A vida é a memória do povo, a consciência colectiva da continuidade histórica, a maneira de pensar e de viver.
Passagens sobre Vida
6391 resultadosÓ fútil ambição, que destróis as próprias fontes da tua vida!
Quando Falo com Sinceridade não sei com que Sinceridade Falo
Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou váriamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpétuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.
Tu eras também uma pequena folha que tremia no meu peito. O vento da vida pôs-te ali. A princípio não te vi: não soube que ias comigo, até que as tuas raízes atravessaram o meu peito, se uniram aos fios do meu sangue, falaram pela minha boca, floresceram comigo.
Toda a moral não é, no fundo, senão uma forma depurada de medidas desenvolvidas por toda a vida orgânica para se adaptar e, conjuntamente, se alimentar e conseguir poder.
Bem Supremo e Razão
Quando a experiência me ensinou que os acontecimentos ordinários da vida são fúteis e vãos e me apercebi de que tudo que era para mim causa ou objecto de receio não tem em si mesmo nada de bom ou de mau, a não ser na medida da comoção que excita na alma, resolvi, finalmente, indagar se existia um bem verdadeiro e susceptível de se comunicar, qualquer coisa enfim cuja descoberta e posse me trouxessem para sempre um júbilo continuo e soberano.
(…) O que nos ocupa mais frequentemente na vida e que os homens, como pode concluir-se dos seus actos, consideram ser o bem supremo pode reduzir-se a três coisas: riqueza, fama, prazer dos sentidos.
Ora cada um deles distrai o espírito de tal modo que mal pode pensar noutro bem. (…)
– Pelo prazer sensual se detém a alma como se repousasse num bem verdadeiro, o que a impede em absoluto de pensar noutra coisa; após o prazer vem a extrema tristeza, que, se não suspende o pensamento, perturba e embota. A busca da fama e da riqueza não absorve menos o espírito, sobretudo quando a riqueza é desejada por si mesma, conferindo-lhe, então, a categoria de bem supremo.
Que Poderei Do Mundo Já Querer
Que poderei do mundo já querer,
que naquilo em que pus tamanho amor,
não vi senão `desgosto e desamor,
e morte, enfim, que mais não pode ser!Pois vida me não farta de viver,
pois já sei que não mata grande dor,
se cousa há que mágoa dê maior,
eu a verei; que tudo posso ver.A morte, a meu pesar, me assegurou
de quanto mal me vinha; já perdi
o que perder o medo me ensinou.Na vida desamor somente vi,
na morte a grande dor que me ficou:
parece que para isto só nasci!
A gente sempre pode tentar a vida em outro lugar. E a gente sempre pode ser feliz. E sorrir
É o Que a Gente Leva Desta Vida…
A persistência instintiva da vida através da aparência da inteligência é para mim uma das contemplações mais íntimas e mais constantes. O disfarce irreal da consciência serve somente para me destacar aquela inconsciência que não disfarça.
Da nascença à morte, o homem vive servo da mesma exterioridade de si mesmo que têm os animais. Toda a vida não vive, mas vegeta em maior grau e com mais complexidade. Guia-se por normas que não sabe que existem, nem que por elas se guia, e as suas ideias, os seus sentimentos, os seus actos, são todos inconscientes – não porque neles falte a consciência, mas porque neles não há duas consciências.
Vislumbres de ter a ilusão – tanto, e não mais, tem o maior dos homens.
Sigo, num pensamento de divagação, a história vulgar das vidas vulgares. Vejo como em tudo são servos do temperamento subconsciente, das circunstâncias externas alheias, dos impulsos de convívio e desconvívio que nele, por ele e com ele se chocam como pouca coisa.
Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»…
Há qualquer coisa de longínquo em mim neste momento. Estou de fato à varanda da vida, mas não é bem desta vida. (…) Sou todo eu uma vaga saudade, nem do passado, nem do futuro: sou uma saudade do presente, anônima, prolixa e incompreendida.
Os felizes pouco conhecem da vida: a dor é a grande mestra dos homens.
Ser tornava-se-me imensamente voluptuoso. Desejara provar todas as formas da vida; as dos peixes e as das plantas. Em meio a todas as alegrias dos sentidos, invejava as do tato.
Casar por Amor
Quando eu pensava que não podia ser mais feliz, manhã após manhã era mais, mas só um bocadinho mais do que o máximo humanamente possível; pensava eu ser absolutamente impossível que eu fosse, de repente, muito mais feliz, do que a própria felicidade até. Mas, de repente, fui. Muito mais. Casei com o meu amor e o meu amor tornou-se a minha mulher, minha em tudo, para tudo, para sempre. E eu, finalmente, consegui divorciar-me de mim e deixar de ser tão triste e aborrecidamente meu, trocando-me, no melhor negócio do século, por ela. Ela ficou minha. Eu fiquei dela. É ou não é estranho e lindo e bem pensado por Deus Nosso Senhor que ambos pensemos que nos livrámos de boa e ficámos a ganhar? É.
É sim. A minha mulher é mais minha do que eu alguma vez fui meu — e eu antes não podia ter sido mais para mim, felizmente. Por ter tudo agora para lhe dar. Que alívio. Nunca mais me quero ver na vida.
A não ser aos olhos dela, onde sou muito bem visto — talvez o maior homem que já viveu, logo a seguir ao pai dela, claro. É um milagre como melhorei tanto.
Todos os dias penso imensas vezes que a minha vida exterior e interior assenta sobre o labor dos seres humanos presentes e dos que já faleceram, de modo que tenho de me esforçar por dar na mesma medida em que recebi e continuo a receber.
Será genuína sabedoria de vida de quem possui algo de justo em si mesmo, se, em caso de necessidade, souber limitar as próprias carências, a fim de preservar ou ampliar a sua liberdade, isto é, se souber contentar-se com o menos possível para a sua pessoa nas relações inevitáveis com o universo humano.
Cara Minha Inimiga, Em Cuja Mão
Cara minha inimiga, em cuja mão
pôs meus contentamentos a ventura,
faltou te a ti na terra sepultura,
porque me falte a mim consolação.Eternamente as águas lograrão
a tua peregrina fermosura;
mas, enquanto me a mim a vida dura,
sempre viva em minh’alma te acharão.E se meus rudos versos podem tanto
que possam prometer te longa história
daquele amor tão puro e verdadeiro,celebrada serás sempre em meu canto;
porque enquanto no mundo houver memória,
será minha escritura teu letreiro.
Ilusões Mortas
A Virgílio Várzea
Os meus amores vão-se mar em fora,
E vão-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.E os meus amores não virão agora,
Não baterão as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudosoNo fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.
A Subfelicidade
O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.
O que mais dói é a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que não se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade não magoa – vai magoando; a subfelicidade não martiriza – vai martirizando. Não é intensa – mas é imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silêncio, em surdina, em anonimato. Como se não fosse. Mas é: a subfelicidade é. A subfelicidade faz-te ficar refém do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que não tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre à mão de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade é o piso -1 da felicidade. E não há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daí.
A uma Rapariga
À Nice
Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste duma flor!…
A vida é um sonho um pouco menos inconstante.