A Causa da Vontade

A nossa vida não passaria de uma série de caprichos, se a nossa vontade se determinasse por si mesma e sem motivos. Não temos vontade que não seja produzida por alguma reflexão ou por alguma paixão. Quando levanto a mão, é para fazer uma experiência com a minha liberdade ou por alguma outra razão. Quando me propõem um jogo de escolha entre par ou ímpar, durante o tempo em que as ideias de um e de outro se sucedem no meu espírito com rapidez, mescladas de esperança e temor, se escolho par, é porque a necessidade de fazer uma escolha se apresenta ao meu pensamento no momento em que par está aí presente. Proponha-se o exemplo que se quiser, demonstrarei a qualquer homem de boa-fé que não temos nenhuma vontade que não seja precedida por algum sentimento ou por algum arrazoado que a faz nascer. É verdade que a vontade tem também o poder de excitar as nossas ideias; mas é necessário que ela própria seja antes determinada por alguma causa.
A vontade não é nunca o primeiro princípio das nossas acções, ela é o seu último móbil; é o ponteiro que marca as horas num relógio e que o leva a dar as pancadas sonoras. O que esconde dos nossos sentidos o móbil das suas vontades é a fuga precipitada das nossas ideias ou a complicação dos sentimentos que nos agitam. O motivo que nos faz agir muitas vezes já desapareceu no instante em que agimos, e não mais lhe encontramos o rastro. Ora a verdade ora a opinião nos determinam, ora a paixão; e todos os filósofos, de acordo nesse ponto, remetem à experiência.
Mas, dizem os sábios, já que a reflexão é tão capaz de nos determinar quanto os sentimentos, oponhamos então a razão às paixões quando as paixões nos atacam. Eles não atinam que não podemos nem mesmo ter a vontade de chamar em nossa ajuda a razão quando a paixão nos aconselha e nos preocupa com o seu objecto. Para resistir à paixão, seria necessário pelo menos querer resistir-lhe. Mas a paixão fará nascer em vós o desejo de combater a paixão, na ausência da razão vencida e dissipada? O maior bem conhecido, dizem, determina necessariamente a nossa alma. Sim, se for sentido como tal e estiver presente no nosso espírito; mas se o sentimento desse pretenso bem estiver enfraquecido, ou se a lembrança das suas promessas dormitar no seio da memória, o sentimento actual e dominante vence sem dificuldade: entre duas potências rivais, a mais fraca é necessariamente vencida.