Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.
Passagens sobre Simples
658 resultadosCivilização de Especialistas
A verdade é que hoje vivemos numa civilização de especialistas e que é vão todo o empenho de que seja de outro modo. Sob pena de não ser eficiente, o homem das artes, das ciências e das técnicas tem de se especializar, para que domine aqueles segredos de bibliografia ou de prática, e para que obtenha os jeitos e a forte concentração de pensamento que se tornam necessários para que se possa não só manejar o que se herdou mas acrescentar património para as gerações futuras. E, se é certo que por um lado o especialismo favorece aquela preguiça de ser homem que tanto encontramos no mundo, permite ele, por outro lado, aproveitar em tarefas úteis indivíduos que pouco brilhantes seriam no tratamento de conjuntos. O preço, porém, se tem naturalmente de pagar; paga-o o colectivo quando se queixa, e muito justamente, da falta de bons líderes, de homens com uma larga visão de conjunto, que saibam do trabalho de cada um o suficiente para o poderem dirigir e se tenham eles tornado especialistas na difícil arte de não ter especialidade própria senão essa mesma do plano, da previsão e do animar na batalha as tropas que, na maior parte das vezes,
O Amor é de outro Reino
O amor é de outro reino. (…) Da amizade, do amor, do encontro de duas pessoas que se sentem bem uma ao lado da outra, fazendo amor, falando de amor, trocando amor, conversando de amor, falando de nada, falando de pequenas histórias código de ministros com aventuras de aventuras sem ministros conversa alta e baixa de livros e de quadros de compras e de ninharias conversas trocadas em miúdos ouvindo música sem escutar música que ajuda o amor o amor precisa de ajudas de ir às cavalitas de andas de muita coisa simples amor é um segredo que deve ser alimentado nas horas vagas alimentado nas horas de trabalho nas horas mais isoladas amor é uma ocupação de vinte e quatro horas com dois turnos pela mesma pessoa com desconfianças e descobertas com cegueiras e lumineiras amor de tocar no mais íntimo na beleza de um encanto escondido recôndito que todos no mundo fizeram pais de padres mães de bispos avós de cardeais amor agarrado intrometido de falus com prazer de alegria amor que não se sabe o que vai dar que nunca se sabe o que vai dar amor tão amor.
A Redução do Pensamento à Palavra
O homem parecia ter desapontadamente perdido o sentido do que queria anotar. E hesitava, mordia a ponta do lápis como um lavrador embaraçado por ter que transformar o crescimento do trigo em algarismos. De novo revirou o lápis, duvidava e de novo duvidava, com um respeito inesperado pela palavra escrita. Parecia-lhe que aquilo que lançasse no papel ficaria definitivo, ele não teve o desplante de rabiscar a primeira palavra. Tinha a impressão defensiva de que, mal escrevesse a primeria, e seria tarde demais. Tão desleal era a potência da mais simples palavra sobre o mais vasto dos pensamentos. Na realidade o pensamento daquele homem era apenas vasto, o que não o tornava muito utilizável. No entanto parece que ele sentia uma curiosa repulsa em concretizá-lo, e até um pouco ofendido como se lhe fizessem proposta dúbia.
Das Palavras
As palavras mais simples
foram as que te dei;
o amor não sabe outras,
só estas fazem lei.
As palavras de uso
mais comum e vulgar
são as que amor conhece.
Com elas nos pensamos;
é nelas que tememos
desacertos, enganos;
se nelas triunfamos,
já delas nos perdemos.
Com palavras vulgares
se diz o mal de amor,
seu riso, seu espelho,
o que fica da dor.
E todos os mistérios
que se fazem promessa
e se perdem nos versos
e dos corpos nasceram
são aqui cerimónia
evidente e secreta
nas mais simples palavras
que conhece o poeta.
O Grito
Corria pela rua acima quando a súbita explosão dum grito o fez parar instantaneamente. Todo o seu corpo estremeceu. O que ele desde sempre receara acabara de ocorrer: algures, nesse momento, uma caneta começara a deslizar sobre uma folha de papel, dando assim corpo àquele grito que de há muito, como as esculturas no interior da pedra, se mantinha na expectativa desse simples gesto dum escritor para atingir a realidade. Tapou os ouvidos com as mãos. O grito mais não era que um sinal, mas o que esse sinal lhe transmitia deixava-o aterrado. Acabara de ser posta a funcionar uma engrenagem que a partir de agora nada nem ninguém, e muito menos ele, iria alguma vez poder travar, um mecanismo de que ele próprio iria inapelavelmente ser a maior vítima. Mais tarde ou mais cedo isso teria de se dar, mas agora que, sem qualquer aviso prévio, se soubera propulsado para outra dimensão da sua vida, como se os fios que a governavam tivessem repentinamente mudado de mãos, o facto de há longo tempo o pressentir não o impediu de olhar à sua volta com estranheza, uma estranheza que antes de mais nascia de tudo à primeira vista ter ficado como estava,
É mais fácil ser amante do que ser marido, pela simples razão de que é mais difícil ter espírito diariamente do que dizer coisas bonitas de vez em quando.
Alimentar o Ego
Para quem faz do sonho a vida, e da cultura em estufa das suas sensações uma religião e uma política, para esse primeiro passo, o que acusa na alma que ele deu o primeiro passo, é o sentir as coisas mínimas extraordinária — e desmedidamente. Este é o primeiro passo, e o passo simplesmente primeiro não é mais do que isto. Saber pôr no saborear duma chávena de chá a volúpia extrema que o homem normal só pode encontrar nas grandes alegrias que vêm da ambição subitamente satisfeita toda ou das saudades de repente desaparecidas, ou então nos actos finais e carnais do amor; poder encontrar na visão dum poente ou na contemplação dum detalhe decorativo aquela exasperação de senti-los que geralmente só pode dar, não o que se vê ou o que se ouve, mas o que se cheira ou se gosta — essa proximidade do objecto da sensação que só as sensações carnais — o tacto, o gosto, o olfacto – esculpem de encontro à consciência; poder tornar a visão interior, o ouvido do sonho — todos os sentidos supostos e do suposto — recebedores e tangíveis como sentidos virados para o externo: escolho estas, e as análogas suponham-se,
Nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma manifestação da natureza. Dada a causa, a natureza produz o efeito no modo mais breve em que pode ser produzido.
Morrerás em breve. É incontestável. E quanta verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres tido a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima.
Em termos de fazer o trabalho e em termos de aprender e evoluir como pessoa, só crescerás mais quando obtiveres perspectivas de mais pessoas… eu tento realmente e vivo a missão da empresa e… mantenho tudo o resto na minha vida de uma forma extremamente simples.
As coisas do instinto e da natureza têm este condão: não envelhecem. Passa a filosofia mais transcendental, esgota-se o livro mais profundo. Mas é com um viço cada vez mais promissor que regressam as verdades simples e naturais.
Não ser amado é uma simples desventura. A verdadeira desgraça é não saber amar.
As Aldeias
Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas –
Mais frescas que as manhãs finas d’Abril.Levanta a alma ás cousas visionarias
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.Pelas tardes das eiras – como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!As creanças do campo, ao amoroso
Calor do dia, folgam seminuas;
E exala-se um sabor mysterioso
D’a agreste solidão das suas ruas!Alegram as paysagens as creanças,
Mais cheias de murmurios do que um ninho,
E elevam-nos ás cousas simples, mansas,
Ao fundo, as brancas velas d’um moinho.Pelas noutes d’estio ouvem-se os rallos
Zunirem suas notas sibilantes,
E mistura-se o uivar dos cães distantes
Com o canto metallico dos gallos…
A verdade causa repugnância à nossa natureza, mas o erro não, e isso por um motivo bem simples: a verdade exige que nos reconheçamos como seres limitados; o erro acalenta-nos na ideia de que, de um modo ou de outro, somos infinitos.
O Objectivo da Arte não é Ser Compreensível
Toda a arte é expressão de qualquer fenómeno psíquico. A arte, portanto, consiste na adequação, tão exacta quanto caiba na competência artística do fautor, da expressão à cousa que quer exprimir. De onde se deduz que todos os estilos são admissíveis, e que não há estilo simples nem complexo, nem estilo estranho nem vulgar.
Há ideias vulgares e ideias elevadas, há sensações simples e sensações complexas; e há criaturas que só têm ideias vulgares, e criaturas que muitas vezes têm ideias elevadas. Conforme a ideia, o estilo, a expressão. Não há para a arte critério exterior. O fim da arte não é ser compreensível, porque a arte não é a propaganda política ou imoral.
Se Quiserem que Eu Tenha um Misticismo
Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem,
tenho-o.
Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.
O meu misticismo é não querer saber.
É viver e não pensar nisso.
Não sei o que é a Natureza: canto-a.
Vivo no cimo dum outeiro
Numa casa caiada e sozinha,
E essa é a minha definição.
É natural que os outros tenham sempre razão, pelo simples facto dos outros serem cinco biliões (ou lá o que é) menos um e de eu ser apenas esse um. Ser influenciado é assim um reconhecimento da nossa pequena participação no mundo e da riqueza interminável desse mundo; é um acto alegre de humildade; um sinal enérgico de dependência humana.
O Universal Opõe-se a Qualquer Época
É admissível que o génio não seja apreciado na sua época porque a ela se opõe; mas pode-se perguntar por que razão é apreciado nas épocas vindouras. O universal opõe-se a qualquer época, pois as características desta são necessariamente particulares; porque será então que o génio, que se ocupa de valores universais e permanentes, é mais favoravelmente recebido por uma época do que por outra?
A razão é simples. Cada época resulta da crítica da época precedente e dos princípios subjacentes à vida civilizacional da mesma. Enquanto que um só princípio está subjacente, ou parece estar subjacente, a cada época, as críticas desse princípio único são variadas, tendo apenas em comum o facto de se ocuparem da mesma coisa. Ao opor-se à sua época, o homem de génio critica-a implicitamente, integrando-se implicitamente numa ou noutra das correntes críticas da época seguinte.
Ele próprio pode produzir uma ou outra dessas correntes, como Wordsworth; pode não produzir nenhuma, como Blake, e contudo viver de acordo com uma atitude paralela à sua, surgida naquela época sem ser por um discipulado propriamente dito.
Quanto mais universal é o génio, mais facilmente será aceite pela época imediatamente a seguir, pois mais profunda será a crítica implícita da sua própria época.
A felicidade depende de se ser simples. Envolve sofrimento, pela pureza que exige. Nunca se chega à felicidade pelo material, até porque passa por abdicar do que tem menos valor. Ser feliz é ser, não é ter.