Nem o regime mais repressivo consegue impedir os seres humanos de encontrar formas de comunicar e obter acesso à informação.
Passagens sobre Humanos
1876 resultadosAs Infelizes Necessidades do Homem Civilizado
Um autor célebre, calculando os bens e os males da vida humana, e comparando as duas somas, achou que a última ultrapassa muito a primeira, e que tomando o conjunto, a vida era para o homem um péssimo presente. Não fiquei surpreendido com a conclusão; ele tirou todos os seus raciocínios da constituição do homem civilizado. Se subisse até ao homem natural, pode-se julgar que encontraria resultados muito diferentes; porque perceberia que o homem só tem os males que se criou para si mesmo, o que à natureza se faria justiça. Não foi fácil chegarmos a ser tão desgraçados. Quando, de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens, tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, abismos entulhados, montanhas arrasadas, rochedos quebrados, rios tornados navegáveis, terras arroteadas, lagos cavados, pantanais dissecados, construções enormes elevadas sobre a terra, o mar coberto de navios e marinheiros, e quando, olhando do outro lado, procuramos, meditando um pouco as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, só nos podemos impressionar com a espantosa desproporção que reina entre essas coisas, e deplorar a cegueira do homem, que, para nutrir o seu orgulho louco, não sei que vã admiração de si mesmo,
A ambição é uma paixão tão imperiosa no coração humano, que, mesmo que galguemos as mais elevadas posições, nunca nos sentimos satisfeitos.
A bajulação é a moeda falsa que só circula por causa da vaidade humana.
Os Especialistas São Muitos e Felizes
Um especialista é um homem que sabe qualquer coisa de uma coisa e nada de todas as coisas. De uma coisa não se pode saber senão qualquer coisa, porque o conhecimento humano é limitado. E, para perceber qualquer coisa seria preciso perceber todas as coisas, pois uma coisa é parte de todas as coisas. O especialista, pois, é um homem que não sabe nada e vive dessa ciência.
O especialista é útil apenas quando a sua especialidade é tão restrita que não tem importância. Pode haver bons especialistas de pregar pregos; não pode haver bons especialistas de construção de civilizações. Há muito bons cavadores e nenhum bom psiquiatra.
O especialista é um homem que tem a opinião dos outros, embora sobre um só assunto. O especialista é incapaz de iniciativa. Por isso os especialistas são muitos e felizes.Álvaro de
A Diferença entre Ficção e Crença
Não há nada mais livre do que a imaginação humana; embora não possa ultrapassar o stock primitivo de ideias fornecidas pelos sentidos externos e internos, ela tem poder ilimitado para misturar, combinar, separar e dividir estas ideias em todas as variedades da ficção e da fantasia imaginativa e novelesca. Ela pode inventar uma série de eventos com toda a aparência de realidade, pode atribuir-lhes um tempo e um lugar particulares, concebê-los como existentes e descrevê-los com todos os pormenores que correspondem a um facto histórico, no qual ela acredita com a máxima certeza. Em que consiste, pois, a diferença entre tal ficção e a crença?
Ela não se localiza simplesmente numa ideia particular anexada a uma concepção que obtém o nosso assentimento, e que não se encontra em nenhuma ficção conhecida. Pois, como o espírito tem autoridade sobre todas as suas ideias, poderia voluntariamente anexar esta ideia particular a uma ficção e, por conseguinte, seria capaz de acreditar no que lhe agradasse, embora se opondo a tudo que encontramos na experiência diária. Podemos, quando pensamos, juntar a cabeça de um homem ao corpo de um cavalo, mas não está em nosso poder acreditar que semelhante animal tenha alguma vez existido.
O humano é o que temos de preservar e defender em todas as circunstâncias: o capitalismo já sabemos que não o fará.
Esta é a mais dolorosa de todas as doenças humanas: dispor de todo o conhecimento e ainda não ter nenhum poder de ação.
Paisagem
Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno dessa praia.E desejei: «Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)
Os Caminhos Insondáveis do Progresso da Humanidade
O progresso não é necessário por uma necessidade metafísica: pode-se dizer apenas que muito provavelmente a experiência acabará por eliminar as falsas soluções e por se livrar dos impasses. Mas a que preço, por quantos meandros? Não se pode nem mesmo excluir, em princípio, que a humanidade, como uma frase que não se consegue concluir, fracasse no meio do caminho.
Decerto o conjunto dos seres conhecidos pelo nome de homens e definidos pelas características físicas que se conhecem tem também em comum uma luz natural, uma abertura ao ser que torna as aquisições da cultura comunicáveis a todos eles e somente a eles. Mas esse lampejo que encontramos em todo o olhar dito humano é visto tanto nas formas mais cruéis do sadismo quanto na pintura italiana. É justamente ele que faz com que tudo seja possível da parte do homem, e até o fim.
Supreme Convulsion
O equilíbrio do humano pensamento
Sofre também a súbita ruptura,
Que produz muita vez, na noite escura,
A convulsão meteórica do vento.E a alma o obnóxio quietismo sonolento
Rasga; e, opondo-se à Inércia, é a essência pura,
É a síntese, é o transunto, é a abreviatura
Do todo o ubiqüitário Movimento!Sonho, – libertação do homem cativo –
Ruptura do equilíbrio subjetivo,
Ah! foi teu beijo convulsionadorQue produziu este contraste fundo
Entre a abundância do que eu sou, no Mundo,
E o nada do meu homem interior!
A Forma Justa
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universoPor isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
Um Cérebro Ilimitado
Uma das coisas únicas do cérebro humano é que pode fazer apenas o que pensa poder fazer. No momento em que diz “A minha memória já não é o que era” ou “Hoje não me lembro de uma só coisa”, está de facto a treinar o cérebro para corresponder às suas diminuídas expetativas. Baixas expetativas equivalem a baixos resultados. A primeira regra do supercérebro é que o seu cérebro está sempre a espiar os seus pensamentos. Assim escuta, assim aprende. Se lhe ensinar limitação, o seu cérebro ficará limitado. Mas, e se fizer o oposto? E se ensinar o seu cérebro a ser ilimitado?
Pense no seu cérebro como sendo um piano de cauda Steinway. Todas as teclas estão no lugar, prontas a soar ao toque de um dedo. Seja um principiante a sentar-se ao teclado ou um virtuoso de renome mundial como Vladimir Horowitz ou Arthur Rubinstein, o instrumento é fisicamente o mesmo. Mas a música que dele ressoará será inteiramente diferente. O principiante usa menos de 1% do potencial do piano; o virtuoso transcende os limites do instrumento.
Se o mundo da música não dispusesse de virtuosos, ninguém jamais adivinharia as coisas espantosas que um Steinway de cauda pode fazer.
Começara por nutrir relativamente a Carlo este sentimento de que somos mais ricos, a indiferença, pois que o devotamos a cerca de dois bilhões de seres humanos.
O Homem não Deseja a Paz
Que estranho bicho o homem. O que ele mais deseja no convívio inter-humano não é afinal a paz, a concórdia, o sossego colectivo. O que ele deseja realmente é a guerra, o risco ao menos disso, e no fundo o desastre, o infortúnio. Ele não foi feito para a conquista de seja o que for, mas só para o conquistar seja o que for. Poucos homens afirmaram que a guerra é um bem (Hegel, por exemplo), mas é isso que no fundo desejam. A guerra é o perigo, o desafio ao destino, a possibilidade de triunfo, mas sobretudo a inquietação em acção. Da paz se diz que é «podre», porque é o estarmos recaídos sobre nós, a inactividade, a derrota que sobrevém não apenas ao que ficou derrotado, mas ainda ou sobretudo ao que venceu. O que ficou derrotado é o mais feliz pela necessidade iniludível de tentar de novo a sorte. Mas o que venceu não tem paz senão por algum tempo no seu coração alvoroçado. A guerra é o estado natural do bicho humano, ele não pode suportar a felicidade a que aspirou. Como o grupo de futebol, qualquer vitória alcançada é o estímulo insuportável para vencer outra vez.
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Esta inconstancia de mim próprio em vibração
É que me ha de transpôr às zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de inquietação,
A retinir, a ondular… Soltas as rédeas,
Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar
A tôrre d’ouro que era o carro da minh’Alma,
Transviarão pelo deserto, muribundos de Luar –
E eu só me lembrarei num baloiçar de palma…
Nos oásis, depois, hão de se abismar gumes,
A atmosfera ha de ser outra, noutros planos:
As rãs hão de coaxar-me em roucos tons humanos
Vomitando a minha carne que comeram entre estrumes…* * *
Há sempre um grande Arco ao fundo dos meus olhos…
A cada passo a minha alma é outra cruz,
E o meu coração gira: é uma roda de côres…
Não sei aonde vou, nem vejo o que persigo…
Já não é o meu rastro o rastro d’oiro que ainda sigo…
Resvalo em pontes de gelatina e de bolôres…
Hoje, a luz para mim é sempre meia-luz…. . . . . . . . . . .
O Bem Supremo
Muito discutiu a antiguidade em torno do supremo bem. O que é o supremo bem? Seria o mesmo que perguntar o que é o supremo azul, o supremo acepipe, o supremo andar, o ler supremo, etc. Cada um põe a felicidade onde pode, e quanto pode ao seu gosto. (…) Sumo bem é o bem que vos deleita a ponto de nos polarizar toda a sensibilidade, assim como mal supremo é aquele que vos torna completamente insensível. Eis os dois pólos da natureza humana. Esses dois momentos são curtos. Não existem deleites extremos nem extremos tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem e supremo mal são quimeras.Conhecemos a bela fábula de Crântor, que fez comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a Saúde e a Virtude.
Fortuna: – O sumo bem sou eu, pois comigo tudo se obtém.
Volúpia: – Meu é o pomo, porquanto não se aspira à riqueza senão para ter-me a mim.
Saúde: – Sem mim não há volúpia e a riqueza seria inútil.
Virtude: – Acima da riqueza, da volúpia e da saúde estou eu, que embora com ouro, prazeres e saúde pode haver infelicidade, se não há virtude.
O Homem Age Sempre Bem
Não acusamos a Natureza de imoral, se ela nos manda uma trovoada e nos molha: porque chamamos imoral à pessoa que prejudica? Porque, aqui, admitimos uma vontade livre exercendo-se arbitrariamente; ali, uma necessidade. Mas essa distinção é um erro. E mais: nem em todas as circunstâncias chamamos «imoral» mesmo ao acto de lesar com intenção; por exemplo, mata-se deliberadamente um mosquito, sem hesitação, apenas porque o seu zumbido nos desagrada, castiga-se com intenção o criminoso e inflige-se-Ihe sofrimento, para nos protegermos a nós e à sociedade. No primeiro caso, é o indivíduo que, para se manter ou até para não se expor a um desagrado, faz sofrer intencionalmente; no segundo, é o Estado. Toda a moral aceita que se faça mal de propósito, em legítima defesa: ou seja, quando se trata da conservação de si próprio! Mas estes dois pontos de vista bastam para explicar todas as más acções cometidas por seres humanos contra seres humanos: ou se quer prazer para si ou se quer evitar desprazer; em qualquer dos sentidos, trata-se sempre da conservação de si próprio. Sócrates e Platão também têm razão: seja o que for que o homem faça, ele faz sempre o bem, isto é, aquilo que lhe parece bom (útil),
As Perguntas Verdadeiramente Importantes
As perguntas verdadeiramente importantes são as que uma criança pode formular – e apenas essas. Só as perguntas mais ingénuas são realmente perguntas importantes. São as interrogações para as quais não há resposta. Uma pergunta para a qual não há resposta é um obstáculo para lá do qual não se pode passar. Ou, por outras palavras: são precisamente as perguntas para as quais não há resposta que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência.
Nada desperta mais o interesse das pessoas do que a tragédia humana.