Iniciação
Entre pedras afiadas,
a janela por abrir.
Alguém o acompanhanos recados da manhã:
sal 12 pães 1 kg de maçãs
fósforos canela.Ao sair da mercearia,
roubaram-lhe os pedais da bicicleta,
a roda de orações.Mãe, quis saber,
quem tomou conta de mim
quando eras pequenina?
Passagens sobre Maçãs
43 resultadosJunto à minha rua havia um bosque, Que um muro alto proibia, Lá todo balão caía, Toda maçã nascia, E o dono do bosque nem via, Do lado de lá tanta aventura, E eu a espreitar na noite escura,A dedilhar essa modinha, A felicidade, Morava tão vizinha, Que, de tolo, Até pensei que fosse minha.
Diferença das visões que se pode ter, por exemplo, de uma maçã: a visão do menino que precisa de esticar o pescoço para ainda ver a maçã sobre o tampo da mesa e a do dono da casa, que pega a maçã e a estende livremente ao companheiro de mesa.
Um Segredo
Meu pai tinha sandálias de vento
só agora o sei.
Tinha sandálias de vento
e isto nem sequer é uma maneira de dizer
andava por longe os olhos fugidos a expressão em
[nenhures
com as miraculosas instantaneidades que nos fazem
[estar em todos os sítios.Andava por longe meu pai sonhando errando vadiando
mas toda a sua ausência era
o malogro de o ser
só agora o sei.
Andava por longe ou sentíamo-lo longe
vem dar no mesmo
e no entanto víamo-lo sempre
ali plantado de imobilidade absorta
no cepo de carvalho raiado de negro
a que o caruncho comera o miolo
como as lagartas esvaziam as maçãs
estranhamente quieto murcho resignado
no seu estranho vadiar
os olhos aguados numa tristeza que hoje me dói
como um apelo perdido uma coragem abortada.
Ausência era tão de mágoa urdida tão de fracasso
[tingida
ausência era
altiva e desolada altiva e triste sobretudo triste
tristeza sim tristeza solene e irremediada
só agora o sei.Às vezes parecia-me uma águia que atravessa os ares
sulco azul
que nada distingue do azul onde foi sulcado
e por isso nem é águia nem ao menos
o que do seu voo resta para que
o sonho se faça real.
Fonte – I
Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo –
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.
Abrindo os olhos da mente vemos que boa sorte está em toda parte, esperando-nos de braços abertos. Para Newton, que descobriu a gravitação da Terra, a sorte estava na queda de uma maçã. Para Franklin, que descobriu a existência da eletricidade na atmosfera, a sorte estava na ocorrência de relâmpagos. Os que têm os olhos da mente abertos ‘enxergam’ a sorte em coisas e fatos, para os quais a maioria não dá importância.
Não me posso resumir, porque não se pode somar uma cadeira e 2 maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo
A maçã podre perde as outras.
Toda a História humana atesta, que a felicidade para o Homem – o insaciável pecador! – desde que Eva comeu a maçã, depende em grande parte do jantar
O Egoísmo da Espécie
Os amantes querem pertencer um ao outro, e para toda a eternidade. Exprimem-se de maneira assaz curiosa quando se abraçam num instante de profunda intimidade para gozarem assim do máximo prazer e da mais alta felicidade que o amor lhes pode dar. Mas o prazer é egoísta. Não há dúvida que do prazer dos amantes não se pode dizer que seja egoísta, porque é recíproco; mas o prazer que ambos sentem na união é absolutamente egoísta, se for verdade que nesse abraço já se confundem num só e mesmo ser. Mas estão enganados; porque, no mesmo instante, a espécie triunfa sobre os indivíduos; domina-os, rebaixa-os, ao seu serviço.
Julgo isto muito mais ridículo do que a situação considerada cómica por Aristófanes. Porque o cómico desta bipartição reside em ser contraditória, o que Aristófanes não salientou suficientemente. Quem vê um homem, crê ver um ser inteiro e independente, um indivíduo, o que toda a gente admite até que observe que, apoderado pelo amor, ele não passa de uma metade que corre à procura da outra metade.
Nada há que seja cómico na metade de uma maçã; cómico seria tomar por maçã inteira a metade de uma maçã; não há contradição no primeiro caso,
Ruína
Sem encontrar-se.
Viajante pelo seu próprio torso branco.
Assim ia o ar.Logo se viu que a lua
era uma caveira de cavalo
e o ar uma maçã escura.Detrás da janela,
com látegos e luzes se sentia
a luta da areia contra a água.Eu vi chegarem as ervas
e lhes lancei um cordeiro que balia
sob seus dentezinhos e lancetas.Voava dentro de uma gota
a casca de pluma e celulóide
da primeira pomba.As nuvens, em manada,
ficaram adormecidas contemplando
o duelo das rochas contra a aurora.Vêm as ervas, filho;
já soam suas espadas de saliva
pelo céu vazio.Minha mão, amor. As ervas!
Pelos cristais partidos da morada
o sangue desatou suas cabeleiras.Tu somente e eu ficamos;
prepara teu esqueleto para o ar.
Eu só e tu ficamos.Prepara teu esqueleto;
é preciso ir buscar depressa, amor, depressa,
nosso perfil sem sonho.
As Adolescentes
A pele mosqueada da maçã reineta,
um ar vago e doce, feliz.
Subitamente correm como rapazes,
são a corda do arco
que se dilata e a seta do corpo
chega aos quinze anos,
quando abrem as ancas
e amam como se fossem mães.
De que Serve Discutir as Ideologias?
Para compreendermos o homem e as suas necessidades, para o conhecermos naquilo que ele tem de essencial, não precisamos de pôr em confronto as evidências das nossas verdades. Sim, têm razão. Têm todos razão. A lógica demonstra tudo. Tem razão aquele que rejeita que todas as desgraças do mundo recaiam sobre os corcundas. Se declararmos guerra aos corcundas, aprenderemos rapidamente a exaltar-nos. Vingaremos os crimes dos corcundas. E, sem dúvida, também os corcundas cometem crimes.
A fim de tentarmos separar este essencial, é necessário esquecermos por um instante as divisões que, uma vez admitidas, implicam todo um Corão de verdades inabaláveis e o inerente fanatismo. Podemos classificar os homens em homens de direita e em homens de esquerda, em corcundas e não corcundas, em fascistas e em democratas, e estas distinções são incontestáveis.
Mas sabem que a verdade é aquilo que simplifica o mundo, e não aquilo que cria o caos. A verdade é a linguagem que desencadeia o universal.
Newton não «descobriu» uma lei há muito disfarçada de solução de enigma, Newton efectuou uma operação criativa. Instituiu uma linguagem de homem capaz de exprimir simultaneamente a queda da maçã num prado ou a ascensão do sol.
Para poder fazer uma torta de maçãs do início, você deve antes criar o universo.
A maçã podre estraga a companheira.
Nem toda maçã é igual à outra; existe ainda aquela diferenciada por seu conteúdo rico e sua beleza duradoura.
Filosofias de Vida
A cada etapa da vida do homem corresponde uma certa Filosofia. A criança apresenta-se como um realista, já que está tão convicta da existência da peras e das maçãs como da sua. O adolescente, perturbado por paixões interiores, tem que dar maior atenção a si mesmo, tem que se experimentar antes de experimentar as coisas, e transforma-se protanto num idealista. O homem adulto, pelo contrário, tem todos os motivos para ser um céptico, já que é sempre útil pôr em dúvida os meios que se escolhem para atingir os objectivos. Dito de outro modo, o adulto tem toda a vantagem em manter a flexibilidade do entendimento, antes da acção e no decurso da acção, para não ter que se arrepender posteriormente dos erros de escolha. Quanto ao ancião, converter-se-á necessariamente ao misticismo, porque olha à sua volta e as mais das coisas lhe parecem depender apenas do acaso: o irracional triunfa, o racional fracassa, a felicidade e a infelicidade andam a par sem se perceber porquê. É assim e assim foi sempre, dirá ele, e esta última etapa da vida encontra a acalmia na contemplação do que existe, do que existiu e do que virá a existir.
Sonhar com maçãs é desgosto.
À Toa
O Primeiro Homem
Que lindo mundo! E eu só! Que tortura tamanha!
Ninguem! Meu pae é o céu. Minha mãe é a montanha.A Montanha
Os meus cabellos são os pinheiraes sombrios
E veias do meu corpo os azulados rios.Os Rios
Nós somos o suor que o Estio asperge e sua,
Nós somos, em Janeiro, a agoa-benta da Lua!A Lua
Eu sou a bala, no Ar detida, d’essa guerra
Que teve contra Deus, em seu principio, a Terra…A Terra
E eu uma das maçãs, entre outras a primeira,
Que certo Virgem viu cair d’uma macieira!A Macieira
Tantas ainda por cair! Vinde colhel-as!
Abanae a macieira e cairão estrellas!A Estrellas
No mar, á noite, reflectimo-nos, a olhar,
E formamos, assim, as Estrellas-do-mar…O Mar
Sou padre. São d’agoa meus Santos-Evangelhos:
Accendei meu altar, relampagos vermelhos!Os Relampagos
Nós somos (o contrario, embora, seja escripto)
Os fogos-tátuos d’esta cova do Infinito…O Infinito
Sou o mar sem borrasca,
As Mães
Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terão morrido. Passaram o verão todo a transformar a luz em canto – não sei de destino mais glorioso. Quem lá encontraremos, pela certa, são aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos, como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem órfãs. Não as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro, elas estão em toda a parte onde nasça o sol: em Cória ou Catania, em Mistras ou Santa Clara del Cobre, em Varchats ou Beni Mellal, porque elas são as Mães. O olhar esperto ou sonolento, o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes, elas são as Mães. A tua; a minha, se não tivera morrido tão cedo, sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. Provavelmente estão aí desde a primeira estrela. E como duram! Feitas de urze ressequida, parecem imortais. Se o não forem, são pelo menos incorruptíveis, como se participassem da natureza do fogo. Com mãos friáveis teceram a rede dos nossos sonhos, alimentaram-nos com a luz coada pela obscuridade dos seus lenços. Às vezes encostam-se à cal dos muros a ver passar os dias,