Um grande homem sem religião é um simples animal sem alma.
Passagens sobre Animais
542 resultadosÉ difícil marcar o lugar onde pára o homem e começa o animal, onde cessa a alma e começa o instinto – onde a paixão se torna ferocidade. É difícil marcar onde deve parar o galope do sangue nas artérias, e a violência da dor no crânio.
Certamente têm razão aqueles que definem a guerra como estado primitivo e natural. Enquanto o homem for um animal, viverá por meio de luta e à custa dos outros, temerá e odiará o próximo. A vida, portanto, é guerra.
A Fidelidade a Nós Próprios
De certo modo, o homem é um ser que nos está intimamente ligado, na medida em que lhe devemos fazer bem e suportá-lo. Mas desde que alguns deles me impeçam de praticar os actos que estão em relação íntima comigo mesmo, o homem passa à categoria dos seres que me são indiferentes, exactamente como o sol, o vento, o animal feroz. É certo que podem entravar alguma coisa da minha actividade; mas o meu querer espontâneo, as minhas disposições interiores não conhecem entraves, graças ao poder de agir sob condição e de derrubar os obstáculos. Com efeito, a inteligência derruba e põe de banda, para atingir o fim que a orienta, todo o obstáculo à sua actividade. O que lhe embaraçava a acção favorece-a; o que lhe barrava o caminho ajuda-a a progredir.
O burguês é o animal humano perfeitamente domesticado.
Sirvo-me dos animais para instruir os homens
Do Livre Arbítrio
A ideia de livre arbítrio, na minha opinião, tem o seu princípio na aplicação ao mundo moral da ideia primitiva e natural de liberdade física. Esta aplicação, esta analogia é inconsciente; e é também falsa. É, repito, um daqueles erros inconscientes que nós cometemos; um daqueles falsos raciocínios nos quais tantas vezes e tão naturalmente caímos. Schopenhauer mostrou que a primitiva noção de liberdade é a “ausência de obstáculos”, uma noção puramente física. E na nossa concepção humana de liberdade a noção persiste. Ninguém toma um idiota, ou louco por responsável. Porquê? Porque ele concebe uma coisa no cérebro como um obstáculo a um verdadeiro juízo.
A ideia de liberdade é uma ideia puramente metafísica.
A ideia primária é a ideia de responsabilidade que é somente a aplicação da ideia de causa, pela referência de um efeito à sua Causa. “Uma pessoa bate-me; eu bato àquela em defesa.” A primeira atingiu a segunda e matou-a. Eu vi tudo. Essa pessoa é a Causa da morte da outra.” Tudo isto é inteiramente verdade.
Assim se vê que a ideia de livre arbítrio não é de modo algum primitiva; essa responsabilidade, fundada numa legítima mas ignorante aplicação do princípio de Causalidade é a ideia realmente primitiva.
Saudade
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pésMagoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentasSeja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz expostaTraz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
O pato, menina, é um animal com buzina
Cantar do Amigo Perfeito
Passado o mar, passado o mundo, em longes praias,
de areia e ténues vagas, como esta
em que haverá de nossos passos a memória
embora soterrada pela areia nova,
e em que sobre as muralhas quanta sombra
na pedra carcomida guarda que passámos,
em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas esta, ó meu amigo?Aqui passeámos tanta vez, por entre os corpos
da alheia juventude, impudica ou severa,
esplêndida ou sem graça, à venda ou pronta a dar-se,
ido na brisa o sol às mais sombrias curvas;
e o meu e o teu olhar guiando-se leais,
de nós um para o outro conquistando
– em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas, diz, ó meu amigo?Também aqui relembro as ruas tenebrosas,
de vulto em vulto percorridas, lado a lado,
numa nudez sem espírito, confiança
tranquila e áspera, animal e tácita,
já menos que amizade, mas diversa
da suspeição do amor, tão cauta e delicada
– em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda as recordas, diz, ó meu amigo?Também aqui,
Que admirável fábrica é a do homem! Que nobre a sua razão! Que infinitas as suas faculdades! Que expressivo e maravilhoso na forma e nos movimentos! Que semelhante a um anjo nas acções! E no espírito, que semelhante a Deus! É, indubitavelmente, o mais formoso e o mais perfeito dos animais terrenos.
O Tempo Vive
O tempo vive, quando os homens, nele,
se esquecem de si mesmos,
ficando, embora, a contemplar o estreme
reduto de estar sendo.
O tempo vive a refrescar a sede
dos animais e do vento,
quando a estrutura estremece
a dura escuridão que, desde dentro,
irrompe. E fica com o uivo agreste
espantando o seu estrondo de silêncio.
Idealização Da Humanidade Futura
Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
– Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara étnicamente irracionais! –Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão…E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!
O Amor Dominado
Um homem que domina é um homem que não ama. Tem uma tremenda vitalidade animal, uma força, capaz de conquistar. É um conquistador, as pessoas submetem-se-lhe, mas ele não ama ou compreende. É apenas uma força e encontra-se imbuído da sua própria força. Se chegar a amar, será uma força como a sua, pelo que, novamente, ama apenas uma espécie de força igual à sua, e não as outras, o que seria uma infiltração. Observe-se bem o conquistador; observe-se o homem ou a mulher que domina os outros: não é ele quem ama. Aquele que ama é o ser que é dominado.
O Animal que Mata mais que Todos os Outros
Acima de todas as raças de animais é colocado o homem, cuja mão destruidora não poupa nada do que é vivo: ele mata para se alimentar, mata para se vestir, mata para se enfeitar, mata para atacar, mata para se defender, mata para se divertir, mata para matar: rei soberbo e terrível, precisa de tudo e nada lhe resiste.
. Petersburgo’
Os animais dividem conosco o privilégio de terem uma alma.
Homem: um animal tão perdido na contemplação voluptuosa daquilo que pensa que é que se esquece de reflectir sobre aquilo que deveria ser. A sua actividade principal é o extermínio dos outros animais e da sua própria espécie, que, no entanto, se multiplica com tal rapidez que já infesta todo o mundo habitável.
Enquanto a água se pode guardar cm garrafas, as histórias não podem ser engarrafadas sem que se estraguem rapidamente. Têm de andar ao ar livre como os animais selvagens. Temos dc as soltar para que possam correr todas nuas.
A Diferença entre Ficção e Crença
Não há nada mais livre do que a imaginação humana; embora não possa ultrapassar o stock primitivo de ideias fornecidas pelos sentidos externos e internos, ela tem poder ilimitado para misturar, combinar, separar e dividir estas ideias em todas as variedades da ficção e da fantasia imaginativa e novelesca. Ela pode inventar uma série de eventos com toda a aparência de realidade, pode atribuir-lhes um tempo e um lugar particulares, concebê-los como existentes e descrevê-los com todos os pormenores que correspondem a um facto histórico, no qual ela acredita com a máxima certeza. Em que consiste, pois, a diferença entre tal ficção e a crença?
Ela não se localiza simplesmente numa ideia particular anexada a uma concepção que obtém o nosso assentimento, e que não se encontra em nenhuma ficção conhecida. Pois, como o espírito tem autoridade sobre todas as suas ideias, poderia voluntariamente anexar esta ideia particular a uma ficção e, por conseguinte, seria capaz de acreditar no que lhe agradasse, embora se opondo a tudo que encontramos na experiência diária. Podemos, quando pensamos, juntar a cabeça de um homem ao corpo de um cavalo, mas não está em nosso poder acreditar que semelhante animal tenha alguma vez existido.
Sílaba sobre Sílaba
Aprendo uma gramática de exílio, nas vertentes do silêncio. É uma aprendizagem que requer pernas rijas e mão segura, coisas de que já não me posso gabar, mas embora precárias, sempre as minhas mãos foram animais de paciência, e as pernas, essas ainda vão trepando pelos dias sem ajuda de ninguém. Sem o desembaraço de muitos, mas tirando partido dos variados acidentes da pedra, que conheço bem, lá vou pondo sílaba sobre sílaba. Do nascer ao pôr do sol.