A Dificuldade de Estabelecer e Firmar Relações
A dificuldade de estabelecer e firmar relações. Há uma tĂ©cnica para isso, conheço-a. Nunca pude meter-me nela. Ser «simpático». É realmente fácil: prestabilidade, autodomĂnio. Mas. Ser sociável exige um esforço enorme — fĂsico. Quem se habituou, já se nĂŁo cansa. Tudo se passa Ă superfĂcie do esforço. Ter «personalidade»: nĂŁo descer um milĂmetro no trato, mesmo quando por delicadeza se finge. Assumirmos a importância de nĂłs sem o mostrar. Darmo-nos valor sem o exibir. Irresistivelmente, agacho-me. E logo: a pata dos outros em cima. Bem feito. Pois se me pus a jeito. E entĂŁo reponto. O fim. Ser prestável, colaborar nas tarefas que os outros nos inventam. ColĂłquios, conferĂŞncias, organizações de. Ah, ser-se um «inĂştil» (um «parasita»…). Razões profundas — um complexo duplo que vem da juventude: incompreensĂŁo do irmĂŁo corpo e da bolsa paterna. O segundo remediou-se. Tenho desprezo pelo dinheiro. Ligo tĂŁo pouco ao dinheiro que nem o gasto… Mas «gastar» faz parte da «personalidade». SaĂşde — mais difĂcil. Este ar apeurĂ© que vem logo ao de cima. A Ăşnica defesa, obviamente, Ă© o resguardo, o isolamento, a medida.
É fácil ser «simpático», difĂcil Ă© perseverar, assumir o artifĂcio da facilidade. Conservar os amigos. «NĂŁo Ă©s capaz de dar nada», disseram-me. Oh, sou mesmo capaz de dar tudo. Do que nĂŁo sou capaz Ă© de me enfiar na tĂ©cnica da «generosidade» — normalmente, aliás, avara. Dar tudo — mas de uma sĂł vez ou de cada vez, e nĂŁo fazer da generosidade governada um meio simpático e coercivo de atrair uma corte. Nos intervalos, regresso. Agora, mais do que nunca, se exige a tĂ©cnica da sociabilidade. Sou irremediavelmente de um tempo passado. NinguĂ©m dos que convivem comigo me acusam de. O que me Ă© difĂcil Ă© ser sociável por automatismo. Os sociáveis sĂŁo-no com toda a gente e ninguĂ©m. Criaram esse modo de ser por fora. Como o pentearem-se e fazer a barba. E governam-no como lhes interessa. De qualquer modo o que me aflige Ă© a facilidade do impulso, o primarismo dos máximos (para cima e para baixo), a incapacidade de controlo, de frieza exterior, a fácil emotividade, o «entrar em pânico» (Regina), a falta — que diabo, digamos tudo — de coragem. Aguentar as contrariedades. Tenho o dom de as tornar mais calamitosas. Acabou-se: Ă© difĂcil aprender a viver. Ou ter oportunidade de. Um sempre instável equilĂbrio. O viver por metade. Bom. LamĂşria, já assentámos que nĂŁo.