A dor: um silĂȘncio de sentido sobre todos os gestos, um abismo a calar o significado de todas as palavras, um vĂ©u a tornar o tempo inĂștil.
Passagens sobre InĂșteis
383 resultadosBrincando agora de esconder, se te escondesses no meu coração, nĂŁo seria difĂcil encontrar-te. Mas se te escondesses dentro de tua prĂłpria casca, entĂŁo seria inĂștil procurar por ti.
Interrogação
A Guido Batelli
Neste tormento inĂștil, neste empenho
De tornar em silĂȘncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados Ă garganta
Num clamor de loucura que contenho.Ă alma de charneca sacrossanta,
IrmĂŁ da alma rĂștila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde Ă© que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!VisÔes de mundos novos, de infinitos,
CadĂȘncias de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!Dize que mĂŁo Ă© esta que me arrasta?
NĂłdoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que Ă© que eu tenho sede e fome?!
Os Homens sem PĂ© no seu Tempo
Das coisas tristes que o mundo tem, sĂŁo os homens sem pĂ© no seu tempo. Os desgraçados que aparecem assim, cedo de mais ou tarde de mais, lembram-me na vida terras de ninguĂ©m, onde nĂŁo hĂĄ paz possĂvel. Imagine-se a dramĂĄtica situação dum cavernĂcola transportado aos dias de hoje, ou vice-versa. A cada Ă©poca corresponde um certo tipo humano. Um tipo humano intransponĂvel, feito da unidade possĂvel em tal ocasiĂŁo, moldado psicolĂČgicamente, e fisiolĂČgicamente atĂ©, pelas forças que o rodeiam. A Idade MĂ©dia tinha como valores AristĂłteles e os doutores da Igreja. E qualquer espĂrito coevo, por mais alto que fosse, estava irremediĂ velmente emparedado entre a GrĂ©cia sem PlatĂŁo e as colunas do Templo. De nada lhe valia sonhar outro espaço de movimento. Cada inquietação realizava-se ali. O que seria, pois, um Vinci do Renascimento, multĂmodo, aberto a todos os conhecimentos, a bracejar dentro de tĂŁo acanhados muros?
Neste trĂĄgico sĂ©culo vinte, sem qualquer sĂ©rio conteĂșdo ideolĂłgico, sem nenhuma espĂ©cie de grandeza fora do visceral e do somĂĄtico, todo feito de records orgĂąnicos e de conquistas dimensionais, que serenidade interior poderĂĄ ter alguĂ©m alicerçado em valores religiosos, estĂ©ticos, morais, ou outros? Nenhuma. Entre o abismo da sua impossibilidade natural de deixar de ser o que Ă©,
NĂŁo Ă© o trabalho, mas o saber trabalhar, que Ă© o segredo do ĂȘxito no trabalho. Saber trabalhar quer dizer: nĂŁo fazer um esforço inĂștil, persistir no esforço atĂ© ao fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.
Elegia para a AdolescĂȘncia
E enfim descansaremos sob a verde
resistĂȘncia dos campos escondidos.
Nem pensaremos mais no que hĂĄ-de ser de
nĂłs que entĂŁo seremos definidos.No mar que nos chamou, no mar ausente,
simples e prolongado que supomos
seremos atirados de repente,
puros e inĂșteis como sempre fomos.Veremos que as vogais e as consoantes
nĂŁo sĂŁo mais que ornamentos coloridos,
fruto de nossas bocas inconstantes.E em silĂȘncio seremos transformados,
quando formos, serenos e perdidos,
além das coisas vãs precipitados.
NĂłs somos um povo de conversadores… inĂșteis, sobretudo quando nĂŁo somos espirituosos.
Uma AusĂȘncia de Mim
Uma ausĂȘncia de mim por mim se afirma.
E, partindo de mim, na sombra sobre
o chĂŁo que nĂŁo foi meu, na relva simples
o outro ser que sonhei se deita e cisma.Sonhei-o ou me sonhei? Sonhou-me o outro
â e o mundo a circundar-me, o ar, as flores,
os bichos sob o sol, a chuva e tudo â
ou foi o sonho dos demais que sonho?A epiderme da vida me vestiu,
ou breve imaginar de um Ăłcio inĂștil
ergueu da sombra a minha carne, ou souum casulo de tempo, o centro e o sopro
da cisma do outro ser que de mim fala
e que, sonhando o mundo, em mim se acaba.
Elegia dos Amantes LĂșcidos
Na girĂąndola das ĂĄrvores (e nĂŁo hĂĄ quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destinoE nĂŁo houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade nĂŁo estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insectoMeu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausĂȘncia de deus pastando um mongeAh, se uma sĂșbita mĂŁo na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!Mas sĂł porque vieste fez-se tarde,
Ou Ă© a vida que nasce jĂĄ tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque nĂŁo cabe na rapidez do dia?
Mas sĂł hĂĄ um mundo. A felicidade e o absurdo sĂŁo dois filhos da mesma terra. SĂŁo inseparĂĄveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Acontece tambĂ©m que o sentimento do absurdo nasça da felicidade. âAcho que tudo estĂĄ bemâ, diz Ădipo e essa frase Ă© sagrada. Ressoa no universo altivo e limitado do homem. Ensina que nem tudo estĂĄ perdido, que nem tudo foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele entrara com a insatisfação e o gosto das dores InĂșteis. Faz do destino uma questĂŁo do homem, que deve ser tratado entre homens. Toda a alegria silenciosa de SĂsifo aqui reside. O seu destino pertence-lhe.
Ă InĂștil Tudo
Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento,
Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda.
Adormeço sem dormir, ao relento da vida.Ă inĂștil dizer-me que as açÔes tĂȘm conseqĂŒĂȘncias.
Ă inĂștil eu saber que as açÔes usam conseqĂŒĂȘncias.
Ă inĂștil tudo, Ă© inĂștil tudo, Ă© inĂștil tudo.AtravĂ©s do dia de nĂ©voa nĂŁo chega coisa nenhuma.
Tinha agora vontade
De ir esperar ao comboio da Europa o viajante anunciado,
De ir ao cais ver entrar o navio e ter pena de tudo.NĂŁo vem com a tarde oportunidade nenhuma.
2000 Anos de Moral
Talvez um olhar retrospectivo nos mais de dois mil anos passados na inĂștil tentativa de encontrar um fundamento sĂłlido para a moral nos leve a pensar que nĂŁo existe nenhuma moral natural, independente dos preceitos humanos, mas que ela Ă© simplesmente um artefacto, um meio inventado para melhor dominar o egoĂsta e malvado gĂ©nero humano.
Pedra Tumular
A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz nĂŁo tem sentido:
Ă feita de ignorĂąncia e de castigo,
TĂŁo rĂgida e tĂŁo fria como a pedra.Desfazem-se-lhe as mĂŁos em gestos frĂĄgeis,
Duma verdade inĂștil por vazia,
E a lĂngua imĂłvel nega o som Ă vida,
Por hĂĄbito ou por falta de coragem.Se hĂĄ rumores lĂĄ de fora, Ă s vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um tĂșmulo seguro;
E o relĂłgio dĂĄ-lhe horas certas, sempre.
Consumismo Cego
A nossa vida Ă© influenciada em grande medida pelos jornais. A publicidade Ă© feita unicamente no interesse dos produtores e nunca dos consumidores. Por exemplo, convenceu-se o pĂșblico de que o pĂŁo branco Ă© superior ao pĂŁo escuro. A farinha, cada vez mais finamente peneirada, foi privada dos seus princĂpios mais Ășteis. Mas conserva-se melhor e o pĂŁo faz-se mais facilmente. Os moleiros e os padeiros ganham mais dinheiro. Os consumidores comem, sem o saber, um produto inferior. E em todos os paĂses em que o pĂŁo Ă© a parte principal da alimentação, as populaçÔes degeneram. Gastam-se enormes quantias na publicidade comercial. Assim, imensos produtos alimentares e farmacĂȘuticos inĂșteis, e muitas vezes prejudiciais, tornaram-se uma necessidade para os homens civilizados. Deste modo, a avidez dos indivĂduos suficientemente hĂĄbeis para orientar o gosto das massas populares para os produtos Ă venda desempenha um papel capital na nossa civilização.
Ă inĂștil obter por piedade aquilo que desejamos por amor.
Ouça um bom conselho que eu lhe dou de graça: inĂștil dormir que a dor nĂŁo passa. Espere sentado ou vocĂȘ se cansa. EstĂĄ provado, quem espera nunca alcança.
Mostrar cĂłlera e Ăłdio nas palavras ou no semblante Ă© inĂștil, perigoso, imprudente, ridĂculo e comum. NĂŁo devemos mostrar a nossa cĂłlera ou o nosso Ăłdio senĂŁo por meio de actos; e estes podem ser praticados tanto mais perfeitamente quanto mais perfeitamente tivermos evitado os primeiros. Os animais de sangue frio sĂŁo os Ășnicos que tĂȘm veneno.
As naçÔes livres sĂŁo altivas, as outras podem mais facilmente ser inĂșteis.
Viver com o Coração ou com a Razão
Viver segundo a razĂŁo, alvitre que os filĂłsofos pregoam, Ă© bom de dizer-se e desejar-se, mas enquanto os filĂłsofos nĂŁo derem uma razĂŁo a cada homem, e essa razĂŁo igual Ă de todos os homens, o apostolado Ă© de todo inĂștil. Melhor avisados andam os moralistas religiosos, subordinando a humanidade aos ditames de uma mesma fĂ©; todavia, e sem menoscabo dos preceitos evangĂ©licos que altamente venero, parece-me que o homem, sincero crente, e devotado cristĂŁo, no meio destes mouros, que vivem Ă luz do sĂ©culo, e meneiam os negĂłcios temporais a seu sabor, tal homem, se pedir a seu bom juĂzo religioso a norma dos deveres a respeitar, e dos direitos a reclamar, ganha crĂ©ditos de parvo, e morre sequestrado dos prazeres da vida, se quiser poupar-se ao desgosto de ser apupado, procurando-os.
Como sabem, eu nunca andei em boas-avenças com a religiĂŁo de meus pais; e por isso me abstenho de lhe imputar a responsabilidade das minhas quedas, seja dos pinĂĄculos aĂ©reos onde o coração me alçou, seja do raso da razĂŁo, onde as quedas, bem que baixas, sĂŁo mais igminiosas. Eu comparo o cair das alturas do coração Ă queda que se dĂĄ dum garboso cavalo: quem nos vĂȘ cair pode ser que nos deplore;
Se tudo fosse claro, tudo nos pareceria inĂștil.