O Progresso Universal do Saber nunca é Imediato
Embora o progresso do saber humano, como a queda dos graves, adquira em cada instante maior celeridade, todavia é muito difícil acontecer que uma mesma geração de homens mude de opiniões ou reconheça os próprios erros, de maneira que acredite hoje no contrário daquilo em que acreditou num outro tempo. Prepara, sim, essas possibilidades para a que se lhe segue, a qual depois descobre e acredita, em muitos aspectos, no oposto daquela. Mas, assim como ninguém sente o movimento perpétuo que nos transporta em rotação juntamente com a Terra, também a generalidade dos homens não se apercebe do progresso contínuo que os seus conhecimentos fazem, nem da constante variação dos seus juízos. E nunca muda de opinião de tal modo que fique convencida de a ter mudado. Porém, não poderia deixar de ficar convencida e de dar por isso, sempre que concebesse de repente uma ideia muito contrária àquelas que vigoravam até àquele momento. Portanto, nenhuma verdade construída desta maneira, a não ser que seja palpável, será alguma vez unanimamente credível para os conemporâneos do primeiro que a descobriu.
Textos sobre Vez
1100 resultadosO Valor da Crónica de Jornal
A crónica é como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o lêem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo, espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, dos enfeites, fala em tudo baixinho, como quando se faz um serão ao braseiro, ou como no Verão, no campo, quando o ar está triste. Ela sabe anedotas, segredos, histórias de amor, crimes terríveis; espreita, porque não lhe fica mal espreitar. Olha para tudo, umas vezes melancolicamente, como faz a Lua, outras vezes alegre e robustamente, como faz o Sol; a crónica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e facécias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o pé da imperatriz da China; ela conta tudo o que pode interessar pelo espírito, pela beleza, pela mocidade; ela não tem opiniões, não sabe do resto do jornal; está nas suas colunas contando, rindo, pairando; não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando.
O Amor é Mais Forte
Os amantes de hoje preferem a droga mais leve, o tabaco mais light ou o café descafeinado. Já ninguém quer ficar pedrado de amor ou sofrer de uma overdose de paixão. As emoções fortes são fracas e as próprias fraquezas revelam-se mais fortes. Os amantes, esses, são igualmente namorados da monotonia e amigos íntimos da disciplina. O que está fora de controlo causa-lhes confusão, e afecta-lhes uma certa zona do cérebro, mas quase nunca lhes toca o coração. O amor devia ser sonhado e devia fazê-los voar; em vez disso é planeado, e quanto muito, fá-los pensar.
Sobre o amor não se tem controlo. É um sentimento que nos domina, que nos sufoca e que nos mata. Depois dá-nos um pouco vida. No amor queremos viver, mas pouco nos importa morrer e estamos sempre dispostos a ir mais além. Deixamo-nos cair em tentação, e não nos livramos do mal, embora procuremos o bem. No amor também se tem fé, mas não se conhecem orações: amamos porque cremos, porque desejamos e porque sabemos que o amor existe. Amamos sem saber se somos amados, e por isso podemos acabar desolados, isolados e deprimidos. Que se lixe! O amor não é justo,
O Vento que Decidirmos Ser
Uma das mais importantes escolhas que cada um de nós deve fazer é a de escolhermos qual o foco prin-cipal da nossa atenção e cuidado. Se o mundo à nossa volta, a fim de o mudar, ou se o interior de nós mesmos.
Quase todos os bens e males da nossa existência partem do nosso interior, pelo que será aí que importa aperfeiçoar, de forma profunda, tudo o que existe no nosso íntimo.
Um dos trabalhos mais importantes de cada um de nós será o de saber bem o que queremos. O segredo da felicidade pode estar aí: alterar em nós o que nos possa estar a causar desnecessárias ansiedades. Quantas vezes desejamos algo que está fora da nosso controlo?
Existem três tipos de coisas: as que dependem apenas de nós; as que escapam por completo à nossa decisão; e, aquelas sobre as quais temos algum controlo, mas não total.Se fizermos a nossa alegria depender de algo que não está na nossa mão, então será fácil que nos sinta-mos roubados de algo que, na verdade, nunca foi nosso. Mesmo nos casos em que o conseguimos obter, a ansiedade associada à posse, até pela iminência de o perder da mesma forma que o ganhámos,
O Efeito da Verdadeira Maturidade
A alternância de amor e ódio caracteriza, durante muito tempo, a condição íntima de uma pessoa que quer ser livre no seu juízo acerca da vida; ela não esquece e guarda rancor às coisas por tudo, pelo bom e pelo mau. Por fim, quando, à força de anotar as suas experiências, todo o quadro da sua alma estiver completamente escrito, já não desprezará nem odiará a existência, mas tão-pouco a amará, antes permanecerá por cima dela, ora com o olhar da alegria, ora com o da tristeza, e, tal como a Natureza, a sua disposição ora será estival, ora outunal.
(…) Quem quiser seriamente ser livre perderá de mais a mais, sem qualquer constrangimento, a propensão para os erros e vícios; também a irritação e o aborrecimento o acometerão cada vez mais raramente. É que a sua vontade não quer nada mais instantaneamente do que conhecer e o meio para tanto, ou seja, a condição permanente em que ele está mais apto para o conhecimento.
A Liberdade só Existe com Lei e Poder
Liberdade e lei (pela qual a liberdade é limitada) são os dois eixos em torno dos quais gira a legislação civil. Mas, a fim de que a lei seja eficaz, em vez de ser uma simples recomendação, deve ser acrescentado um meio-termo, o poder, que, ligado aos princípios da liberdade, garanta o sucesso dos da lei. É possível conceber apenas quatro formas de combinação desse único elemento com os dois primeiros:
A. Lei e liberdade sem poder (Anarquia).
B. Lei e poder sem liberdade (Despotismo).
C. Poder sem liberdade nem lei (Barbárie).
D. Poder com liberdade e lei (República).
Todos Somos Escravos
Não há razão, caro Lucílio, para só buscares amigos no foro ou no senado: se olhares com atenção encontrá-los-ás em tua casa. Muitas vezes um bom material permanece inutilizado por falta de quem o trabalhe. Tenta, pois, e vê o resultado. Tal como é estupidez comprar um cavalo inspeccionando, não o animal, mas sim a sela e o freio, assim é o cúmulo da estupidez julgar um homem pela roupa ou pela condição social, que, de resto, é tão exterior a nós como a roupa. «É um escravo». Mas pode ter alma de homem livre. «É um escravo». Mas em que é que isso o diminui? Aponta-me alguém que o não seja: este é escravo da sensualidade, aquele da avareza, aquele outro da ambição, todos são escravos da esperança, todos o são do medo.
Posso mostrar-te um antigo cônsul sujeito ao mando de uma velhota, um ricalhaço submetido a uma criadita, posso apontar-te jovens filhos de nobilíssimas famílias que se fazem escravos de bailarinos: nenhuma servidão é mais degradante do que a voluntariamente assumida. Aí tens a razão por que não deves deixar que os nossos tolos te impeçam de seres agradável para com os teus escravos, em vez de os tratares com altiva superioridade.
A Inconsistência Humana
Que todos os homens são iguais é uma proposição à qual, em tempos normais, nenhum ser humano sensato deu, alguma vez, o seu assentimento. Um homem que tem de se submeter a uma operação perigosa não age sob a presunção de que tão bom é um médico como outro qualquer. Os editores não imprimem todas as obras que lhes chegam às mãos. E quando são precisos funcionários públicos, até os governos mais democráticos fazem uma selecção cuidadosa entre os seus súbditos teoricamente iguais.
Em tempos normais, portanto, estamos perfeitamente certos de que os Homens não são iguais. Mas quando, num país democrático, pensamos ou agimos politicamente, não estamos menos certos de que os Homens são iguais. Ou, pelo menos – o que na prática vem ser a mesma coisa – procedemos como se estivéssemos certos da igualdade dos Homens.
Identicamente, o piedoso fidalgo medieval que, na igreja acreditava em perdoar aos inimigos e oferecer a outra face, estava pronto, logo que mergia novamente à luz do dia, a desembainhar a sua espada à mínima provocação. A mente humana tem uma capacidade quase infinita para ser inconsistente.
O Desejo de Discutir
Se as discussões políticas se tornam facilmente inúteis, é porque quando se fala de um país se pensa tanto no seu governo como na sua população, tanto no Estado como na noção de Estado enquanto tal. Pois o Estado como noção é uma coisa diferente da população que o compõe, igualmente diferente do governo que o dirige. É qualquer coisa a meio caminho entre o físico e o metafísico, entre a realidade e a ideia.
È a esse género de estirilidade que estão geralmente condenadas, tal como acontece com as discussões políticas, as que incidem sobre a religião, pois a religião pode ser sinónima de dogmas, ou de ritual, ou referir-se a posições pessoais do indivíduo sobre questões ditas eternas, o infinito e a eternidade, problemas do livre arbítrio e da responsabilidade ou, como se diz também: Deus.
E o mesmo acontece com as discussões que têm a ver com a maior parte dos assuntos abstractos, sobretudo a ética e os temas filosóficos, mas também com campos de análise mais restritos, incidindo sobre os problemas mais imediatos, como por exemplo o socialismo, o capitalismo, a aristocracia, a democracia, etc…, em que as noções são tomadas tanto no sentido amplo como no restrito,
O Estilo é um Reflexo da Vida
Qual a causa que provoca, em certas épocas, a decadência geral do estilo ? De que modo sucede que uma certa tendência se forma nos espíritos e os leva à prática de determinados defeitos, umas vezes uma verborreia desmesurada, outras uma linguagem sincopada quase à maneira de canção? Porque é que umas vezes está na moda uma literatura altamente fantasiosa para lá de toda a verosimilhança, e outras a escrita em frases abruptas e com segundo sentido em que temos de subentender mais do que elas dizem? Porque é que nesta ou naquela época se abusa sem restrições do direito à metáfora? Eis o rol dos problemas que me pões. A razão de tudo isto é tão bem conhecida que os Gregos até fizeram dela um provérbio: o estilo é um reflexo da vida! De facto, assim como o modo de agir de cada pessoa se reflecte no modo como fala, também sucede que o estilo literário imita os costumes da sociedade sempre que a moral pública é contestada e a sociedade se entrega a sofisticados prazeres. A corrupção do estilo demonstra plenamente o estado de dissolução social, caso, evidentemente, tal estilo não seja apenas a prática de um ou outro autor,
A Moda
As variações da sensibilidade sob a influência das modificações do meio, das necessidades, das preocupações, etc., criam um espírito público que varia de uma geração para outra e mesmo muitas vezes no espaço de uma geração. Esse espírito publico, rapidamente dilatado por contacto mental, determina o que se chama a moda. Ela é um possante factor de propagação da maior parte dos elementos da vida social, das nossas opiniões e das nossas crenças.
Não é só o vestuário que se submete às suas vontades. O teatro, a literatura, a política, a arte, as próprias idéias científicas lhe obedecem, e é por isso que certas obras apresentam um fundo de semelhança que permite falar do estilo de uma época.
Em virtude da sua acção inconsciente, submetemo-nos à moda sem que o percebamos. Os espíritos mais independentes a ela não se podem subtrair. São muito raros os artistas, os escritores que ousam produzir uma obra muito diferente das ideias do dia.
A influência da moda é tão pujante que ela obriga-nos, por vezes, a admirar coisas sem interesse e que parecerão mesmo de uma fealdade extrema, alguns anos mais tarde. O que nos impressiona numa obra de arte é muito raramente a obra em si mesma,
Miseráveis Macabros
É que não foram tão poucas como isso as vezes que vi a piedade enganar-se. Nós, que governamos os homens, aprendemos a sondar-lhes os corações, para só ao objecto digno de estima dispensarmos a nossa solicitude. Mais não faço do que negar essa piedade às feridas de exibição que comovem o coração das mulheres. Assim como também a nego aos moribundos, e além disso aos mortos. E sei bem porquê.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas úlceras. Até chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longínqua unguentos derivados do ouro, que têm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim até descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportável fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pústulas, como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de púrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridão e gabavam-se das esmolas recebidas.
Aquele que mais ganhara comparava-se a si próprio ao sumo sacerdote que expõe o ídolo mais prendado. Se consentiam em consultar o meu médico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilência e pelas proporções.
A Inveja só Incide sobre os Vivos
Por mais que vivamos juntos, e nos vejamos sempre, é por um modo como vago, e passageiro: as cousas nem por estarem muito perto se vêem melhor, e os Heróis o que os faz mais visíveis, é a distância, e desproporção dos outros homens em que os põem as suas acções; não só os homens, mas ainda os sucessos, quanto mais longe vão ficando, mais crescem, e nos vão parecendo maiores, até que os vimos a perder de vista, e muitas vezes da memória; porque no tempo também há um ponto de perspectiva, donde como em espelho vão crescendo todos os objectos, e em chegando a um certo termo, desaparecem. As empresas, que hoje vemos, talvez não sejam inferiores às que a tradição refere do tempo do heroísmo; porém têm de menos o estarem próximas a nós, e as outras têm de mais, o valor que recebem de uma antiguidade venerável: aquelas admiramos porque não temos inveja, nem vaidade, que nos preocupe contra os que passaram há muitos séculos; contra os que existem sim, e destes, se sabemos as acções, também sabemos as circunstâncias delas; por isso as desprezamos, porque é rara a empresa heróica, em que não entre algum fim indigno,
A Tua Importância na Tua Vida
É fundamental reconheceres a tua importância na tua vida. Por algum motivo nasceste, aprendeste a respirar e tiveste direito a um nome, nome esse que, em conjunto com as tuas características, te identificará eternamente como um ser individual, único e livre. Haverá algo mais especial e precioso que isso? Estou em crer que não; ainda assim, encontro muitas pessoas a quererem ser outras e outras ainda a querer acabar com elas próprias na esperança de, imediatamente, poderem vir a ser outro alguém. É o teu caso? Se for deve ser uma chatice, mas, também, se não te dás qualquer importância, que importância te darei eu? Já calculaste o perigo em que incorres por pensar desta maneira? Em menos de nada, estarás sozinho ou rodeado de gente como tu, ausente e que meteu férias no inferno para sempre. Bom, mas alegrem-se os corações porque acredito que não lerias estas linhas iniciais se nada estivesse a borbulhar aí dentro, se não existisse, pelo menos, uma fugaz esperança e uma enorme vontade de mudar. Está atento, o passado só influencia o presente se mantiveres o mesmo comportamento, por isso liberta-te dessa dor por uns instantes e lê em voz alta a próxima frase tantas vezes quantas achares necessário.
O Jugo da Maquinaria Política
Os interesses comuns do género humano são enumeráveis e ponderáveis, porém a maquinaria política existente obscurece-os por causa da luta em torno do poder entre diferentes nações e partidos. Máquina diferente, que não exigisse modificações legislativas ou constitucionais e que não fosse muito difícil de criar, minaria a fortaleza da paixão nacional e partidária e focalizaria a atenção sobre medidas benfazejas a todos, em vez de concentrá-la em prejudicar o inimigo. No meu entender, é por esta directriz, e não pelo governo nacionalmente partidário, que se encontrará a saída dos perigos que actualmente ameaçam a civilização. O saber existe, e a boa vontade; ambos porém continuarão impotentes enquanto não possuirem orgãos próprios para se fazerem ouvir.
Serenidade Desperta
Tenho tanta coisa para fazer. Pois, mas aquilo que faz, fá-lo com qualidade? Conduzir até ao emprego, falar com os clientes, trabalhar no computador, fazer recados, lidar com os incontáveis afazeres que preenchem a sua vida quotidiana – até que ponto é que se entrega às coisas que faz? E realiza-as com entrega, sem resistência, ou, pelo contrário, sem se entregar e resistindo à acção? É isto que determina o sucesso na vida e não a dose de esforço que se despende. O esforço implica stresse e desgaste físico, implica a necessidade absoluta de atingir um determinado objectivo ou de alcançar um determinado resultado.
É capaz de detectar dentro de si até a mais pequena sensação de não quererestar a fazer aquilo que está a fazer? Isso é uma negação da vida e, desse modo, não será possível obter resultados verdadeiramente bons.
Se for capaz de descobrir aquela sensação, será que também consegue abdicar dela e entregar–se completamente àquilo que faz?
“Fazer uma coisa de cada vez”, foi assim que um Mestre Zen definiu o espírito da filosofia Zen.
Fazer uma coisa de cada vez significa estar nela por inteiro, concentrar nela toda a sua atenção.
Descobrir os Vícios dos Outros
Eis agora um bom método para descobrir os vícios de uma pessoa. Começa por conduzir a conversa para os vícios mais correntes, depois aborda mais em particular os que pensas que possam afligir o teu interlocutor. Fica a saber que se mostrará extremamente duro na reprovação e denúncia do vício de que ele próprio padece. Assim se vêem muitas vezes pregadores fustigar com a maior veemência os vícios que os aviltam.
Para desmascarar um falso, consulta-o acerca de um determinado assunto. Depois, passados alguns dias, volta a falar-lhe nesse mesmo assunto. Se, da primeira vez, te quis induzir em erro, a opinião que desta segunda vez te dará será diferente: quer a Diniva Providência que depressa esqueçamos as nossas próprias mentiras.
Finge-te bem informado acerca de um caso de que, na realidade, não sabes grande coisa, na presença de pessoas das quais tenhas motivos para crer que estão perfeitamente ao corrente: verás que se trairão, ao corrigirem o que disseres.
Quando vires um homem afectado por um grande desgosto, aproveita a ocasião para o lisonjear e consolar. É muitas vezes nestas circunstâncias que deixará transparecer os seus pensamentos mais secretos e ocultos.
Leva as pessoas –
Metade da Vida é uma Perdulária Expectativa
Vou fazendo horas – metade da vida é uma perdulária expectativa. E tonta. E ansiosa. E inútil. Como quem se sentou numa gare de caminho-de-ferro, à espera de um comboio que não se sabe quando passará e qual o seu destino. Certeza, e relativa, está apenas no local de espera. E às vezes na própria espera. Se chegamos a concretizar a viagem, o lugar aonde o comboio nos levou, desilude-nos. Isso, porém, não impede que tudo venha a repetir-se. Desperdiça-se o instante real e concreto, mas que, como areia, se nos escapa das mãos, em favor de uma ilusória vez seguinte.
A Virtude Pura não Existe nos Dias de Hoje
Numa época tão doente como esta, quem se ufana de aplicar ao serviço da sociedade uma virtude genuína e pura, ou não sabe o que ela é, já que as opiniões se corrompem com os costumes (de facto, ouvi-os retratarem-na, ouvi a maior parte glorificar-se do seu comportamento e formular as suas regras: em vez de retratarem a virtude, retratam a pura injustiça e o vício, e apresentam-na assim falsificada para educação dos príncipes), ou, se o sabe, ufana-se erradamente e, diga o que disser, faz mil coisas que a sua consciência reprova.
(…) Em tal aperto, a mais honrosa marca de bondade consiste em reconhecer o erro próprio e o alheio, empregar todas as forças a resistir e a obstar à inclinação para o mal, seguir contra a corrente dessa tendência, esperar e desejar que as coisas melhorem.
Um Dia Bem Passado
De vez em quando acontece, um dia bem passado. Um dia que é o contrário da vida, porque desde o primeiro ao último momento acordado, passa-se bem, como antigamente se dizia em Angola e cá.
Um dia bem passado não pode ser planeado. Mas tem de ser protegido. Um dia bem passado é um dia que se passa quase às escondidas. Parece mais roubado do que um beijo – e tem razão.
Um dia bem passado, como foi o último dia de Setembro para a minha mulher e para mim, tem de meter pargos, lavagantes, ostras e beijinhos.
Na Praia das Maçãs, nos boníssimos restaurantes Neptuno e Búzio, as ostras são sumptuosas. Mas não as vendem à dúzia e à meia-dúzia, comme il faut. É ao peso, a granel, como eles as compram. É uma prática que irrita. Mas com toda a delicadeza, claro. Como uma pérola, formada pela irritação de um grão de areia dentro de uma ostra. O peso de uma ostra (a concha mais a carne) nada diz sobre o peso do molusco. Há ostras gordas e suculentas escondidas por conchas minimais e esguias e há ostras minimais e esguias escondidas por conchas gordas e suculentas.