Ondados Fios D’ouro Reluzente
Ondados fios d’ouro reluzente,
que, agora da mão bela recolhidos,
agora sobre as rosas estendidos,
fazeis que sua beleza se acrescente;Olhos, que vos moveis tão docemente,
em mil divinos raios entendidos,
se de cá me levais alma e sentidos,
que fora, se de vós não fora ausente?Honesto riso, que entre a mor fineza
de perlas e corais nasce e parece,
se n’alma em doces ecos não o ouvisse!Se imaginando só tanta beleza
de si, em nova glória, a alma se esquece,
que fará quando a vir? Ah! quem a visse!
Passagens sobre Eco
125 resultadosEu não acredito em Deus (não consigo acreditar em Deus), mas acredito em todos aqueles que acreditam. Sou o eco deles. Como todas as pessoas sinceras que se sentem circunscritas pelas suas limitações, tenho vergonha desta estreiteza. Ser térreo é terrível. Mas não é pecado.
Pai
Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim.
É obrigatório dizê-lo: pouca gente tem ouvidos puros. Ou mãos limpas. Ler um poema é poder fazê-lo, refazê-lo: eis o espelho, o mágico objecto do reconhecimento, o objecto activo de criação do rosto. O eco visual se quanto a rostos fosse apenas tê-los fora e ver.
Vida
Vida:
sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
cujos passos são horas
cadenciadas
rítmicas
fatais.
A cada movimento do teu corpo
dispersam asas de desejos
que me roçam a pele
e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
lutando e sofrendo
cantando e chorando
e ficam abertos meus braços:
nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço…
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
na oscilação nervosa
das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
e abro clareiras
na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
no roçar dos espinhos
minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
firme
gloriosa
tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
no lodo…
O vento da noite badala nos ramos
sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
do meu grito
que vêm de longe e de perto
do sul e do norte
que me envolvem
e esmagam:
— maldita selva,
A Imortalidade
Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas o são, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, é considerar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essa convicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam a imortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenas crêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar ou para o castigar.
Mais razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão. Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência da anterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto… Doutrinada por um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido a perfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrem a qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes, qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelas suas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifras pares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem o engenho e a estupidez.
(…) Ninguém é alguém,
Quando se vive só, não se fala muito alto, não se escreve também muito alto: receia-se o eco, o vazio do eco, a crítica da ninfa Eco. A solidão modifica as vozes.
Meditação Sobre os Poderes
Rubricavam os decretos, as folhas tristes
sobre a mesa dos seus poderes efémeros.
Queriam ser reis, czares, tantas coisas,
e rodeavam-se de pequenos corvos,
palradores e reverentes, dos que repetem:
és grande, ninguém te iguala, ninguém.
Repartiam entre si os tesouros e as dádivas,
murmurando forjadas confidências,
não amando ninguém, nada respeitando.
Encantavam-se com o eco liquefeito
das suas vozes comandando, decretando.
Banqueteavam-se com a pequenez
de tudo quanto julgavam ser grande,
com os quadros, com o fulgor novo-rico
das vénias e dos protocolos. Vinha a morte
e mostrava-lhes como tudo é fugaz
quando, humanamente, se está de passagem,
corpo em trânsito para lado nenhum.
Acabaram sempre a chorar sobre a miséria
dos seus títulos afundados na terra lamacenta.
Sonho Branco
Não pairas mais aqui. Sei que distante
Estás de mim, no grêmio de Maria
Desfrutando a inefável alegria
Da alta contemplação edificante.Mas foi aqui que ao sol do eterno dia
Tua alma, entre assustada e confiante,
Viu descender à paz purificante
Teu corpo, ainda cansado da agonia.Senti-te as asas de anjo em mesto arranco
Voejar aqui, retidas pelo aceno
Do irmão, saudoso de teu riso franco.Quarenta anos lá vão. De teu moreno
Encanto hoje resta? O eco pequeno,
Pequeno de teu sonho – um sonho branco!
I
Para cantar de amor tenros cuidados,
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento;
Ouvi pois o meu fúnebre lamento;
Se é, que de compaixão sois animados:Já vós vistes, que aos ecos magoados
Do trácio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de Anfião ao doce acento
Se viram os rochedos abalados.
Bem sei, que de outros gênios o Destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino:O canto, pois, que a minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama.
As Causas
Todas as gerações e os poentes.
Os dias e nenhum foi o primeiro.
A frescura da água na garganta
De Adão. O ordenado Paraíso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inúmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estóicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestígios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bússola incessante. O mar aberto.
O eco do relógio na memória.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.
Todos os poemas são canções de eco, procuram ser confirmados. De que sítio se lança a voz, que género de confirmação se pretende? A confirmação, sempre, do poema a si mesmo e em si mesmo.
Quadras da Minha Vida
Os ecos nos meus sentidos
Dos meus afectos doentes
São mais longos, mais compridos
Do que rastos de serpentes.Nasci profundo e pegado
A turbilhões de aflição:
Na cara trago estampado
O meu perfil de obsessão.Não creio que possa amar
Nem neste mundo ter jeito
De me encostar a outro leito
Sem desatar a chorar.Enterro os dias e os ais,
Sou uma pilheira de mortos,
Não tenho espaço pra mais!
Que se comam uns aos outros…
Dia de Descanso
Hoje reservo o dia inteiro para chorar
É o domingo decadente em que muitos
esperam pela morte de pé
É o dia do sarro que vem à boca da mediocridade
circular dos gestos que andam disfarçados de gestos
dos amores que deram em estribilhos
das correrias pederásticas para o futebol em calções
mais o melhor fato e a mesquinhez nacional dos 10%
de desconto em todo o vestuárioE choro choro porque a coragem
não me falta para tudo isto e assisto
na nega de me ceder ao braço dadoPrecisarei de um cansaço mas
lá estavam espertas
as mil e não sei quantas lojas abertas
para mo vender!Mas hoje é domingo
Lá está o chão reluzente de martírio
e nem já o sonho me dá de graça o ter por não ter
já nem o amor que suponho me dá o sonho de serE choro de coragem isto é
as lágrimas hão-de cair sêcas nas minhas mãos
Falo cristalinamente sozinho
procurando entre as paredes e as varandas que vão cair
algum acaso isto é
o eco,
Domicílio
… O apartamento abria
janelas para o mundo. Crianças vinham
colher na maresia essas notícias
da vida por viver ou da inconscientesaudade de nós mesmos. A pobreza
da terra era maior entre os metais
que a rua misturava a feios corpos,
duvidosos, na pressa. E de terraçoem solitude os ecos refluíam
e cada exílio em muitos se tornava
e outra cidade fora da cidadena garra de um anzol ia subindo,
adunca pescaria, mal difuso,
problema de existir, amor sem uso.
A Alegoria da Caverna
– Imagina agora o estado da natureza humana com respeito à ciência e à ignorância, conforme o quadro que dele vou esboçar. Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo tão-só ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feita colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem.
– Estou a imaginar tudo isso.
– Imagina homens que passem para além da parede, carregando objectos de todas as espécies ou pedra, figuras de homens e animais de madeira ou de pedra, de tal modo que tudo isso apareça por cima do muro. Os que tal transportam, ou falam uns com os outros,
O Vício da Glória
De todas as tolices do mundo, a mais aceite e mais universal é a preocupação com a reputação e a glória, que desposamos a ponto de deixar de lado as riquezas, o descanso, a vida e a saúde, que são bens reais e substanciais, para seguirmos essa vã imagem e essa simples palavra que não tem corpo nem pregnância: A fama, que encanta com a sua doce voz os mortais soberbos e que parece tão bela, é apenas um eco, um sonho, ou antes a sombra de um sonho, que ao menor sopro se dissipa e desvanece (Torquato Tasso). E, das veleidades desarrazoadas dos homens, parece que mesmo os filósofos se desfazem desta mais tarde e mais a contragosto que de qualquer outra.
É a mais pertinente e pertinaz: Pois não cessa de tentar até mesmo aqueles que progrediram no caminho da vitude (Santo Agostinho). Quase não há outra cuja vacuidade a razão aponte tão claramente; mas ela tem dentro de nós raízes tão vivas que não sei se alguém jamais conseguiu libertar-se totalmente. Depois que tudo dissestes e em tudo acreditastes para renegá-la, ela produz contra o vosso raciocínio uma inclinação tão intestina que mal tendes com que lhe resistir.
A poesia é um eco convidando uma sombra para dançar.
A Vida Anterior
Longos anos vivi sob um pórtico alto
De gigantes pilares, nobres, dominadores,
Que a luz, vinda do mar, esmaltava de cores,
Tornando-o semelhante às grutas de basalto.Chegavam até mim os ecos da harmonia
Do orfeão colossal das ondas chamejantes,
Ligando a sua voz às tintas deslumbrantes
Da luz crepuscular que em meus olhos fugia.Em meio do esplendor do céu, do mar, dos lumes,
Foi-me dado gozar, voluptuosas calmas!
Escravos seminus, rescendendo perfumes,Minha fronte febril refrescavam com palmas,
E tinham por missão apenas descobrir
A misteriosa dor que eu andava a carpirTradução de Delfim Guimarães
Vivemos numa Paz de Animais Domésticos
Uma cobra de água numa poça do choupal, a gozar o resto destes calores, e umas meninas histéricas aos gritinhos, cheias de saber que o bicho era tão inofensivo como uma folha.
Por fidelidade a um mandato profundo, o nosso instinto, diante de certos factos, ainda quer reagir. Mas logo a razão acode, e o uivo do plasma acaba num cacarejo convencional. Todos os tratados e todos os preceptores nos explicaram já quantas espécies de ofídios existem e o soro que neutraliza a mordedura de cada um. Herdamos um mundo já quase decifrado, e sabemos de cor as ervas que não devemos comer e as feras que nos não podem devorar. Vivemos numa paz de animais domésticos, vacinados, com os dentes caninos a trincar pastéis de nata, tendo aos pés, submissos, os antigos pesadelos da nossa ignorância. Passamos pela terra como espectros, indo aos jardins zoológicos e botânicos ver, pacata e sàbiamente, em jaulas e canteiros, o que já foi perigo e mistério. E, por mais que nos custe, não conseguimos captar a alma do brinquedo esventrado. O homem selvagem, que teve de escolher tudo, de separar o trigo do joio, de mondar dos seus reflexos o que era manso e o que era bravo,