…E ela nĂŁo vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
Ă© o segundo sem fim da eternidade…Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…
Louvado Seja Amor em Meu Tormento
No tempo que de amor viver soĂa,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.Que ardesse n’um sĂł fogo nĂŁo queria
O Céu porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co’o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tĂŁo cansado sofrimento!
Digo que Te Amo
digo que te amo
sorris e eu amo, digo que te quero
sorris e eu quero, dizes em sonhosem sonhos que já tive, onde desejei ser céu sol e
estrelas para que te pudesse olhar eternamente
O Pai
Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.Depois… Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.Olha, minha juventude foi um puro
botĂŁo que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar… E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.Escutarei de noite as tuas palavras:
… menino, meu menino…E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.Tradução de Rui Lage
Veja o mundo num grão de areia, veja o céu em um campo florido, guarde o infinito na palma da sua mão, e a eternidade em uma hora da vida.
A Mulher dos Vinte Poemas
Perguntam-me sempre quem Ă© a mulher dos «Vinte Poemas». É difĂcil responder. As duas ou trĂŞs que se entrelaçam nesta melancĂłlica e ardente poesia correspondem, digamos, a Marisol e Marisombra. Marisol Ă© o idĂlio da provĂncia encantada, com imensas estrelas nocturnas e olhos escuros como o cĂ©u molhado de Temuco. É ela que figura, com a sua alegria e a sua vivaz beleza, em quase todas as páginas, rodeada pelas águas do porto e pela meia-lua sobre as montanhas. Marisombra Ă© a estudante da capital. Boina parda, olhos dulcĂssimos, o constante aroma a madressilva do errante amor estudantil, o sossego fĂsico dos apaixonados encontros nos esconderijos da urbe.
Olhos de Lobas
Teus olhos lembram cĂrios
Acesos n’um cemitĂ©rio…TĂŞm um fulgor estranho singular
Os teus olhos febris… Incendiados!…Como os Clarões Finais… – Exaustinados
Dos restos dos archotes, desdeixados…
— Nas criptas d’um Jazigo Tumular!…— Como a Luz que na Noute Misteriosa
— Fantástica – Fulgisse nas Ogivas
Das Janelas de Estranho MausolĂ©u!…— MausolĂ©u, das Saudades do Ideal!…
— Oh Saudades… Oh Luz Transcendental!
— Oh memĂłrias saudosas do Ido ao CĂ©u!…— Oh PĂ©rpetuas Febris!… – Oh Sempre Vivas!…
— Oh Luz do Olhar das Lobas Amorosas!…
Existem mais coisas entre o céu e a terra só que sonha nossa vã filosofia.
Estes SĂtios!
Olha bem estes sĂtios queridos,
VĂŞ-os bem neste olhar derradeiro…
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudade que deles teremos…
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois nĂŁo sentes, neste ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocĂŞncia e vigor!
Oh! aqui, aqui sĂł se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui sĂł vive Amor.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o nĂveo candor,
E na frente arrugada lhe cresta
A inocĂŞncia infantil do pudor.
E oh! deixar tais delĂcias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razĂŁo Ă impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono Ă vaidade,
Ter de rir nas angĂşstias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade…
Ai! nĂŁo, nĂŁo… nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize Ă sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
Desejos VĂŁos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidĂŁo imensa!
Eu queria ser a Pedra que nĂŁo pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que Ă© humilde e nĂŁo tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vĂŁo e atĂ© da morte!Mas o Mar tambĂ©m chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…
Stella
Já raro e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o Ăşltimo pranto
Por todo o vasto espaço.TĂbio clarĂŁo já cora
A tela do horizonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhĂŁ.Uma por uma, vĂŁo
As pálidas estrelas,
E vĂŁo, e vĂŁo com elas
Teus sonhos, coração.Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
NĂŁo vĂŞs que a vaga inquieta
Abre-te o Ăşmido seio?Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria,
Virá do roxo oriente.Dos Ăntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera
Em lágrimas a pares,Do amor silencioso,
MĂstico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do etéreo gozo,De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.A virgem da manhã
Já todo o cĂ©u domina…
Saudades Trágico-MarĂtimas
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longĂnquo rumor de ladainha,
e soluços,
de alĂ©m…Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
SĂŁo meus AvĂłs rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
sĂŁo eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de alĂ©m, de alĂ©m…Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Naufraguei cem vezes já…
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
– olhos de esposa e mĂŁe –
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
– E sozinho me fui pela praia alĂ©m…
A liberdade não é um direito do homem concedido pelo céu, e a liberdade de sonhar também não se adquire pelo nascimento: é uma capacidade que há que preservar, uma consciência, sobretudo porque os pesadelos não param de a perturbar.
Trova do Vento que Passa
Para AntĂłnio Portugal
Pergunto ao vento que passa
notĂcias do meu paĂs
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios nĂŁo me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu paĂs
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.Se o verde trevo desfolhas
pede notĂcias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu paĂs.Pergunto Ă gente que passa
por que vai de olhos no chĂŁo.
SilĂŞncio – Ă© tudo o que tem
quem vive na servidĂŁo.Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.E o vento nĂŁo me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.Vi meu poema na margem
dos rios que vĂŁo prĂł mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Soneto do amor difĂcil
A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
Ă© como o nosso amor, somente embalo
enquanto nĂŁo Ă© mais que uma promessa…Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.Bruscos e doloridos, refulgimos
no silĂŞncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de sĂşbito surgido Ă flor dos limos.E deste amor difĂcil sĂł nasceu
desencanto na curva do teu céu.
A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.
Improviso
Nem sĂł de chuva
se tece a nuvem
nem sĂł de evento
se inventa o vento.Nem sĂł de fala
se engendra o grito
nem sĂł de fome
prospera o trigo.Nem sĂł de raiva
arde a metáfora
nem sĂł de enigmas
se enfeita o nada.Nem sĂł de parca
o céu nos singra
nem sĂł de pĂŁo
se morre Ă mĂnguaNem sĂł de pĂ©gaso
escapa o seio
para essa concha
partida ao meio.
Nunca me dĂŞ o CĂ©u… Quero Ă© sonhar com ele na inquietação feliz do PurgatĂłrio.