O Problema em Amar

O problema em amar quem te ama é o de quem te ama te amar como tu amas quem te ama. E depois o encadeamento é simples: quem te ama quer-te presente por dentro dele a toda a hora, por todo o lado do teu lado; e tu queres quem te ama presente em ti a toda a hora, por todo o lado do teu lado. Mas os corpos – por mais que a alma não seja palpável também ela tem um corpo – têm um limite de dilatação. A partir de uma certa altura: pára. E já não alarga mais. E tu queres enfiar o espaço que quem ama ocupa em ti mesmo ao lado do espaço do que te amas. E não dá. Não dá para te amares como amas quem amas. E depois quem te ama como tu amas quem te ama vai querer fazer o mesmo contigo. E não dá. Os corpos – repito – têm um limite de dilatação. E chega uma altura em que uma parte de ti não cabe na parte toda de quem amas; e chega uma altura em que uma parte de quem amas não cabe na parte toda de ti. E é assim, em batalhas estéreis pela posse de espaços que não existem, pela conquista de partes que só existem nas cabeças em forma de demais (porque apaixonadas) de quem ama, que tudo se parte. É assim que o amor se parte em pedaços: por dentro das insuficiências de duas almas que têm corpos que nunca cabem (porque são independentes e sempre terão de ser para serem o que sempre terão de ser) nos corpos das almas sobre as quais se julgam sustentados. E é assim que tudo fica insustentável. Mesmo com amor, mesmo com demais, mesmo com tesão, paixão, cumplicidade e o diabo e o deus a quatro ou a cinco ou a dez. É assim – numa guerra inconsciente (quantas vezes percebeste mesmo que estavas a ir longe demais e mesmo assim quiseste ir ainda mais longe porque só mais te daria o demais que procuravas?) – que amar se torna insustentável. É assim que amar se vai – primeiro em partes. E depois em toda a parte. Porque amar não pode ser toda a parte. E amar só é – quando é amar – toda a parte. Que vá para o raio que o parte.