Quando ouço música, a minha imaginação compraz-se muitas vezes com o pensamento de que a vida de todos os homens e a minha própria vida não são mais do que sonhos de um espírito eterno, bons e maus sonhos, de que cada morte é o despertar.
Passagens sobre Espírito
1286 resultadosA Vós Seu Resplendor Deu Sol e Lua
Pelos raros extremos que mostrou
Em sábia Palas, Vénus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Ásia as adorou.Aquele saber grande que juntou
Espírito e corpo em liga generosa,
Esta mundana máquina lustrosa
De só quatro elementos fabricou.Mas fez maior milagre a natureza
Em vós, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.A vós seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.
Uma Discussão nesta Santa Terra Portuguesa Acaba sempre aos Berros
Não há maneira. Por mais boa vontade que tenham todos, uma discussão nesta santa terra portuguesa acaba sempre aos berros e aos insultos. Ninguém é capaz de expor as suas razões sem a convicção de que diz a última palavra. E a desgraça é que a esta presunção do espírito se junta ainda a nossa velha tendência apostólica, que onde sente um náufrago tem de o salvar. O resultado é tornar-se impossível qualquer colaboração nas ideias, o alargamento da cultura e de gosto, e dar-se uma trágica concentração de tudo na mesquinhez do individual.
Mater Dolorosa
Sozinha, olho para o teu corpo e sei como é dentro de mim que ele
existe;
desde que nasceste compreendi que podiam apenas os meus braços
acolher-te. Fico de novo presa
a este sofrimento. Sentia como chegava a sombra e com ela o que
seria apenas
o teu espírito, perdido como as primeiras imagens que se
desprendem agora
nesta manhã tranquila. Há-de a sua recordação ser talvez a mesma
que vinha com os sonhos ainda suspensos pelas mãos que se
tomam
mais leves, iniciais. Poderia descer para mim este sangue; ele
pertencia-me
como se a luz viesse apenas recolhê-lo. O resto era o que se não
separava
da noite, dessas vestes que ficam caídas sobre o teu corpo
como se fossem a piedade; era tão pouco o que recebias. Ajudo-te
com o meu silêncio. Julgo que talvez nele chegue um pouco
de calor
a que sozinho te poderias acolher. Assim repousas junto de mim
e principio a olhar-te. Que idade era a tua quando se uniram
as mãos? Espero há muito as palavras que traziam consigo
uma recordação que não podia existir na tua voz apagada;
Felicidade e Alegria
Não creio que se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre. O que é próprio do homem na sua forma mais alta é superar o conceito de felicidade, tornar-se como que indiferente a ser ou não ser feliz e ver até o que pode vir do obstáculo exactamente como melhor meio para que possa desferir voo. Creio que a mais perfeita das combinações seria a do homem que, visto por todos, inclusive por si próprio, como infeliz, conseguisse fazer de sua infelicidade um motivo daquela alegria que se não quebra, daquela alegria serena que o leva a interessar-se por tudo quanto existe, a amar todos os homens apesar do que possa combater, e é mais difícil amar no combate que na paz, e sobretudo conservar perante o que vem de Deus a atitude de obediência ou melhor, de disponibilidade, de quem finalmente entendeu as estruturas da vida.
Os felizes passam na vida como viajantes de trem que levassem toda a viagem dormindo; só gozam o trajecto os que se mantêm bem despertos para entender as duas coisas fundamentais do mundo: a implacabilidade,
Mais Vale ser Estimado que Amado
Rochefoucauld observou de maneira pertinente que é difícil, ao mesmo tempo, ter em alta estima e amar muito a mesma pessoa. Teríamos, então, de escolher entre querer ganhar o amor ou a estima dos homens. O seu amor é sempre interesseiro, embora de maneiras bem diversas. Além do mais, a condição que nos permite conquistá-lo nem sempre é apropriada para nos orgulharmos. Antes de mais nada, uma pessoa é tanto mais amada quanto mais moderar as suas expectativas em relação ao espírito e ao coração dos outros; e tudo isso a sério, sem fingimento, e não apenas devido à indulgência enraizada no desprezo. Recordemos aqui o dito verdadeiro de Helvécio: «O grau de espírito necessário para nos agradar é uma medida bastante exacta do grau de espírito que possuímos». E assim chegamos à conclusão iniciada pelas premissas. Por outro lado, quando se trata da estima dos homens, dá-se o contrário: esta só lhes é arrancada contra a vontade; por isso, na maioria das vezes é ocultada. Desse modo, ela proporciona-nos uma satisfação interior bem maior, pois está relacionada ao nosso valor, o que não vale imediatamente para o amor dos homens, já que este é subjectivo, enquanto a estima é objectiva.
Não tenteis a louca empresa de aniquilar o sentimento, espíritos áridos que infundadamente o temeis, como coisa desconhecida à vossa alma seca e estéril. Quem deveras confia nos destinos da humanidade não tem medo das lágrimas. Pode-se triunfar, com elas nos olhos.
Sou solitário por natureza. No nosso tempo, onde a promiscuidade começa na família, apenas a solidão nos permite ser semelhante ao pássaro de S. João da Cruz: nos cimos cantar sem alvoroço, virado para onde sopra o espírito da terra.
O rabo das mulheres é tão monótono como o espírito dos homens.
Sem Medo nem Esperança
Li no nosso Hecatão que pôr termo aos desejos é proveitoso como remédio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como é possível conciliar duas coisas tão diversas. Mas é assim mesmo, amigo Lucílio: embora pareçam dissociadas, elas estão interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes, caminham lado a lado: à esperança segue-se sempre o medo. Nem é de admirar que assim seja: ambos caracterizam um espírito hesitante, preocupado na expectativa do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num mal. As feras fogem aos perigos que vêem mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!
O Cuidado pela Posteridade é Maior naqueles que não Deixam Posteridade
As alegrias dos pais são secretas, como também o são os desgostos e os receios: não sabem exprimir as primeiras, não querem exprimir os segundos. As crianças tornam mais suaves os nossos trabalhos, mas tornam amargas as nossas desgraças; acrescem os cuidados da vida, mas mitigam a lembrança da morte. A perpetuidade pela geração é comum aos animais; mas a glória, o mérito, e os nobres feitos são próprios do homem. E certamente observar-se-á que as obras e as instituições mais nobres provêm de homens sem filhos, homens que transmitiram as imagens do seu espírito, já que não transmitiram as dos seu corpo. Assim o cuidado pela posteridade é maior naqueles que não deixam posteridade.
A Justa Medida no Convívio
Não é necessário esforçar-se demasiado pela abundância quando se tem apenas a intenção de agradar, o valor e a raridade são bem mais consideráveis, a abundância cansa, a menos que seja extremamente diversificada. Pode até mesmo ocorrer, pelo demasiado número de belas coisas, que não se goste tanto, e mesmo que se estime menos aqueles que as fazem ou que as dizem; pois a abundância atrai a inveja que arruína sempre a amizade. Essa abundância faz também com que não se admire mais aquilo que se achava, de início, tão surpreendente, pois fica-se acostumado, e aquilo não parece mais tão difícil.
Em todos os exercícios como a dança, o manejo das armas, voltear ou montar a cavalo, conhecem-se os excelentes mestres do ofício por um não sei quê de livre e desenvolto que agrada sempre, mas que não pode ser muito adquirido sem uma grande prática; não basta ainda ter-se exercitado assim por longo tempo, a menos que tenham sido tomados os melhores caminhos. As graças amam a justeza em tudo o que acabo de dizer; mas de um modo tão ingénuo, que dá a pensar que é um presente da natureza. Isto mostra-se também verdadeiro nos exercícios do espírito e na conversação,
A questão mais aflitiva para o espírito no Além é a consciência do tempo perdido.
A presença de espírito é mais necessária a um negociante do que a um ministro: os grandes postos dispensam, às vezes, os menores talentos.
As Influências no Estado de Espírito
Agora estou disposto a fazer tudo, agora a nada fazer; o que me é um prazer neste momento em alguma outra vez me será um esforço. Acontecem em mim mil agitações desarrazoadas e acidentais. Ou o humor melancólico me domina, ou o colérico; e, com a sua autoridade pessoal, neste momento a tristeza predomina em mim, neste momento a alegria. Quando pego em livros, terei captado em determinada passagem qualidades excelentes e que terão tocado a minha alma; quando uma outra vez volto a deparar com ela, por mais que a vire e revire, por mais que a dobre e apalpe, é para mim uma massa desconhecida e informe.
Mesmo nos meus escritos nem sempre reencontro o sentido do meu pensamento anterior: não sei o que quis dizer, e amiúde me esfalfo corrigindo e dando-lhe um novo sentido, por haver perdido o primeiro, que valia mais. Não faço mais que ir e vir: o meu julgamento nem sempre caminha para a frente; ele flutua, vagueia, Como um barquinho frágil surpreendido no vasto mar por uma tempestade violenta (Catulo).
Muitas vezes (como habitualmente me advém fazer), tendo tomado para defender, por exercício e por diversão, uma opinião contrária à minha,
Nunca Mostrar Espírito e Entendimento
Como ainda é inexperiente quem supõe que, ao mostrar espírito e entendimento, recorre a um meio seguro para fazer-se benquisto em sociedade! Na verdade, na maioria das pessoas, tais qualidades despertam ódio e rancor, que serão tão mais amargos quanto quem os sentir não tiver o direito de externar o motivo, chegando até a dissimulá-lo para si mesmo. Isso acontece da seguinte forma: se alguém nota e sente uma grande superioridade intelectual naquele com quem fala, então conclui tacitamente e sem consciência clara que este, em igual medida, notará e sentirá a sua inferioridade e a sua limitação. Essa conclusão desperta o ódio, o rancor e a raiva mais amarga.
(…) Mostrar espírito e entendimento é uma maneira indirecta de repreender nos outros a sua incapacidade e estupidez. Ademais, o indivíduo comum revolta-se ao avistar o seu oposto, sendo a inveja o seu instigador secreto. A satisfação da vaidade é, como se pode ver diariamente, um prazer que as pessoas colocam acima de qualquer outro, mas que só é possível por intermédio da comparação delas próprias com os demais. No entanto, nenhum mérito torna o homem mais orgulhoso do que o intelectual: só neste repousa a sua superioridade em relação aos animais.
O Artista e a sua Obra
O artista tem pois essa experiência com a sua obra: ele não produziu uma essência igual a ele mesmo. Sem dúvida, da sua obra retorna para ele uma consciência, pois uma multidão admirativa honra a obra como o espírito que é a essência deles. Essa admiração, porém, ao lhe restituir a sua consciência de si apenas como admiração é antes uma confissão feita ao artista de que ela não é igual a ele. Uma vez que o seu Si retorna para ele como júbilo em geral, ali ele não encontra nem a dor da sua formação e da sua produção, nem o esforço do seu trabalho. Os outros podem de facto julgar a obra ou trazer-lhe oferendas, conceber, de algum modo, que ela seja a sua consciência; se eles se colocam com o seu saber acima dela, o artista, pelo contrário, sabe o quanto a sua operação vale mais do que a compreensão e o discurso deles; se eles se colocam abaixo dela e nela reconhecem a essência deles que os domina, ele conhece-a, pelo contrário, como o seu senhor.
A Necessidade do Desarmamento
A realização do plano de desarmamento tem sido prejudicada principalmente por ninguém se dar verdadeiramente conta da enorme dificuldade do problema em geral. A maior parte dos objectivos só são atingidos a passos lentos. Basta pensar na substituição da Monarquia absoluta pela Democracia! É um objectivo que convém atingir depressa.
Com efeito, enquanto não for excluída a possibilidade de guerra, as nações não prescindirão de se prepararem militarmente o melhor possível, para poderem enfrentar vitoriosamente a próxima guerra. Nem tão-pouco se prescindirá de educar a juventude nas tradições guerreiras, de alimentar a comezinha vaidade nacional aliada à glorificação do espírito guerreiro, enquanto for preciso contar com a possibilidade de vir a fazer uso desse espírito dos cidadãos na resolução dos conflitos pelas armas. Armar-se significa precisamente afirmar e preparar a guerra e não a paz! Portanto, não interessa proceder ao desarmamento gradual mas radicalmente, de uma só vez, ou nunca.
A realização de tão profunda modificação na vida dos povos tem como condição um enorme esforço moral e o abandono de tradições profundamente enraizadas. Quem não estiver preparado para, em caso de conflito, fazer depender o destino da sua pátria incondicionalmente das decisões dum tribunal internacional de arbitragem,
Custa tanto escrever um bom livro como um mau livro; mas só merece respeito a Arte que é em nós uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito, ainda que a obra, relativa à nossa exigência, nos pareça medíocre.
O Natal é o espírito de dar sem um pensamento de obter. É felicidade porque vemos alegria nas pessoas. É esquecermo-nos a nós próprios e encontrar tempo para os outros. É descartar as coisas sem sentido e sublinhar os verdadeiros valores.