Passagens sobre Próprio

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A Conivência com o Mundo

Nasci dura, heróica, solitária e em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. A feiúra é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte. Eu – eu sou a minha própria morte. E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.

A Percepção do Poeta

Sim, o que é o próprio homem senão um cego insecto inane a zumbir (?) contra uma janela fechada; instintivamente sente para além do vidro uma grande luz e calor. Mas é cego e não pode vê-la; nem pode ver que algo se interpõe entre ele e a luz. De modo que preguiçosamente (?) se esforça por se aproximar dela. Pode afastar-se da luz, mas não pode ir além do vidro. Como o ajudará a Ciência? Pode descobrir a aspereza e nodosidade próprias do vidro, pode chegar a conhecer que aqui é mais espesso, ali mais fino, aqui mais grosseiro, ali mais delicado: com tudo isto, amável filósofo, quão mais perto está da luz? Quão mais perto alcança ver? E contudo, acredito que o homem de génio, o poeta, de algum modo consegue atravessar o vidro para a luz do outro lado; sente calor e alegria por estar tão mais além de todos os homens (?), mus mesmo assim não continuará ele cego?

A criação da natureza é um trabalho de todos os instantes. Só a perfeição está concluída e, mesmo essa, tem de aceitar a imperfeição inacabada quando lida com aquilo que é incompleto, com palavras ou sombras, com natureza, instinto, gente, com a emanação invisível de um passado mais remoto do que o próprio começo de tudo: a esperança.

A Formação como Homem

Nos dias melhores, permitia-se acreditar que, se ela deixava as portas abertas entre as salas públicas e privadas, era sobretudo por causa dele. Mas, detectada a sua presença, tudo nos gestos dela passava a ser ponderado em função de o deixar de fora daquela intimidade.

De resto, sempre que ouvia os movimentos de Luísa no jardim, saía-lhe ao caminho com uma desculpa qualquer. Uns dias estava nervosa, resplandecente, elegante como um cavalo de corrida. Outros estava triste e silenciosa. E, contudo, era como se as coisas continuassem a ganhar vida à sua passagem. As coisas e ele próprio, sonhando em plena meia-idade, como se ainda não fosse demasiado tarde para concluir a sua formação como homem.

O ser humano é cego para os próprios defeitos. Jamais um vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota se diz idiota.

Fiei-me nos Sorrisos da Ventura

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e ouco,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta!

Ah! não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.

É coisa preciosa, a saúde, e a única, em verdade, que merece que em sua procura empreguemos não apenas o tempo, o suor, a pena, os bens, mas até a própria vida; tanto mais que sem ela a vida acaba por tornar-se penosa e injusta.

Aos Filhos

Já nada nos pertence,
nem a nossa miséria.
O que vos deixaremos
a vós o roubaremos.

Toda a vida estivemos
sentados sobre a morte,
sobre a nossa própria morte!
Agora como morreremos?

Estes são tempos de
que não ficará memória,
alguma glória teríamos
fôssemos ao menos infames.

Comprámos e não pagámos,
faltámos a encontros:
nem sequer quando errámos
fizemos grande coisa!

A vida não tem um valor oculto que apenas alguns podem descobrir. O seu sentido resulta da construção da existência que nos é própria através de cada uma das nossas decisões.

A acção só vale quando é feita como um exercício, e um exercício com amor, quando é feita como uma ascese, e uma ascese por amor de que se liberte o Deus que em nós reside. E se a acção implica amargura, o que há a fazer é mudar de campo: porque não é a acção que estará errada, mas nós próprios.

O inferno é não se amar mais. Enquanto estamos vivos, podemos nos iludir, acreditar que amamos por nossas próprias forças, que amamos sem Deus. Mas nos assemelhamos aos loucos, que estendem os braços para o reflexo da lua na água…

A Felicidade na Perseverança

Meu bem-amado Lucílio, conjuro-te a tomar o único partido que pode garantir a felicidade. Dispersa e pisoteia os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o olhar para o vero bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal. Qual é esse cabedal? Tu mesmo, e a melhor parte de ti. Este pobre corpo esforça-se por ser nosso colaborador indispensável; considera-o antes um objecto necessário do que importante. Ele procura os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto. Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento quando deixa de observar o justo limite. Ora, observar tal limite é difícil em relação àquilo que se acreditou fosse um bem. O ávido desejo do verdadeiro bem não oferece risco algum.
Em que consiste o verdadeiro bem – quereis saber – e qual é a fonte de onde emana?

Eu to direi: é a boa consciência, as intenções virtuosas, as rectas acções, o desprezo pelos eventos fortuitos, o desenvolvimento tranquilo e regular de uma existência que anda por um só caminho. Quanto a esses homens que vão de desejo em desejo,

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Reformar é não Ter Emenda Possível

Todo o dia, em toda a sua desolação de nuvens leves e mornas, foi ocupado pelas informações de que havia revolução. Estas notícias, falsas ou certas, enchem-me sempre de um desconforto especial, misto de desdém e de náusea física. Dói-me na inteligência que alguém julgue que altera alguma coisa agitando-se. A violência, seja qual for, foi sempre para mim uma forma esbugalhada de estupidez humana. Depois, todos os revolucionários são estúpidos, como, em grau menor, porque menos incómodo, o são todos os reformadores.
Revolucionário ou reformador – o erro é o mesmo. Impotente para dominar e reformar a sua própria atitude para com a vida, que é tudo, ou o seu próprio ser, que é quase tudo, o homem foge para querer modificar os outros e o mundo externo. Todo o revolucionário, todo o reformador, é um evadido. Combater é não ser capaz de combater-se. Reformar é não ter emenda possível.
O homem de sensibilidade justa e recta razão, se se acha preocupado com o mal e a injustiça do mundo, busca naturalmente emendá-la, primeiro, naquilo em que ela mais perto se manifesta; e encontrará isso em seu próprio ser. Levar-lhe-á essa obra toda a vida.
Tudo para nós está em nosso conceito do mundo;

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Eu acho que nós até comunicamos muito bem, no nosso silêncio, no que não é dito, e que o que ocorre é uma evasão contínua, enquanto tentamos desesperadamente manter-nos a nós próprios para nós próprios. A comunicação é muito alarmante. Entrar na vida de outra pessoa é algo assustador. Divulgar aos outros a pobreza que está dentro de nós é uma possibilidade muito assustadora.

Fundamentalmente, um bom autor tem o seu próprio senso de estilo. Há uma voz natural, profunda, e essa voz está presente desde o primeiro esboço de um manuscrito. Quando ele ou ela desenvolve a partir do manuscrito original, continua a reforçar e simplificar essa voz natural e profunda.

A Ambição de Eternidade

Fazer… A memória dos deuses, agora que se nos desfez como forma de um refúgio, de uma justificação, reinventa em nós o sonho do seu poder: criar é afirmar no homem o sonho de divinização. Criar um império, uma obra de arte, um filho, um arranjo de saber, um novo apara-lápis… E à ambição de impor ao mundo uma nova ordem, ao desejo angustiado de nos furtarmos a um domínio universal, de nos afirmarmos únicos, nós juntamos a pequena ambição de sermos eternos.

Como se a nossa vida não fosse irredutível e o objecto que se desprende das nossas mãos, comparticipando da nossa presença, do calor do nosso sangue, comparticipasse também da nossa consciência… Mas a pessoa que somos e sabemos, a presença de nós é em nós que nos morre.

E depois, meu amigo, enquanto temos um instrumento na mão, não sabemos que temos um instrumento na mão… Todo o gesto, enquanto tal, enquanto se executa, limita-se em si mesmo, esquece a sua origem: toda a acção trai a força que a georu, porque ela é em si própria um princípio e um fim.

Coração Inconstante

Coração inconstante, a quem a charneca edifica a cidade
no meio das velas e das horas,
tu sobes
com os choupos até aos lagos:
aí talha a flauta, de noite,
o amigo do seu silêncio
e mostra-o às águas.
Na margem
vagueia embuçado o pensamento e escuta:
pois nada
surge com a sua própria forma,
e a palavra, que brilha sobre ti,
crê no escaravelho dentro do feto.

Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno