Textos sobre Mil

122 resultados
Textos de mil escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Aprender a Ler

Tive muita dificuldade em aprender a ler. Não me parecia lógico que a letra «m» se chamasse «éme» e, no entanto, com a vogal seguinte não se dissesse «éme» e sim «ma». Era-me impossível ler assim. Por fim, quando cheguei ao Montessori, a professora não me ensinou os nomes mas sim os sons das consoantes. Assim pude ler o primeiro livro que encontrei numa arca poeirenta da arrecadação da casa. Estava descosido e incompleto, mas absorveu-me de uma forma tão intensa que o namorado da Sara, ao passar, deixou cair uma premonição aterradora: «Caramba!, este menino vai ser escritor».

Dito por ele, que vivia de escrever, causou-me uma grande impressão. Passaram vários anos antes de saber que o livro era «As Mil e Uma Noites». O conto de que mais gostei – um dos mais curtos e o mais simples que li — continuou a parecer-me o melhor para o resto da minha vida, embora agora não esteja seguro de que fosse lá que o li nem ninguém me tenha podido esclarecer. O conto é este: um pescador prometeu a uma vizinha oferecer-lhe o primeiro peixe que pescasse se ela lhe emprestasse um chumbo para a sua rede e,

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O Tipo de Homem que Eu Sou

Agora é necessário que eu deva dizer que tipo de homem sou. O meu nome não importa, nem qualquer outro pormenor exterior particular acerca de mim. Do meu carácter alguma coisa deve ser dita.

Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim, todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, uma incerteza para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo é significado. Todas as coisas são «desconhecidos» simbólicos do Desconhecido. Consequentemente horror, mistério, medo supra-inteligente.

Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo enquadramento da minha juventude, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isso eu sou das espécies internas de caráter, auto-centrado, mudo, não auto-suficiente mas auto-perdido. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror de, na incapacidade que permeia tudo o que me é, fisicamente e mentalmente, por actos decisivos, por pensamentos definidos. Eu nunca tive uma resolução nascida de uma auto-determinação, nunca uma traição externa de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi terminado;

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Os Grandes Homens

Daqueles que comandaram batalhões e esquadrões só resta o nome. O género humano nada tem para mostrar duma centena de batalhas travadas. Mas os grandes homens de que vos falo prepararam puros e perenes prazeres para os homens que ainda hão-de nascer. Uma eclusa a ligar dois mares, um quadro de Poussin, uma bela tragédia, uma nova verdade – são coisas mil vezes mais preciosas do que todos os anais da corte ou todos os relatos de campanhas militares. Sabeis que, comigo, os grandes homens são os primeiros e os heróis os últimos.
Chamo «grandes homens» a todos aqueles que se distinguiram na criação daquilo que é útil ou agradável. Os saqueadores de províncias são meros heróis.

A Delicadeza de Expressão

As regras e os preceitos não são de grande ajuda para se aprender a falar delicadamente, se a natureza não concorrer para isso. A delicadeza de que falo é menos o efeito da arte do que de uma imaginação viva e venturosa, que sem se esforçar encontra termos apropriados para exprimir aquilo que se pensou; mas, para falar delicadamente, é necessário pensar delicadamente. A maioria das mulheres de qualidade que têm muito espírito e frequentam a sociedade falam com delicadeza, e embora não inventem palavras novas, colocam tão bem os termos de que se servem, que eles parecem inteiramente novos e feitos especialmente para significar o que elas querem dizer. Elas exprimem todo um sentimento numa única palavra, e deixam ainda mil coisas agradáveis a adivinhar; é nisso que consiste a tal delicadeza da expressão. Ela não consiste de modo algum em palavras grandiosas, num longo agrupamento de palavras harmoniosas, em frases muito rebuscadas; é necessário não sei quê de natural, de desenvolto, de simples, de ingénuo, de fácil, mas vivo e engenhoso.

A Tempestade do Destino

Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcção. Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu. Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar, mergulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta a outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direcção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deves imaginar.
(…) E não há maneira de escapar à violência da tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não te iludas: por mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-te-á a carne como mil navalhas de barba.

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Mudar para Melhor

Acredito piamente que enquanto tivermos o privilégio de encher o peito de ar e respirar, de pisar o chão quente ou frio de cada estação, de ver as mil cores que temos à nossa frente, de ouvir as mais belas composições que a natureza tem para nos oferecer e de cheirar cada uma das maravilhosas fragrâncias que existem em nosso redor, acredito que enquanto isso nos for possível, enquanto nos for possível sentir desta maneira e com esta intensidade, é nossa obrigação mudar para melhor, abandonar o que trazemos vestido há anos ou desde sempre, revestirmo-nos de uma nova pele e escalar, escalar, escalar até nos aproximarmos do nosso céu, daquele manto estrelado e infinito que é o amor por nós mesmos, a plenitude, lugar onde habita, entre outras coisas, a nossa confiança.

O Meu Carácter

Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou. Não importa o meu nome, nem quaisquer outros pormenores externos que me digam respeito. É acerca do meu carácter que se impõe dizer algo.
Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é horror, mistério, um medo por de mais inteligente.
Pelas minhas tendências naturais, pelas circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela influência dos estudos feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) – por tudo isto o meu carácter é do género interior, autocêntrico, mudo, não auto-suficiente mas perdido em si próprio. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do autodomínio, jamais traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos,

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Os Dias Bons

Os dias bons são os dias em que se acorda, tendo dormido oito, nove ou, melhor ainda, dez horas e, reflectindo naquela ronha de quem já não consegue dormir mais mas gosta de ficar na cama (porque a temperatura e a companhia são perfeitas), se lembra que não tem nada para fazer, senão tomar o pequeno-almoço, o almoço, o chá e o jantar. E, se quiser, entretanto, nalgum intervalo qualquer, trabalhar, tanto melhor. Mas não importa. Dias de domingos antigos: dias de prazer sem saber.
Os dias bons nunca acontecem. Acontecem, quando muito, cinco ou dez mil vezes numa vida. Três míseros anos já têm mais de mil. Domingo, daqui a uma semana, terei a sorte nunca tida de estar casado e feliz com a Maria João há 12 anos. Doze anos cheios de dias bons, impossíveis de contar.
O amor, para quem é mais novo e não sabe como fazer, não é uma técnica ou uma táctica. Não há segredo. Não há lições. Ou se ama ou não se ama. Ou se é também amado ou não se é. Esperar é o melhor conselho. Experimentar é o pior. O segredo não é ter paciência: é conseguir manter a impaciência num estado de excelsitude.

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Preferimos os Nossos Próprios Males

Em todas as situações em que nos coloca a Fortuna, comparamo-nos ao que está acima de nós e olhamos para aqueles que estão melhor que nós. Confrontemo-nos com o que está abaixo: não há niguém que seja tão mal-aventurado que não encontre mil exemplos com que se consolar. É defeito nosso antes encararmos de má vontade o que se acha à nossa frente que de bom grado o que se acha atrás. E, no entanto, como dizia Sólon, se num montão se empilhassem todos os males, não haveria ninguém que não preferisse continuar com os males que tem a chegar, com todos os outros homens, a uma equitativa repartição desse montão de males e a ficar com a sua quota-parte.

O Mais Leve Sinal de Significação

Às vezes esqueço-me disto. Mas sempre que me lembro e posso, maravilho-me a ver como esta inacreditável fauna humana germina. Sento-me num café e fico uma hora inteira a ver passar na rua as trinta mil pessoas da cidade. Convencidas, vencidas, alegres, tristes, inquietas, calmas, seguras, inseguras, deslizam como imagens num écran. Naquele momento, dir-se-ia que cada uma concentra em si o destino do mundo. E, afinal, um segundo depois, não fica no seu caminho o mais leve sinal de tanta significação que parecia ter. Representou apenas um papel semelhante ao daqueles protagonistas das tragédias e comédias contadas num jornal que a criada amarrota, mete no fogão e queima.

Tive um Cavalo de Cartão

Mulher. A tua pele branca foi um verão que quis viver e me foi negado. Um caminho que não me enganou. Enganou-me a luz e os olhos foscos das manhãs revividas. Enganou-me um sonho de poder ser o filho que fui, a correr pelos campos todo o dia, a medir as searas pelo tamanho dos braços abertos; enganou-me um sonho de poder ser o filho que fui no teu homem e no teu rosto, no teu filho, nosso. Não há manhãs para reviver, sei-o hoje. Não se podem construir dias novos sobre manhãs que se recordam. Inventei-te talvez, partindo de uma estrela como todas estas. Quis ter uma estrela e dar-lhe as manhãs de julho. As grandes manhãs de julho diante de casa e a minha mãe a acabar o almoço bom e o meu pai a chegar e a ralhar, sem ser a sério, por o almoço não estar pronto e eu sentado na terra, talvez a fazer um barroco, talvez a brincar com o cavalo de cartão. Tive um cavalo de cartão. Nunca te contei, pouco te contei, mas tive um cavalo de cartão. Brincava com ele e era bonito. Gostava muito dele. Tanto. Tanto. Tanto. Quando o meu pai mo trouxe,

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Os Deuses Reclinados

… Por todos os lados as estátuas de Buda, de Lorde Buda… As severas, verticais, carcomidas estátuas, com um dourado de resplendor animal, com uma dissolução como se o ar as desgastasse… Crescem-lhes nas faces, nas pregas das túnicas, nos cotovelos, nos umbigos, na boca e no sorriso pequenas máculas: fungos, porosidades, vestígios excrementícios da selva… Ou então as jacentes, as imensas jacentes, as estátuas de quarenta metros de pedra, de granito areento, pálidas, estendidas entre as sussurrantes frondes, inesperadas, surgindo de qualquer canto da selva, de qualquer plataforma circundante… Adormecidas ou não adormecidas, estão ali há cem anos, mil anos, mil vezes mil anos… Mas são suaves, com uma conhecida ambiguidade ultraterrena, aspirando a ficar e a ir-se embora… E aquele sorriso de suavíssima pedra, aquela majestade imponderável, mas feita de pedra dura, perpétua, para quem sorriem, para quem, sobre a terra sangrenta?… Passaram as camponesas que fugiam, os homens do incêndio, os guerreiros mascarados, os falsos sacerdotes, os turistas devoradores…

E manteve-se no seu lugar a estátua, a imensa pedra com joelhos, com pregas na túnica de pedra, com o olhar perdido e não obstante existente, inteiramente inumana e de alguma forma também humana, de alguma forma ou de alguma contradição estatuária,

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Não Podemos Ter a Certeza de Nada

Somos todos iguais na fragilidade com que percebemos que temos um corpo e ilusões. As ambições que demorámos anos a acreditar que alcançávamos, a pouco e pouco, a pouco e pouco, não são nada quando vistas de uma perspectiva apenas ligeiramente diferente. Daqui, de onde estou, tudo me parece muito diferente da maneira como esse tudo é visto daí, de onde estás. Depois, há os olhos que estão ainda mais longe dos teus e dos meus. Para esses olhos, esse tudo é nada. Ou esse tudo é ainda mais tudo. Ou esse tudo é mil coisas vezes mil coisas que nos são impossíveis de compreender, apreender, porque só temos uma única vida.
— Porquê, pai?
— Não sei. Mas creio que é assim. Só temos uma única vida. E foi-nos dado um corpo sem respostas. E, para nos defendermos dessa indefinição, transformámos as certezas que construímos na nossa própria biologia. Fomos e somos capazes de acreditar que a nossa existência dependia delas e que não seríamos capazes de continuar sem elas. Aquilo em que queremos acreditar corre no nosso sangue, é o nosso sangue. Mas, em consciência absoluta, não podemos ter a certeza de nada. Nem de nada de nada,

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O Valor da Crónica de Jornal

A crónica é como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o lêem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo, espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, dos enfeites, fala em tudo baixinho, como quando se faz um serão ao braseiro, ou como no Verão, no campo, quando o ar está triste. Ela sabe anedotas, segredos, histórias de amor, crimes terríveis; espreita, porque não lhe fica mal espreitar. Olha para tudo, umas vezes melancolicamente, como faz a Lua, outras vezes alegre e robustamente, como faz o Sol; a crónica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e facécias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o pé da imperatriz da China; ela conta tudo o que pode interessar pelo espírito, pela beleza, pela mocidade; ela não tem opiniões, não sabe do resto do jornal; está nas suas colunas contando, rindo, pairando; não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando.

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A Ociosidade

Assim como vemos as terras em repouso, se nédias e férteis, dar origem à proliferação de cem mil espécies de ervas selvagens e inúteis, sendo necessário, para as manter cultiváveis, domá-las e destiná-las a certas sementes por forma a que delas tiremos proveito; e assim como vemos as mulheres, que por si sós produzem informes amontoados e pedaços de carne, terem, para proporcionar uma boa e natural geração, de ser fecundadas por outra semente, assim vemos que se passa o mesmo com os nossos espíritos. Se não os ocuparmos com algum objecto que os freie e constranja, lançar-se-ão eles, desregrados, a percorrer à toa os campos bravios da imaginação:

Tal como a água que tremula em vasilhas de bronze reflecte a luz do sol ou a imagem radiante da lua, cintilações voando pelos ares e atingindo os artesoados tectos – Virgílio, Eneida

E não há loucura ou desvario que eles não produzam em tal agitação:

Inventam irreais aparições como nos sonhos dos doentes – Horácio, Ars Poetica

A alma que não tem um ponto de mira perde-se, pois, como sói dizer-se, é não estar em parte nenhuma em todo o lado estar.

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O Mal só nos Afecta na Medida em que o Deixarmos

Os homens (diz uma antiga máxima grega) são atormentados pelas ideias que têm das coisas, e não pelas próprias coisas. Haveria um grande ponto ganho para o alívio da nossa miserável condição humana se pudéssemos estabelecer essa asserção como totalmente verdadeira. Pois, se os males só entraram em nós pelo nosso julgamento, parece que está em nosso poder desprezá-los ou transformá-los em bem. Se as coisas se entregam à nossa mercê, por que não dispomos delas ou não as moldarmos para vantagem nossa? Se o que denominamos mal e tormento não é nem mal nem tormento por si mesmo, mas somente porque a nossa imaginação lhe dá essa qualidade, está em nós mudá-la. E, tendo essa escolha, se nada nos força, somos extraordinariamente loucos de bandear para o partido que nos é o mais penoso e dar às doenças, à indigência e ao desvalor um gosto acre e mau, se lhes podemos dar um gosto bom e se, a fortuna fornecendo simplesmente a matéria, cabe a nós dar-lhe a forma.
Porém vejamos se é possível sustentar que aquilo que denominamos por mal não o é em si mesmo, ou pelo menos que, seja ele qual for, depende de nós dar-lhe outro sabor e outro aspecto,

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A Virtude Pura não Existe nos Dias de Hoje

Numa época tão doente como esta, quem se ufana de aplicar ao serviço da sociedade uma virtude genuína e pura, ou não sabe o que ela é, já que as opiniões se corrompem com os costumes (de facto, ouvi-os retratarem-na, ouvi a maior parte glorificar-se do seu comportamento e formular as suas regras: em vez de retratarem a virtude, retratam a pura injustiça e o vício, e apresentam-na assim falsificada para educação dos príncipes), ou, se o sabe, ufana-se erradamente e, diga o que disser, faz mil coisas que a sua consciência reprova.
(…) Em tal aperto, a mais honrosa marca de bondade consiste em reconhecer o erro próprio e o alheio, empregar todas as forças a resistir e a obstar à inclinação para o mal, seguir contra a corrente dessa tendência, esperar e desejar que as coisas melhorem.

Emoção e Poesia

Quem quer que seja de algum modo um poeta sabe muito bem quão mais fácil é escrever um bom poema (se os bons poemas se acham ao alcance do homem) a respeito de uma mulher que lhe interessa muito do que a respeito de uma mulher pela qual está profundamente apaixonado. A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrita a respeito de uma mulher abstracta. Uma grande emoção é por demais egoísta; absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever. Três espécies de emoções produzem grande poesia – emoções fortes, porém rápidas, captadas para a arte tão logo passaram; emoções fortes e profundas ao serem lembradas muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte.
O grande general que pretende ganhar uma batalha para o império do seu país e para a história do seu povo não deseja – não pode desejar ter muitos dos seus soldados assassinados (mortos). Contudo, uma vez que tenha penetrado na contemplação da sua estratégia, escolherá (sem um pensamento para os seus homens) o golpe melhor,

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A Trágica Necessidade de Conquista e de Mudança

Em todos os tempos os homens, por algum pedaço de terra de mais ou de menos, combinaram entre si despojarem-se, queimarem-se, trucidarem-se, esganarem-se uns aos outros; e para fazê-lo mais engenhosamente e com maior segurança, inventaram belas regras às quais se deu o nome de arte militar; ligaram à prática dessas regras a glória, ou a mais sólida reputação; e depois ultrapassaram-se uns aos outros na maneira de se destruirem mutuamente.
Da injustiça dos primeiros homens, como da sua origem comum, veio a guerra, assim como a necessidade em que se acharam de adoptar senhores que fixassem os seus direitos e pretensões. Se, contente com o que se tinha, se tivesse podido abster-se dos bens dos vizinhos, ter-se-ia para sempre paz e liberdade.
O povo tranquilo nos lares, nas famílias e no seio de uma grande cidade onde nada tem a temer para os seus bens nem para a vida, anseia por fogo e sangue, ocupa-se de guerras, ruínas, braseiros e matanças, suporta impacientemente que os exércitos que mantêm a campanha não tenham recontros, ou se já se encontraram e não sustentem combate, ou se enfrentam e não seja sangrento o combate, e haja menos de dez mil homens no local.

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Um Mundo de Vidas

Nós vivemos da nossa vida um fragmento tão breve. Não é da vida geral – é da nossa. É em primeiro lugar a restrita porção do que em cada elemento haveria para viver. Porque em cada um desses elementos há a intensidade com o que poderíamos viver, a profundeza, as ramificações. Nós vivemos à superfície de tudo na parte deslizante, a que é facilidade e fuga. O resto prende-se irremediavelmente ao escuro do esquecimento e distracção. Mas há sobretudo a zona incomensurável dos possíveis que não poderemos viver. Porque em cada instante, a cada opção que fazemos, a cada opção que faz o destino por nós, correspondem as inumeráveis opções que nada para nós poderá fazer. Um golpe de sorte ou de azar, o acaso de um encontro, de um lance, de uma falência ou benefício fazem-nos eliminar toda uma rede de caminhos para se percorrer um só. Em cada momento há inúmeros possíveis, favoráveis ou desfavoráveis, diante de nós. Mas é um só o que se escolheu ou nos calhou.
Assim durante a vida vão-nos ficando para trás mil soluções que se abandonaram e não poderão jamais fazer parte da nossa vida. Regresso à minha infância e entonteço com as milhentas possibilidades que se me puseram de parte.

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