Textos sobre Nobres

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Textos de nobres escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Bem e o Mal

Em princípio, é justo que se mostre maior afecto por aqueles que mais contribuíram para o enobrecimento dos homens e da vida humana. Se porém indagarmos quais são esses homens vemo-nos perante dificuldades. Nos chefes políticos, e até mesmo nos chefes religiosos, é por vezes bastante duvidoso sabermos se o que fizeram serviu mais para o bem do que para o mal.
Creio pois, muito sériamente, que a melhor maneira de servir os homens é ocupá-los numa tarefa nobre, mediante a qual eles se enobrecem indirectamente. Isto aplica-se em primeiro lugar aos artistas notáveis, em segundo lugar aos investigadores. É certo que os resultados da investigação não enobrecem nem enriquecem o homem; o que o enobrece são os esforços que faz pela compreensão, o trabalho intelectual produtivo e receptivo.
Seria decerto descabido querer-se ajuizar do valor do Talmude pelos seus resultados intelectuais.

O Equilíbrio na Maturidade

Recordo-me que outrora, quando tinha essa idade que se diz ser a idade do entusiasmo e da força da imaginação, como me faltava a experiência para tornar mais fortes essas belas qualidades, interrompia frequentemente o meu trabalho, que muitas vezes me desagradava. Apoisção em que a idade nos coloca é uma ironia da natureza. Quando chegamos à total maturidade, temos uma imaginação mais fesca e viva do que nunca e sobretudo sossegaram as loucas e impetuosas paixões que a idade arrasta consigo, mas faltam-nos já as forças e temos os sentidos gastos – estes pedem mais o descanso do que a agitação. E, no entanto, apesar de todas estas agruras, como é grande a consolação que nos é comunicada pelo trabalho! Como me sinto feliz por não ter de ser feliz como tanto o desejava no passado! De que selvática tirania afinal não me acabou por libertar o enfraquecimento do corpo?!
Então, a pintura era o que menos me preocupava. Temos de nos adaptar às nossas forças: se a partir de certa altura a natureza se recusa a trabalhar, não a devemos violentar mas contentarmo-nos com o que ela nos dá; não nos deixarmos dominar pela sede de elogios,

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O Cuidado pela Posteridade é Maior naqueles que não Deixam Posteridade

As alegrias dos pais são secretas, como também o são os desgostos e os receios: não sabem exprimir as primeiras, não querem exprimir os segundos. As crianças tornam mais suaves os nossos trabalhos, mas tornam amargas as nossas desgraças; acrescem os cuidados da vida, mas mitigam a lembrança da morte. A perpetuidade pela geração é comum aos animais; mas a glória, o mérito, e os nobres feitos são próprios do homem. E certamente observar-se-á que as obras e as instituições mais nobres provêm de homens sem filhos, homens que transmitiram as imagens do seu espírito, já que não transmitiram as dos seu corpo. Assim o cuidado pela posteridade é maior naqueles que não deixam posteridade.

Conselho aos Pais

A pior traição que podemos cometer perante o moço que se aproxima para que lhe digamos a Verdade é ocultar-lhe que para nós essa verdade se encontra tão longínqua e velada como a ele se apresenta. Se lhe damos por certeza o que se mostra duvidoso enganamos a confiança que o levou a dirigir-se-nos; se lhe não fizermos ver todas as fendas dos paços reais arriscamos a sua e a nossa alma a um desastre que nenhum tempo futuro poderá reparar. Os que julgou mais nobres enganaram-no; era cego, pediu guia, e levaram-no a abismos; nunca mais a sua mão se estenderá aberta e franca a mãos humanas. Quanto a nós mesmos, que valor tem a causa se para lhe darmos dinamismo a deformamos, a mergulhamos em parte na sombra da mentira?
Não é nosso ideal, e por isso lutamos, formar os bandos inconscientes e os prontos cadáveres que às nossas ordens obedeçam; salvar-se-á o mundo pelos espíritos claros, tenazes ante o certo, ante o incerto corajosos; só eles sabem medir no seu justo valor e vencer galhardamente toda a barreira levantada; só eles encontram, como base do ser, a marcha calma e a energia inesgotável. É ilusória toda a reforma do colectivo que se não apoie numa renovação individual;

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A Tranquilidade do Assumir da Nossa Condição

Temos pelos nobres e para as pessoas de destaque um cíume estéril, ou um ódio impotente que não nos vinga de seu esplendor e elevação, e só faz acrescentar à nossa própria miséria o peso insuportável da felicidade alheia: que fazer contra uma doença de alma tão inveterada e contagiosa? Contentemo-nos com pouco e com menos ainda, se possível; saibam perder na ocasião; a receita é infalível, e concordo em experimentá-la: evito com isso ser empurrado na porta pela multidão de clientes ou cortesãos que a casa de um ministro despeja diversas vezes por dia; penar na sala de audiência, pedir tremendo ou balbuciando uma coisa justa; suportar a gravidade do ministro, o seu riso amargo, e o seu laconismo. Então não o odeio mais, e não o invejo mais; ele não me faz nenhuma súplica, eu não lhe faço nenhuma; somos iguais, a não ser no facto dele não estar tranquilo, e eu estar.
(…) Deve-se silenciar sobre os poderosos; há quase sempre adulação ao dizer bem deles; há perigo em dizer mal enquanto vivem, e cobardia quando já morreram.

Existência, Corpo e Costumes, Como Eixos do Gosto

Na nossa actual maneira de ser, a nossa alma aprecia três tipos de prazer: aqueles que ela retira do próprio fundo da sua existência; outros que resultam da sua união com o corpo; e por fim, outros que radicam nos costumes e preconceitos que certas instituições, certos usos e certos hábitos lhe levam a apreciar.
São esses diferentes prazeres da nossa alma que constituem os objectos do gosto, como o belo, o bom, o agradável, o cândido, o delicado, o terno, o gracioso, o não sei o quê, o nobre, o grande, o sublime, o majestoso, etc. Por exemplo, quando sentimos prazer ao ver uma coisa que possui uma utilidade para nós, dizemos que ela é boa; quando sentimos prazer ao vê-la, sem dela abstrairmos uma utilidade manifesta, chamamo-la bela.

Fragmento do Homem

Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?

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O Saber como Ceptro ou como Folia

Amo e honro o saber, tanto como aqueles que o têm; dando-se-lhe o verdadeiro uso, é a mais nobre e poderosa aquisição dos homens. Mas aqueles, e são em número infinito, que nele alicerçam o seu valor e a sua fundamental capacidade, que abdicam da inteligência na memória, acolhidos à sombra alheia, e nada podem senão pelos livros – nesses aborreço-o eu, se ouso dizê-lo, um pouco mais do que a estupidez. Na minha terra e no meu tempo, a sabedoria melhora bastante as bolsas, raramente os espíritos. Se os encontra obtusos, pesa sobre eles e sufoca-os com a sua massa informe e indigesta; se lestos, logo os purifica, clarifica e subtiliza até o esgotamento. É coisa de qualidade quase indecisa; instrumento muito útil às almas bem formadas, pernicioso e daninho às outras; ou antes, coisa de preciosíssima utilidade que se não obtém barata; em certas mãos é um ceptro, noutras uma folia.

O Sucesso para um Grande Amor

Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!… E no entanto, elas são tão verdadeiras! Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos. O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrela­do», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia,

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O Homem Engana-se a Si Próprio

Os homens nunca revelam os verdadeiros objectivos pelos quais actuam. Intimamente, exageram os motivos baixos, materiais: publicamente, anunciam os motivos nobres, espirituais. Mentem em ambos os casos. Os homens não conhecem os outros nem a si próprios.
A maior parte dos homens vive de instinto, hábito e imitação, animalmente – por vezes, com intermédios de felicidade inconsciente. Os poucos superiores sofrem, tentam, desesperam. Os mais elevados são os que desejam apenas as coisas inacessíveis, impossíveis (amor perfeito, arte perfeita, felicidade, eternidade, etc.).
Todos os homens tentam enganar o próximo. Todos os homens procuram superar e dominar o próximo. Todos os homens se imaginam no bem, no passado ou no futuro. Todos homens se esquecem dos verdadeiros fins e fazem dos meios os seus objectivos. Para onde quer que os homens se voltem, depara-se-lhes o impossível. Todos os homens se julgam mais que os outros.
Não basta aos homens possuir um bem, se não for maior que o do próximo. E, obtido um bem, cansam-se dele (saciedade, náusea) – ou então têm medo de o perder e padecem – ou desejam outro. Para obterem um bem imediato, não pensam no mal próximo que advirá.
Todos tentam extrair dos outros mais do que podem: os industriais dos compradores –

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As Aparências Dizem Aquilo Que Quisermos

Cada boa qualidade humana está relacionada com uma má, na qual ameaça transformar-se; e cada má qualidade está, de uma forma semelhante, relacionada com uma boa. O motivo por que tantas vezes não compreendemos as pessoas é que, quando as conhecemos, confundimos as suas más qualidades com as boas com elas relacionadas, ou vice-versa: assim, um homem prudente pode parecer-nos cobarde, um homem poupado, avarento; ou um perdulário, liberal, uma pessoa grosseira franca e directa, um sujeito imprudente cheio de nobre autoconfiança, e assim por diante.

Um Silêncio Cauto e Prudente é o Cofre da Sensatez

– (…) Vós quereis tentar a sorte na grande cidade, e sabeis bem que é lá que deveis gastar essa aura de valentia que a longa inacção dentro destas muralhas vos houver concedido. Procurareis também a fortuna, e devereis ser hábil a obtê-la. Se aqui aprendeste a escapar à bala de um mosquete, lá deveis aprender a saber escapar à inveja, ao ciúme, à rapacidade, batendo-vos com armas iguais com os vossos adversários, ou seja, com todos. E portanto escutai-me. Há meia hora que me interrompeis dizendo o que pensais, e com o ar de interrogar quereis mostrar-me que me engano. Nunca mais o façais, especialmente com os poderosos. Às vezes a confiança na vossa argúcia e o sentimento de dever testemunhar a verdade poderiam impelir-vos a dar um bom conselho a quem é mais do que vós. Nunca o façais. Toda a vitória produz ódio no vencido, e se se obtiver sobre o nosso próprio senhor, ou é estúpida ou é prejudicial. Os príncipes desejam ser ajudados mas não superados.
Mas sede prudente também com os vossos iguais. Não humilheis com as vossas virtudes. Nunca falei de vós mesmos: ou vos gabaríeis, que é vaidade, ou vos vituperaríeis,

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Amigos com Carácter

A vida caminha precipitadamente. Perseguimos alguns esquemas flutuantes ou somos perseguidos por algum medo ou autoridade atrás de nós. Mas, se, de repente, encontramos um amigo, paramos; o nosso calor e a nossa pressa tornam-se ridículos. Ora a pausa, ora o domínio são necessários e também a força para encher o momento dos eflúvios do coração. O momento é tudo, em todas as relações nobres.
Uma pessoa divina é a profecia do espírito; um amigo é a esperança do coração. A nossa ventura espera pela concretização destas duas em uma.
Os séculos estão a dilatar essa força moral. Toda a força é a sombra ou o símbolo daquela. A poesia é alegre e forte quando extrai nessa fonte a sua inspiração. Os homens só inscrevem os seus nomes no mundo quando estão cheios deste. A história tem sido ignóbil; as nossas nações têm sido a gentalha; nunca vimos um homem: essa forma divina que ainda não conhecemos, mas apenas o sonho e a profecia de tal; não conhecemos os modos majestosos que lhe são peculiares e que acalmam e exaltam o observador.

Um dia veremos que a energia mais particular é a mais pública, que a qualidade afina com a quantidade e a grandeza de carácter actua na sombra e socorre aos que nunca a viram.

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O Nosso Código Ético e Moral Desculpabiliza-nos Perante a Recusa de Aliviarmos o Sofrimento Alheio

Eu não desviava os olhos de minha mãe, sabia que, quando estivessem à mesa, não me seria permitido ficar até ao fim da refeição, e que, para não contrariar meu pai, a mamã não me deixaria beijá-la várias vezes diante dos outros, como se fosse no meu quarto.
(…) antes de tocarem a sineta para o jantar, meu avô teve a ferocidade inconsciente de dizer: «O pequeno parece cansado; deveria ir deitar-se. E depois, jantamos tarde hoje.» E meu pai,(…) disse: «Sim. Anda, vai deitar-te.» Eu quis beijar a mamã; nesse instante ouviu-se a sineta do jantar. «Não, não, deixa a tua mãe em paz, vocês já se despediram bastante, essas demonstrações são ridículas. Anda, sobe!» E eu tive de partir sem viático; tive de subir cada degrau «contra o coração», subindo contra o meu coração, que desejava voltar para junto de minha mãe porque ela não lhe havia dado, com um beijo, licença de me acompanhar.
(…) Já no meu quarto, tive de (…) cerrar os postigos, cavar o meu próprio túmulo enquanto virava as cobertas, vestir o sudário da minha camisa de dormir. Mas antes de sepultar-me no leito de ferro (…), veio-me um impulso de revolta e resolvi tentar um ardil de condenado.

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Compreensão Sábia e Activa

A primeira condição para libertar os outros é libertar-se a si próprio; quem apareça manchado de superstição ou de fanatismo ou incapaz de separar e distinguir ou dominado pelos sentimentos e impulsos, não o tomarei eu como guia do povo; antes de tudo uma clara inteligência, eternamente crítica, senhora do mundo e destruidora das esfinges; banirá do seu campo a histeria e a retórica; e substituirá a musa trágica por Platão e os geómetras.
Hei-de vê-lo depois de despido de egoísmo, atente somente aos motivos gerais; o seu bem será sempre o bem alheio; terá como inferior o que se deleita na alegria pessoal e não põe sobre tudo o serviço dos outros; à sua felicidade nada falta senão a felicidade de todos; esquecido de si, batalhará, enquanto lhe restar um alento, para destruir a ignorância e a miséria que impedem os seus irmãos de percorrer a ampla estrada em que ele marcha.
Nenhuma vontade de domínio; mandar é do mundo das aparências, tornar melhor de um sólido universo de verdades; se tiver algum poder somente o veja como um indício de que estão ainda muito baixos os homens que lho dão; incite-o o sentir-se superior a mais nobre e rude esforço para que se esbatam e percam as diferenças;

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É a Conformidade que Torna a Convivência Agradável

Aqueles que se contentam em recitar os antigos não tornam a sociedade mais ágil. Mas, quando se busca e se diz uma quantidade de coisas que não provém de quem quer que seja, é possível ao menos encontrar alguma que a sociedade não sabia. Pois é um grande erro imaginar que não se pode dizer nada que não tenha sido dito. (…) Estraga-se frequentemente aquilo que se deseja muito polir e muito embelezar. O meio de evitar esse inconveniente, tanto para bem escrever como para bem falar, é ter ainda mais cuidado com a simplicidade do que com a perfeição das coisas.
O ar nobre e natural é o principal atractivo da eloquência, e entre a gente da sociedade, o que provém do estudo é quase sempre mal acolhido. Deve-se até mesmo conter o espírito em muitas ocasiões, e evitar o que se sabe de maior valor. Admiramos facilmente as coisas que estão acima de nós, e que perdemos de vista; mas apenas as amamos raramente, e isso é o que importa. Os animais buscam apenas os animais da sua espécie, e não seguem os mais perfeitos. É a conformidade que torna a convivência agradável, e que faz amar com uma afeição recíproca.

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O Homem Cruel

Quando o rico ti­ra um pertence ao pobre (por exemplo, um príncipe que tira a amante ao plebeu), então gera-se um erro no pobre; este acha que aquele tem de ser absoluta­mente infame, para lhe tirar o pouco que ele tem. Mas aquele não sente de modo algum tão profunda­mente o valor de um único pertence, porque está ha­bituado a ter muitos: portanto, não se pode trans­por para o espírito do pobre e não comete tal uma injustiça tão grande como este julga. Ambos têm um do outro uma concepção errada. A injustiça do poderoso, a que mais indigna na História, não é as­sim tão grande como parece. O mero sentimento hereditário de ser um ser superior, com direitos su­periores, torna uma pessoa bastante fria e deixa-lhe a consciência tranquila: até todos nós, se a distância entre nós e um outro ente for muito grande, já não sentimos absolutamente nada de injusto e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso.
Assim, não é sinal de maldade em Xerxes (a quem mesmo todos os Gregos descrevem como eminente­mente nobre) quando ele tira a um pai o seu filho e o manda esquartejar, porque este havia manifestado uma inquieta e ominosa desconfiança em relação a toda a expedição militar: neste caso,

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O Mal da Cidade

O Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem fibra, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel… A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro!
Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar –

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Religião Cósmica

É muito difícil transmitir este sentimento a alguém completamente desprovido dele, especialmente porque não lhe corresponde qualquer concepção antropomórfica de Deus.
Os génios religiosos de todos os tempos distinguiram-se por possuírem este tipo de sentimento religioso, que não reconhece nenhum dogma nem nenhum deus concebido à imagem do homem; por isso não pode existir nenhuma igreja cujos ensinamentos centrais se baseiem nele. Logo, é precisamente entre os heréticos de todos os tempos que encontramos homens cheios deste tipo de sentimento religioso e que foram olhados em muitos casos pelos seus contemporâneos como ateus, por vezes também como santos. A esta luz, homens como Demócrito, Francisco de Assis e Spinoza são muito parecidos entre si.
Como pode o sentimento religioso cósmico ser comunicado por uma pessoa a outra se não conduz a nenhuma noção definida de Deus e a nenhuma teologia? Na minha perspectiva, a função mais importante da arte e da ciência consiste em despertar e manter vivo este sentimento em todos os que sejam receptivos a ele.
Chegamos deste modo a uma concepção da relação entre ciência e religião muito diferente da habitual. Quando consideramos o assunto de um ponto de vista histórico, somos levados a olhar para a ciência e para a religião como antagonistas irreconciliáveis e por razões bastante óbvias.

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O Pensador

Não há nenhuma vida verdadeiramente intelectual em que a polémica não seja um acidente, um desnível entre o engenho e a cultura adquirida, por um lado, e, por outro, o meio ambiente; o pensador não é, por estrutura, polemista, embora não fuja ante a polémica, nem a considere inferior; o seu domínio é no campo da paz, não entre os instrumentos de guerra; quando a batalha se oferece sabe, como o filósofo antigo, marchar com a calma e a severa repressão dos instintos que o mundo inteiro, ante a sua profissão, tem o direito de exigir; o seu dever de cidadão impõe-lhe que tome, ao ecoar da voz bárbara, a lança que defende as oliveiras sagradas e os rítmicos templos. A sua linha, porém, o fio de cumeadas por que se alongam os seus passos melhores comportam apenas uma invenção superadora, um perpétuo oferecer aos seus amigos humanos de toda a descoberta possibilidade de um caminho mais belo e mais nobre. Vê-se como um guia e um observador de horizontes que se estendam para além dos limites do mar e dos limites do céu; a sua missão é a de pôr ao alcance de todos os que novamente contemplaram os seus olhos e de os ajudar a percorrer a estrada que abriu ou desvendou;

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