A carne é cinza, a alma é chama.
Passagens sobre Alma
2567 resultadosSempre, Cruel Senhora, Receei
Sempre, cruel Senhora, receei,
medindo vossa grã desconfiança,
que desse em desamor vossa tardança,
e que me perdesse eu, pois vos amei.Perca-se, enfim, já tudo o que esperei,
pois noutro amor já tendes esperança.
Tão patente será vossa mudança,
quanto eu encobri sempre o que vos dei.Dei-vos a alma, a vida e o sentido;
de tudo o que em mim há vos fiz s
enhora. Prometeis e negais o mesmo Amor.Agora tal estou que, de perdido,
não sei por onde vou, mas algü’hora
vos dará tal lembrança grande dor.
A Vida Raramente depende da Inciativa dos Homens
Poucas pessoas saberão, a meio da vida, como chegaram a ser o que são, aos seus prazeres, à sua visão do mundo, à sua mulher, ao seu carácter, à sua profissão e aos seus êxitos; mas sentem que a partir daí as coisas já não irão mudar muito. Poderia mesmo afirmar-se que foram enganadas, porque não se consegue descobrir em lugar nenhum a razão suficiente para que tudo tenha acontecido como aconteceu, quando teria sido perfeitamente possível ter acontecido de outra forma. O que acontece, aliás, raramente depende da iniciativa dos homens, mas quase sempre das mais variadas circunstâncias, dos caprichos, da vida e da morte de outras pessoas, e, de certo modo, limita-se a vir ter connosco naquele preciso momento. Na juventude, a vida está ainda à nossa frente como uma manhã inesgotável, plena de possibilidades e de vazio; mas logo ao meio-dia algo se anuncia que reclama ser a nossa própria vida, mas que é tão surpreendente como uma pessoa com quem nos correspondemos durante vinte anos sem a conhecer, e que um belo dia, de repente, temos diante de nós e constatamos que é completamente diferente do que havíamos imaginado.
Mas o mais estranho é que a maior parte das pessoas nem dêem por isso;
Dura é a luta contra o desejo, que compra o que quer à custa da alma.
Plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar, que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!
Se fracassar, ao menos que fracasse ousando grandes feitos, de modo que a sua postura não seja nunca a dessas almas frias e tímidas que não conhecem nem a vitória nem a derrota.
Quando Eu Partir
Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nós ambos, quanta,Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, ó minha santa!
Aleluia! Aleluia!
Dentre um cortejo de harpas e alaúdes
Ó Arcanjo sereno, Arcanjo níveo,
Baixas-te à terra, ao mundanal convívio…
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alívio
Aos báratros, às brenhas, ao declívio
Deste caminho de ânsias e ataúdes…Já que desceste das regiões celestes,
Nesse clarão flamívomo das vestes,
Através dos troféus da EternidadeTraz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angústias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!
O que separa a alma do corpo não é a morte, é a vida.
Soneto XXXXVI
Tanto que sente enfraquecer o alento,
Quebrado o brio e já menos ligeira
Co’ a longa idade e vida derradeira,
[A] Águia a presa siguir cortar o vento.Levanta o mais que pode o vôo isento
E, firida do Sol desta maneira
Dá no mar, recobrando a força inteira
E, com novo vigor, novo ornamento.Quem não vê figurada a grande glória
De ua alma, cuja vida mal gastada
Com nova penitência se melhora.Ao alto se levanta co’a memória,
E no divino amor toda abrasada
Cai no mar das lágrimas que chora.
Livre!
Livre! Ser livre da materia escrava,
Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre, penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.Livre da humana, da terrestre bava
Dos corações daninhos que regelam
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.Livre! bem livre para andar mais puro,
Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu amor, de todas as justiças.Livre! para sentir a Natureza,
Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria.
A leitura engrandece a alma.
Carta a um «Amor»
Recordo, Margarida, as tardes quando
Cata no Marão o Sol de Julho!
Meu ranchinho de rolas rorolando,
Vós éreis meu orgulho.O ar como um veludo, os ares tão macios,
Ó tardes do jardim! à fonte da água, aos fios,
íamos todos nós era tão alegre bando
Que desde que eu o não sinto
Sou como um corpo extinto,
Não sinto ora nem quando.E estar de vós tão longe
Cá neste meu terreno onde pareço um monge,
Sem uma linha, um verso
Desse Corgo sem par, a boa e madre
Terra como outra assim não haverá,
Montanhas que no Céu têm aquase o berço!
Escreve, Margarida, ao teu compadre,
Vá!Quero que diga
Florinda como vai, e vai assim Loreto,
Lindo pajem, que linda em seu veludo preto!
E os mais amorzinhos, rapariga,
Os que tua amizade aí me deu!Na alma dum poeta, vê-se nela o céu:
E assim
A tudo, Margarida, o que o prendeu
Arrecada-o na vida, e para a morte.
Escreve mal, e daí,
O Gosto pela Cultura
É mais difícil encontrar um gentleman que um génio. A marca mais distintiva de um homem culto é a possibilidade de aceitar um ponto de vista diferente do seu; pôr-se no lugar de outra pessoa e ver a vida e os seus problemas dessa perspectiva diferente. Estar disposto a experimentar uma ideia nova; poder viver nos limites das divergências intelectuais; examinar sem calor os problemas escaldantes do dia; ter simpatia imaginativa, largueza e flexibilidade de espírito, estabilidade e equilíbrio de sentimentos, calma ponderada para decidir – é ter cultura.
(…) A cultura vem da contemplação da natureza; do estudo da Literatura, Arte e Arquitectura com letras grandes; e do conhecimento pessoal das realidades emocionais da existência. É uma escala de valores, ou méritos, diferente da usada nas esferas dominadas pela ciência e pelo comércio. Vivemos numa cultura onde o sucesso é medido pelos bens materiais. É importante alcançar objectivos materiais, mas ainda é mais importante ser-se cidadão amadurecido, bem equilibrado e culto.A cultura (…) está em nós e não sepultada em estranhas galerias. Significa bondade de espírito e é a base de um bom carácter. A plenitude da vida não vem das coisas exteriores a nós;
As Três Realidades Sociais
Há três realidades sociais – o indivíduo, a Nação, a Humanidade. Tudo mais é fictício. São ficções a Família, a Religião, a Classe. É ficção o Estado. É ficção a Civilização.
O indivíduo, a Nação, a Humanidade são realidades porque são perfeitamente definidos. Têm contorno e forma. O indivíduo é a realidade suprema porque tem um contorno material e mental — é um corpo vivo e uma alma viva.
A Nação é também uma realidade, pois a definem o território, ou o idioma, ou a continuidade histórica — um desses elementos, ou todos. O contorno da nação é contudo mais esbatido, mais contingente, quer geograficamente, porque nem sempre as fronteiras são as que deviam ser; quer linguisticamente, porque largas distâncias no espaço separam países de igual idioma e que naturalmente deveriam formar uma só nação; quer historicamente, porque, por uma parte, critérios diferentes do passado nacional quebram, ou tendem para o quebrar, o vasículo nacional, e, por outra, a continuidade histórica opera diferentemente sobre camadas da população, diferentes por índole, costumes ou cultura.
A Humanidade é outra realidade social, tão forte como o indivíduo, mais forte ainda que a Nação, porque mais definida do que ela. O indivíduo é,
Fraqueza
Espero-te… E sei bem que eu só que te espero…
Aqui me tens… Constante e eterna é a expectativa!
Por que hei de ser assim sempre ingênuo e sincero
por mais que experiência eu tenha, e a vida eu viva?Chegarás… e terás uma resposta esquiva
ao que te perguntar… E eu que tanto te quero
renderei novamente a minha alma cativa,
enquanto sorrirás feliz… e eu desespero…Há um imenso poder nessa tua humildade,
e esse teu ar de mansa ternura e meiguice
estraçalha aos teus pés toda a minha vontade…Que fazer? Hei de sempre perdoar o que fazes…
E se choras, nem sei… Esquecendo o que disse
sou eu que enxugo o pranto e ainda proponho as pazes!
Os que tentam matar o corpo ofendem a Lei de Deus. Os que tentam matar a alma também, embora esta falta seja menos visível aos olhos do próximo.
Este Amor Que Vos Tenho, Limpo E Puro
Este amor que vos tenho, limpo e puro,
de pensamento vil nunca tocado,
em minha tenra idade começado,
tê-lo dentro nesta alma só procuro.De haver nele mudança estou seguro,
sem temer nenhum caso ou duro Fado,
nem o supremo bem ou baixo estado,
nem o tempo presente nem futuro.A bonina e a flor asinha passa;
tudo por terra o Inverno e Estio
deita, só para meu amor é sempre Maio.Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
e que essa ingratidão tudo me enjeita,
traz este meu amor sempre em desmaio.
As Mãos do Meu Pai
As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos…Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas…
essa chama de vida — que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma…