Devemos expandir o círculo do nosso amor até que ele englobe todo o nosso bairro; do bairro, por sua vez, deve desdobrar-se para toda a cidade; da cidade para o estado, e assim sucessivamente até o objeto do nosso amor incluir todo o universo.
Passagens sobre Círculos
98 resultadosLeitor e Autor, num Mundo á Parte
Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objectivo para viver noutro mundo. A janela iluminada noite adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro da vida subjectiva. Árvores ramalham. De vez em quando passam passos. Lá no alto estrelas teimosas namoram inutilmente a janela iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da lãmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade vegetativa do seu corpo, está suspenso no ponto ideal de uma outra dimensão, além do tempo e do espaço. No tapete voador só há lugar para dois passageiros: leitor e autor.
Praia presa…
Praia presa, adiantada
no mar, no longe, no círculo
de coral que o mar represa.
Praia futura invocada.
Timor ressurge das águas,
praia futura invocada.
A Palavra e o Espírito
Uma palavra que é proferida passa a fazer parte do círculo das restantes forças naturais necessariamente activas. Age com tanto mais vigor quanto, no limitado espaço em que a humanidade vai percorrendo o seu caminho, se colocam constantemente as mesmas necessidades e as mesmas exigências.
E contudo é tão pouca a segurança que oferece a transmissão das palavras ao longo do tempo! É costume dizer-se que nos devemos ater ao espírito e não à palavra. Mas o que acontece em geral é que o espírito aniquila a palavra ou a transforma de tal modo que pouca coisa permanece da anterior significação e valor estilístico.
A Monotonia
A monotonia é o que há de mais belo ou de mais terrível. De mais belo, se for um reflexo da eternidade. De mais terrível, se for indício de uma perenidade imutável. Tempo ultrapassado ou tempo esterilizado. O círculo é o símbolo da bela monotonia, a oscilação pendular da monotonia atroz.
Mater Dolorosa
Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.Dos céus a curva era tranquila e pura;
Das gementes alcíones o bando
Via-se ao longe, em círculos, voando
Dos mares sobre a cérula planura.Nas ondas se atufara o Sol radioso,
E Lua sucedera, astro mavioso,
De alvor banhando os alcantis das fragas…E aquela pobre mãe, não dando conta
Que o sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidão das vagas…
Velho
Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.Envolve-te o crepúsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos círculos governa.Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!
A Vida
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.
O homem tem o amor por asa, e por jugo o desejo. O homem não é um círculo concêntrico; é uma elipse de dois focos. Um, está representado pelos actos; o outro, pelas ideias. A humanidade tem dois pólos, o verdadeiro e o belo.
Este Livro Podia Acabar Aqui
Este livro podia acabar aqui. Sempre gostei de enredos circulares. E a forma que os escritores, pessoas do tamanho das outras, têm para sugerir eternidade. Se acaba conforme começa é porque não acaba nunca. Mas tu, eu, os Flauberts, os Joyces, os Dostoievskis sabemos que, para nós, acaba. Com um ligeiro desvio, os círculos transfor-mam-se em espirais e, depois, basta um ponto como este: . O bico de uma caneta espetada no papel. Um gesto a acertar na tecla entre , e -. Um movimento sobre um quadradinho de plástico. Isto: . Repara como é pequeno, insuficiente para espreitarmos através dele, floco de cinza a planar, resto de formiga esmagada. Se o pudéssemos segurar entre os dedos, não seríamos capazes de senti-lo, grão de areia. Mas tu ainda estás aí, olá, eu ainda estou aqui e não poderia ir-me embora sem te agradecer. Aí e aqui ainda é o mesmo lugar. Sinto-me grato por essa certeza simples. A paisagem, mundo de objectos, apenas ganhará realidade quando deixarmos estas palavras. Até lá, temos a cabeça submersa neste tempo sem relógios, sem dias de calendário, sem estações, sem idade, sem agosto, este tempo encadernado. As tuas mãos seguram este livro e, no entanto,
Quanto mais restrito o nosso círculo de visão, acção e contacto, tanto mais felizes seremos; e, quanto mais amplo, tanto mais frequentemente nos sentiremos atormentados ou angustiados, pois, com essa ampliação, multiplicam-se e aumentam as preocupações, os desejos e os temores.
Nós não escapamos às nossas fronteiras ou ao nosso ser mais íntimo. É verdade que podemos ser transformados, mas caminharemos sempre dentro das nossas fronteiras, dentro do círculo marcado.
Acendimento
Seria bom sentir no quarto qualquer música
enquanto nos banham os perfis ateados
pelo aroma da tília, sem voz, em abandono.
A entrada por detrás das ruas principais
onde a morrinha parece que nem molha
e se chega perdido onde se vai.
Não, não é só um beijo que te quero dar.Quantas vezes nesta hora de desvalimento
vejo orion e as plêiades devagar no céu de inverno.
Mas hoje
com a calma inesperada de chuvas que não cessam
acordo já depois. Caí numa hibernação que não norteia
o desequilíbrio do sentimento.Espelhos sem paz tocam-nos no rosto.
Na cega mancha de roupagem aconchego
cada intempérie com sua mentira
e depois sigo pela torrente, pelo enredo
dos outeiros, cada espelho continua
a caução pacificadora do engano.
É isso que te levo, isso que me dás
quando dizes, já sem o dizeres, eu amo-te.Pela berma da humidade cerrada
um risco de mercúrio trespassa.
Na gravilha passos que não há
esmagam a música que ninguém escuta.
Sabiam de cor tudo o que falhava,
A Manhã
A rosada manhã serena desce
Sobre as asas do Zéfiro orvalhadas;
Um cristalino aljôfar resplandece
Pelas serras de flores marchetadas;
Fugindo as lentas sombras dissipadas
Vão em sutil vapor, que se converte
Em transparentes nuvens prateadas.
Saúdam com sonora melodia
As doces aves na frondosa selva
O astro que benéfico alumia
Dos altos montes a florida relva;Uma a cantiga exprime modulada
Com suave gorjeio, outra responde
Cos brandos silvos da garganta inflada,
Como os raios, partindo do horizonte,
Ferem, brilhando com diversas cores,
As claras águas de serena fonte.Salve, benigna luz, que os resplandores,
Qual perene corrente cristalina,
Que de viçoso prado anima as flores,
Difundes da celeste azul campina,
Vivificando a lassa natureza,
Que no seio da noite tenebrosa
O moribundo sonho tinha presa.Como alegre desperta e radiosa!
De encantos mil ornada se levanta,
Qual do festivo leito a nova esposa!
A mesma anosa, carcomida planta
Co matutino orvalho reverdece.
A úmida cabeça ergue viçosa
A flor, que rociada resplandece,
E risonha,
Toda linha reta é o arco de um círculo infinito.
Boa e Má Literatura
O que acontece na literatura não é diferente do que acontece na vida: para onde quer que se volte, depara-se imediatamente com a incorrigível plebe da humanidade, que se encontra por toda a parte em legiões, preenchendo todos os espaços e sujando tudo, como as moscas no verão.
Eis a razão do número incalculável de livros maus, essa erva daninha da literatura que tudo invade, que tira o alimento do trigo e o sufoca. De facto, eles arrancam tempo, dinheiro e atenção do público – coisas que, por direito, pertencem aos bons livros e aos seus nobres fins – e são escritos com a única intenção de proporcionar algum lucro ou emprego. Portanto, não são apenas inúteis, mas também positivamente prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura actual não possui outro objectivo senão o de extrair alguns táleres do bolso do público: para isso, autores, editores e recenseadores conjuraram firmemente.
Um golpe astuto e maldoso, porém notável, é o que teve êxito junto aos literatos, aos escrevinhadores que buscam o pão de cada dia e aos polígrafos de pouca conta, contra o bom gosto e a verdadeira educação da época, uma vez que eles conseguiram dominar todo o mundo elegante,
Volúpia
No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!A sombra entre a mentira e a verdade…
A nuvem que arrastou o vento norte…
– Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…
Toda reflexão que leve o homem para fora do estreito círculo do seu egoísmo é saudável e boa para a alma, seja qual for o caminho pelo qual enverede essa reflexão.
O Pão
Não é ainda um seio
mas quase. Na brancura.
Porém, onda de leite
a branca levedura.Um mecanismo incerto
de ferro e madrugada.
A fome e o excesso
futuros. Na seara.A fome e a carência
de sol(o) para a boca.
Não é ainda um campo
de areia. Ou terra solta.Um campo descampado
um canto com bolor.
É arte que se move
minéria como a água.Engenho de palato.
Alvéolo de pulmão.
Respira-se o exemplo
de sol. Oxigénio.Não é ainda um círculo
branco por toda a mesa:
manchado na toalha
de sombra e aspereza.Não é ainda uma ave
descendo sobre a pele:
um mecanismo triste
movendo a boca breve.
O Problema da Especialização
O domínio dos factos explicáveis pela ciência alargou enormemente, e o conhecimento teórico em todos os campos da ciência tem sido aprofundado, para além do que podia esperar-se. A capacidade de compreensão humana, porém, é e será sempre muito limitada. Assim não podia deixar de acontecer que a actividade do investigador individual tivesse que restringir-se a um sector, cada vez mais limitado, do conhecimento científico geral. Mas o mais grave é que esta especialização faz que a compreensão geral da ciência como um todo — sem a qual o verdadeiro investigador cristaliza forçosamente — tenha de marcar passo com a evolução, o que se torna cada vez mais difícil. Cria-se, assim, uma situação idêntica àquela que, na Bíblia, é simbolicamente representada pela História da torre de Babel. Todo o investigador honesto tem a dolorosa consciência dessa limitação involuntária a um círculo de compreensão cada vez mais apertado, que ameaça roubar as grandes perspectivas ao investigador e o reduz a simples obreiro.