Todas as Nossas Paixões se Justificam a Si Próprias
Existem duas ocasiões distintas em que examinamos a nossa própria conduta e buscamos vê-la sob a luz em que o espectador imparcial a veria: primeiro, quando estamos prestes a agir; e, segundo, depois que agimos. Em ambos os casos os nossos juízos tendem a ser bastante parciais, mas eles tendem a tornar-se ainda mais parciais quando seria da maior importância que não fossem. Quando estamos prestes a agir, a veemência da paixão raramente nos permitirá considerá-la com a isenção de uma pessoa neutra. As violentas emoções que nesse momento nos agitam distorcem os nossos juízos sobre as coisas, mesmo quando buscamos colocar-nos na situação de outra pessoa. (…) Por essa razão, como diz Malebranche, todas as nossas paixões se justificam a si próprias, e parecem razoáveis e proporcionais aos seus objectos enquanto nós estivermos a senti-las. (… ) A opinião que cultivamos do nosso próprio carácter depende inteiramente dos nossos juízos acerca da nossa conduta passada. Mas é tão desagradável pensarmos mal de nós mesmos que amiúde afastamos propositadamente o nosso olhar das circunstâncias que poderiam tornar o julgamento desfavorável. (…) Esse auto-engano, essa fraqueza fatal dos homens, é a fonte de metade das desordens da vida humana. Se pudéssemos ver-nos como os outros nos vêem,
Passagens sobre Metades
194 resultadosDinheiro sem santidade vale menos de metade.
Amar é metade de crer.
Os tolos se perdem porque não pensam. Não enxergam nem metade das coisas, e, por não perceberem nem as suas vantagens, nem o seu prejuízo, empregam mal os seus esforços.
Os optimistas fazem metade do que dizem, os pessimistas não fazem nada.
O autor só escreve metade do livro. Da outra metade, deve ocupar-se o leitor.
O Comportamento Simbólico e o Comportamento Inequívoco
Na verdade, encontramos desde as origens da história humana estas duas formas de comportamento, a simbólica e a inequívoca. O ponto de vista do inequívoco é a lei do pensamento e da acção despertos, que domina quer uma conclusão irrefutável da lógica quer o cérebro de um chantagista que pressiona passo a passo a sua vítima, uma lei que resulta das necessidades da vida, às quais sucumbiríamos se não fosse possível dar uma forma inequívoca às coisas. O símbolo, por seu lado, é a articulação de ideias próprias do sonho, é a lógica deslizante da alma, a que corresponde o parentesco das coisas nas intuições da arte e da religião; mas também tudo o que na vida existe de vulgares inclinações e aversões, de concordância e repulsa, de admiração, submissão, liderança, imitação e seus contrários, todas estas relações do homem consigo e com a natureza, que ainda não são puramente objectivas e talvez nunca venham a sê-lo, só podem ser entendidas em termos simbólicos.
Aquilo a que se chama a humanidade superior mais não é, com certeza, do que a tentativa de fundir estas duas metades da vida, a do símbolo e a da verdade, cuidadosamente separadas antes. Mas quando separamos num símbolo tudo aquilo que talvez possa ser verdadeiro do que é apenas espuma,
O Egoísmo da Espécie
Os amantes querem pertencer um ao outro, e para toda a eternidade. Exprimem-se de maneira assaz curiosa quando se abraçam num instante de profunda intimidade para gozarem assim do máximo prazer e da mais alta felicidade que o amor lhes pode dar. Mas o prazer é egoísta. Não há dúvida que do prazer dos amantes não se pode dizer que seja egoísta, porque é recíproco; mas o prazer que ambos sentem na união é absolutamente egoísta, se for verdade que nesse abraço já se confundem num só e mesmo ser. Mas estão enganados; porque, no mesmo instante, a espécie triunfa sobre os indivíduos; domina-os, rebaixa-os, ao seu serviço.
Julgo isto muito mais ridículo do que a situação considerada cómica por Aristófanes. Porque o cómico desta bipartição reside em ser contraditória, o que Aristófanes não salientou suficientemente. Quem vê um homem, crê ver um ser inteiro e independente, um indivíduo, o que toda a gente admite até que observe que, apoderado pelo amor, ele não passa de uma metade que corre à procura da outra metade.
Nada há que seja cómico na metade de uma maçã; cómico seria tomar por maçã inteira a metade de uma maçã; não há contradição no primeiro caso,
A gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade.
Raramente vale a pena ser rude. Nunca vale a pena ser rude pela metade.
O ator é metade gente metade personagem, não se distinguindo bem as metades.
Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre.
Recomeça… se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade.
Um bom começo é a metade.
A Opinião Alheia
Na realidade, o valor e a preocupação constante que atribuímos à opinião alheia ultrapassam, em regra, quase todo o objectivo ponderado, de modo que ela pode ser vista como uma espécie de mania generalizada ou, antes, inata.
Em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, levamos em consideração a opinião alheia quase antes de qualquer outra coisa, e se fizermos uma análise precisa veremos que dessa preocupação nasce praticamente a metade de todas as aflições e de todos os temores sentidos por nós. Pois a opinião alheia é a origem de todo o nosso amor próprio – muitas vezes magoado por ter uma sensibilidade doentia -, de todas as nossas vaidades e pretensões, bem como de nosso fausto e de nossa presunção.
Não Amar nem Odiar
Se possível, não devemos alimentar animosidade contra ninguém, mas observar bem e guardar na memória os procedimentos de cada pessoa, para então fixarmos o seu valor, pelo menos naquilo que nos concerne, regulando, assim, a nossa conduta e atitude em relação a ela, sempre convencidos da imutabilidade do carácter. Esquecer qualquer traço ruim de uma pessoa é como jogar fora dinheiro custosamente adquirido. No entanto, se seguirmos o presente conselho, estaremos a proteger-nos da confiabilidade e da amizade tolas.
«Não amar, nem odiar», eis uma sentença que contém a metade da prudência do mundo; «nada dizer e em nada acreditar» contém a outra metade. Decerto, daremos de bom grado as costas a um mundo que torna necessárias regras como estas e como as seguintes.
Mostrar cólera e ódio nas palavras ou no semblante é inútil, perigoso, imprudente, ridículo e comum. Nunca se deve revelar cólera ou ódio a não ser por actos; e estes podem ser praticados tanto mais perfeitamente quanto mais perfeitamente tivermos evitado os primeiros. Apenas animais de sangue frio são venenosos.
Falar sem elevar a voz: essa antiga regra das gentes do mundo tem por alvo deixar ao entendimento dos outros a tarefa de descobrir o que dissemos.
O prazer é a energia que une e agrega. Quanto vale uma noite de prazer absoluto? Metade do mundo não consegue compreender os prazeres na outra metade.
Poema Cansado de Certos Momentos
Foi-se tudo
como areia fina escoada pelos dedos.
Mãe! aqui me tens,
metade de mim,
sem saber que metade me pertence.
Aqui me tens,
de gestos saqueados,
onde resta a saudade de ti
e do teu mundo de medos.
Meus braços, vê-os, estão gastos
de pedir luz
e de roubar distâncias.
Meus braços
cruzados
em cruz de calvário dos meus degredos.
Ai que isto de correr pela vida,
dissipando a riqueza que me deste,
de levar em cada beijo
a pureza que pariste e embalaste,
ai, mãe, só um louco ou um Messias
estendendo a face de justopara os homens cuspirem o fel das veias,
só um louco, ou um poeta ou um Cristo
poderá beijar as rosas que os espinhos sangram
e, embora rasgado, beber o perfume
e continuar cantando.
Mãe! tu nunca previste
as geadas e os bichos
roendo os campos adubados
e o vizinho largando a fúria dos rebanhos
pela flor menina dos meus prados.
E assim, geraste-me despido
como as ervas,
e não olhaste os pegos nem as cobras,
Passamos metade da vida à espera daqueles que amamos e a outra metade a deixar os que amamos.
Se a vaidade tivesse que abandonar o mundo, metade da virtude desapareceria com ela; quantos de nós somos apenas orgulhosos das nossas várias virtudes!